Bancos retêm dinheiro que deveria irrigar crédito, acusa Miguel Jorge

Sergio Leo, de Nova Déli
Valor Econômico
13/10/2008

Os bancos brasileiros continuam a reter o dinheiro que deveria ser liberado para o crédito, acusou o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, ao chegar à Índia para a reunião de cúpula Brasil-Índia-África do Sul.

“O governo diminuiu o depósito compulsório e o dinheiro permaneceu no banco”, comentou o ministro. “Os bancos estão pegando o dinheiro e segurando, apesar de estarem em situação diferente da dos bancos no exterior”. A crise financeira internacional deve ser o principal assunto da reunião dos três países, confirmou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

“Brasil, Índia e África do Sul fizeram essa coalizão de países em desenvolvimento que tem sido muito produtiva, mas está na hora de mostrar que ela pode fazer mais”, afirmou Amorim. Dizendo ainda não ter idéia do que pode ser feito, ele insinuou que os países devem discutir mecanismos alternativos de crédito às exportações, para contornar a retração nos empréstimos ao comércio dos grandes bancos internacionais.

“O comércio entre Brasil, África do Sul e Índia não pode ficar à mercê do problema do crédito gerado por países ricos”, disse Amorim. “Temos de pensar mais profundamente e ver resposta a médio e longo prazo”, afirmou.

Conforme Miguel Jorge, o aperto no crédito, que já criava problemas para a agricultura, já afeta seriamente setores como o de papel e celulose e o automotivo. Empresas como GM e Fiat, cujas filiais brasileiras foram importantes para compensar as perdas das matrizes com a crise, já têm dificuldades para manter metas de produção, especialmente por causa da queda na demanda das locadoras de automóveis.

A reunião dos presidentes dos três países levará a assinaturas de memorandos de entendimento e acordos em áreas como transporte, cultura e intercâmbio de estudantes. Os empresários brasileiros apostam principalmente nos planos de ação a serem criados pelos governos para melhorar a ligação marítima e aérea entre os países.

Segundo sugestão dos empresários, os planos devem prever o estabelecimento de portos como plataformas de conexão (hubs) para centralizar o movimento de cargas entre os três mercados, medidas para reduzir a burocracia no despacho portuário, o uso do porto sul-africano de Durban como centro de movimentação de cargas entre os três países, incentivos à interconexão aérea e a criação de uma política de “céus abertos” trilateral, com permissão para qualquer companhia indiana, brasileira ou sul-africana operar vôos internacionais nos três mercados.

Estudo realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que, embora o comércio entre Brasil, Índia e África do Sul seja pequeno (entre 0,8% e 2,3% do comércio global de cada um) a taxa de aumento no comércio bilateral tem oscilado em torno de 21,8% anuais, maior que o comércio de cada um em relação ao resto do mundo. A manutenção desse aumento é considerada fundamental para estimular o setor privado a melhorar a “conectividade” do sistema de transportes de cada um dos países.

Há, porém, questões comerciais pendentes, como confirmou o ministro Miguel Jorge ao chegar à Índia. Só com os indianos, o Brasil tem demandas não atendidas que espera ver resolvidas durante os encontros bilaterais que serão mantidos em Nova Déli. Um deles é a concretização da promessa indiana de investir US$ 600 milhões em usinas de etanol no Brasil, anunciada em março.

“Apesar do aumento substancial de comércio do ano passado para cá, temos algumas coisas para resolver, como esse investimento em etanol, que foi anunciado mas não saiu”, disse o ministro. Outra promessa não confirmado na prática foi a cota de importação de cem mil toneladas de frango brasileiro na Índia. “Foi anunciada e não se resolveu”, lamentou Miguel Jorge. “Vamos tentar igualar a tarifa de importação do frango inteiro com a do cortado; hoje uma é de 30% e a outra, de 100%”, disse.

Os diplomatas tentavam, ainda ontem, finalizar as negociações para os acordos a serem firmados. Pelo menos dois deles, um sobre ciência e tecnologia e outro sobre propriedade intelectual, enfrentavam dificuldades devido às mudanças de governo realizadas na África do Sul.

A reunião de cúpula será acompanhada de um encontro de empresários dos três países, mas não está previsto o anúncio de qualquer negócio de grande porte. Com uma agenda rotineira, sem fortes decisões, o encontro deverá ser usado pelos presidentes principalmente para discutir uma intervenção conjunta no cenário de crise mundial.

O governo brasileiro defende, por exemplo, uma atuação mais agressiva para mudanças no sistema financeiro internacional, como uma reforma radical na estrutura do Fundo Monetário Internacional. “Uma reforma será necessária”, comentou Amorim, ao lembrar que o assunto foi tratado publicamente por economistas respeitados e pelo próprio diretor-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn.

“Não é só reformar as cotas [de participação no capital do Fundo] e o direito de voto, que estávamos discutindo até agora”, adiantou. “Temos de reformar a própria missão do FMI, para evitar situações como essa crise”. Para Amorim, o FMI tem de mudar para “ser capaz de fiscalizar, supervisionar, prever e ter regras para todos”.

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