Bancos se articulam para combater parcelamento sem juros no cartão

Felipe Marques e Fernando Travaglini
Valor Econômico

O governo elegeu o cartão de crédito como o novo inimigo na cruzada pela redução dos juros bancários. A presidente da República, Dilma Rousseff, clamou por cortes nas taxas via cartão e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez coro. Com taxas que chegam a 300% ao ano, o cartão é a forma mais cara de financiamento ao consumo, mas é dos mais usados pela praticidade.

Em meio à grita governamental, os maiores bancos privados começam a travar uma guerra silenciosa contra aquele que consideram o real motivo dos juros anormais do cartão: o popular – e brasileiríssimo – parcelado sem juros.

Segundo o Valor apurou, as conversas de bancos com regulador e varejistas têm se intensificado em busca de uma maneira de reduzir o peso do parcelado. “Temos que reduzir as taxas, se queremos falar abertamente sobre o produto em campanhas de parcelamento com juros”, diz um banqueiro.

O primeiro passo cogitado é a redução gradual do número máximo de parcelas sem juros, já que hoje uma boa parte dos estabelecimentos comerciais pratica 12 vezes (que pode chegar a 18). O problema mais sério estaria na venda de bens duráveis e semi-duráveis, com maior número de parcelas.

Representando cerca de 70% de todo o estoque da dívida originada por cartões, ou R$ 85 bilhões, o parcelado sem juros, que só existe no Brasil, nasceu no começo da década de 90 para se realizar a venda de passagens aéreas, mas acabou como instrumento para substituir o cheque pré-datado, outra criação tupiniquim e fonte de calotes para os varejistas no passado.

A tarefa foi cumprida com sucesso. Mas os bancos acabaram reféns do produto, já que podem perder um cliente para a concorrência caso não ofereçam essa possibilidade ao lojista. “Os juros altos do rotativo do cartão de crédito passaram a sustentar todo o estoque de parcelado, mesmo tendo um volume bem menor”, afirma um executivo da área de cartões de um grande banco. “Carregamos um risco de crédito no balanço e não temos remuneração por isso, o que causa a distorção nas taxas”, justifica.

O BC estima que, dos R$ 407 bilhões em volume de operações da indústria de cartões em 2011, metade foi paga com parcelamento, sendo a maior parte sem juros. A autoridade monetária também calcula que apenas 10% desses R$ 407 bilhões estejam no rotativo do cartão, em que as taxas são as mais elevadas. O BC define o rotativo como “o valor total das compras menos o valor pago das faturas”.

É no rotativo também que se concentra a alta inadimplência do cartão, com índice de atrasos acima de 90 dias na casa dos 28%, o maior do sistema financeiro e nesse patamar há anos (ver gráfico). Considerando os calotes acima de 15 dias, o percentual sobe para quase 40%, contribuindo para taxas ainda mais elevadas.

Segundo Rodrigo Cury, superintendente de produtos do Citibank, que administra a Credicard, sem o entrave do parcelado, os juros poderiam ir de 120% ao ano para 20%. “O rotativo subsidia todo o saldo de parcelado.”

A opinião de Cury, porém, não é unanimidade na indústria financeira. “Deve haver um maior equilíbrio no parcelado sem juros, mas não há dúvida que ele é bom para consumidor e, em última instância, positivo para as vendas”, afirma um executivo.

“O Brasil se bancarizou muito via cartões e isso trouxe a alta inadimplência da modalidade. Essa é uma questão que influencia nas taxas do rotativo”, avalia a fonte, que acredita em queda mais acelerada dos juros do cartão graças à pressão do governo, ainda que não haja solução para o parcelado e que isso implique em perda de margem para os bancos.

“Tudo tem que ser sustentável na indústria de cartões, não só o lado do consumidor”, afirma Claudio Yamaguti, presidente da associação das empresas de cartões (Abecs), sobre a possibilidade de reduções das taxas.

As instituições financeiras vêm tentando fazer do varejo um aliado na guerra contra o parcelado sem juros. Grandes redes varejistas, como Magazine Luiza e Fast Shop, tentam limitar ou encontrar uma alternativa à modalidade.

Roque Pellizzaro Junior, presidente da CNDL, confederação dos lojistas, afirma que em breve a entidade deve se encontrar com o Banco Central para discutir o assunto. “Não somos contrários ao parcelado sem juros, mas os prazos se alongaram demais. Seis vezes sem juros é algo razoável.”

A questão para o lojista é que, com o parcelado sem juros, o estabelecimento só recebe pela venda conforme o cliente paga as parcelas. Antes disso, se quiser antecipar receita, precisa descontar os recebíveis com o banco, e pagar juros por isso. No parcelado com juros, a empresa de cartões paga imediatamente ao lojista o valor da venda.

Os lojistas arcam ainda com um custo crescente pago aos chamados credenciadores de cartões (como a Cielo e a Redecard, que capturam e processam transações em cartões para o varejo), conforme cresce o total de parcelas. São as credenciadoras que hoje fazem a interface com o varejo. Enquanto os bancos emissores dos plásticos fazem o relacionamento com o usuário.

“O parcelado traz um desequilíbrio estrutural ao sistema. Só se beneficia com ele a credenciadora, já que o banco emissor não é remunerado e o lojista tem problemas de gestão de caixa”, avalia Boanerges Ramos Freire, sócio da consultoria Boanerges & Cia.

No Brasil há uma ligação umbilical entre bancos e credenciadoras. A Redecard está em meio a uma oferta de fechamento de capital feita por seu controlador, o Itaú. Se bem-sucedida, é de se supor que o banco passe a ser mais agressivo em sua política comercial junto aos lojistas para tentar reduzir a presença do parcelado sem juros.

Yamaguti, da Abecs, diz que o setor de cartões já trabalha em alternativas para o parcelado, caso do “crediário”, uma linha de crédito que pode ser contratada na hora da compra, na própria maquininha onde se passa o cartão (o POS), e que parcela a compra em até 24 vezes com juros próximos de 1,5% ao mês. A modalidade pode agradar os lojistas por causa do pagamento cerca de dois dias após a compra. Outra modalidade que poderia ajudar a substituir o parcelado sem juros, e que ainda não existe no Brasil, é o parcelamento de um item específico na fatura do cliente, afirma Cury, do Citi.

Enquanto o impasse do parcelado sem juros não é resolvido, há bancos que buscam alternativa para baixar os juros do cartão. Caso da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, que anunciaram, nas últimas semanas, cortes nas taxas do rotativo

Isso não significa que estejam alheios à necessidade de controlar o parcelado sem juros. A Caixa acredita que esse é um passo importante para estimular as operações com juros.

O Itaú também optou por baixar os juros do cartão sem mexer no parcelado sem juros. Lançou um cartão alternativo em que eliminou os 40 dias sem juros da fatura, outra particularidade da indústria brasileira que ajudaria a elevar taxas. Assim, adotou o modelo americano, em que, uma vez que o cliente entre no rotativo, está sujeito a juros retroativos até o momento da compra (menores que o do rotativo brasileiro, em que o juro só conta a partir do não pagamento da fatura).

O BB e também o Itaú apostam no parcelamento da fatura, que tem sido oferecido aos clientes. Assim, acreditam que conseguem reduzir o uso do rotativo, alongar a dívida do cliente e melhorar a imagem do produto.

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