Depois de cursar fisioterapia por dois anos, Fernanda Andrade Silva se viu diante de um impasse em 2006. A mensalidade da faculdade, de R$ 900, tinha se tornado grande demais para ser paga com o salário de R$ 1.100 que recebia como bancária. Por três dias, ela deixou de frequentar o curso, achando que não retornaria mais às classes por falta de dinheiro.
Mas um anúncio de crédito universitário pregado na parede da escola acabou levando Fernanda de volta à sala de aula. “Eu não queria jogar dois anos de estudo no lixo, por isso resolvi descobrir o que era aquilo”, conta. Com o crédito, ela começou a pagar meia mensalidade por mês, valor que se encaixou melhor no bolso, e conseguiu se formar. Hoje faz pós-graduação enquanto acaba de pagar as últimas parcelas do curso.
A solução que Fernanda arrumou para concluir o ensino superior é bastante incomum entre os brasileiros. Entre os colegas de classe, a fisioterapeuta foi a única a estudar com o crédito. Hoje as formas de financiamento estudantil estão basicamente restritas ao Financiamento Estudantil (Fies), programa de crédito do governo que atende 477 mil jovens. Mas, de olho em um mercado que movimenta cerca de R$ 25 bilhões por ano em mensalidades, os bancos se preparam para lançar suas próprias linhas de crédito à graduação.
O Itaú Unibanco já começou as concessões de empréstimos nesta temporada de matrículas, enquanto o Santander conclui seu programa piloto para iniciar as liberações a partir do segundo semestre. Os dois se juntam ao banco ABC Brasil, que opera por meio da promotora Ideal Invest, e à Caixa Econômica Federal, atualmente a única repassadora do Fies e que também está estruturando um produto com recursos próprios.
Por enquanto, o grosso da artilharia dos bancos está voltada para o crédito imobiliário, cujo movimento de expansão apenas começou no Brasil. Porém, a avaliação das instituições financeiras é que, na sequência do boom da casa própria, o crédito se expandirá entre os universitários. Enquanto nos Estados Unidos cerca de 85% dos estudantes usam algum tipo de crédito, aqui estimativas indicam que aproximadamente 5% recorrem a financiamentos para arcar com as mensalidades.
Para as faculdades, esse é um tema fundamental para a expansão do negócio, que depende da chegada de novos alunos à sala de aula. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), existem 5 milhões de matrículas no ensino superior, sendo que 3,8 milhões são em escolas privadas. Porém, o número de potenciais estudantes é bem maior. São 20 milhões de jovens com idade entre 18 e 24 anos no Brasil, faixa etária na qual se enquadram os universitários.
Atualmente, o grande fator de exclusão dos jovens do ensino superior é a mensalidade. “Famílias com renda de R$ 1,5 mil a R$ 2 mil não têm condições e a solução seria o crédito.”, diz Marcos Magalhães, diretor do Itaú Unibanco. A mensalidade média no Brasil fica na casa dos R$ 500.
“Ainda é difícil para as pessoas enxergar o retorno da educação, via emprego e renda. Hoje, é mais trivial financiar um carro, um ativo que vai trazer gastos”, diz Carlos Furlan, diretor financeiro e sócio da Ideal Invest, uma das pioneiras no crédito estudantil. O estoque de crédito para veículos é de R$ 156 bilhões no Brasil, enquanto o crédito estudantil tem cerca de R$ 5 bilhões. O esforço dos bancos e das universidades agora é fazer com que o crédito para estudar se torne tão comum quanto o financiamento de carros.
O modelo adotado pelo Itaú Unibanco é similar ao usado por outros países em desenvolvimento, como México e Colômbia, em que o estudante arca com aproximadamente metade do valor da mensalidade durante o curso, e o restante é pago após a formatura em prazo igual à duração da graduação. A renovação é feita a cada semestre e sempre com carência para não acumular as parcelas. Segundo Marcos Magalhães, diretor do Itaú Unibanco, a taxa composta geral de todo período contratado fica em torno de 8% ao ano. “Uma vez contratado, os valores são fixos. O aluno sabe quanto vai pagar no fim do curso”, diz ele, que estima em R$ 10 bilhões o potencial para a carteira de créditos universitários no médio prazo.
Para conseguir juros baixos – menores até do que a taxa básica Selic -, o banco fecha acordos com as universidades, que subsidiam os custos. “Parte dos juros ou da inadimplência é dividida com a escola, dependendo da relevância que o financiamento tem para a instituição ou como ela pensa sua estratégia”, afirma o diretor.
Já o Santander, cuja matriz espanhola tem bastante envolvimento com o fomento universitário, deve lançar oficialmente seu programa no segundo semestre para financiar até 100% do curso, segundo Jamil Hannouche, executivo responsável pelo Santander Universidades. No México e no Chile, o produto já existe.
A Ideal Invest, que começou a operar com crédito universitário em 2006 e hoje atende 12,5 mil alunos, planeja aumentar o volume de concessão de recursos. A empresa quer dobrar a atual carteira, de R$ 70 milhões, nos próximos 18 meses. Para isso, neste mês o PraValer será divulgado neste mês nas estações de metrô para atrair os alunos.
O produto funciona da seguinte forma: recursos do banco ABC Brasil financiam os alunos aprovados pelo sistema da Ideal Invest. Os recebíveis dessa operação, por sua vez, são comprados pelo Crédito Universitário Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), que fica com o risco de inadimplência. Por enquanto, o negócio tem se mostrado melhor que o esperado. A inadimplência tem ficado na casa dos 4,5%, valor bastante inferior aos 9% previstos pela agência de classificação de risco Standard & Poor’s. O rating do FIDC, de “brAf”, poderá ser elevado se o nível de adimplência das mensalidades continuar se mostrando bom no futuro.
Não é apenas no crescimento do mercado de ensino superior que a Ideal Invest tem interesse. “Muitos alunos cursam uma faculdade hoje apenas porque ela cabe no bolso. Com o crédito, a seleção passará a ser pela qualidade”, diz Furlan.
A empresa, fundada por ex-executivos do mercado financeiro, chamou a atenção de outros investidores. Em 2007, recebeu aporte de fundos de private equity da Gávea e da Pragma. No fim do ano passado, quem entrou na sociedade foi o International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial para o setor privado, com investimento de R$ 12 milhões.
O Banco do Brasil e o Bradesco oferecem linhas para estudantes, mas são operação de crédito direto ao consumidor (CDC) com prazos de até 60 e 48 meses, respectivamente. Mas novidades podem aparecer. “Esse é um nicho bastante interessante porque traz um futuro profissional para dentro do banco. Vamos colocar uma lupa em cima disso”, diz Nilton Pelegrino, diretor do Bradesco.
O interesse dos bancos também está em outras frentes, como a fidelização do cliente pessoa física. Hannouche, do Santander, divide o ciclo da graduação em três etapas e diz que todas podem ser atendidas por produtos bancários. Num primeiro momento vêm as necessidades básicas, como a compra do material escolar ou do computador, por exemplo. Nos anos seguintes, o cliente já pode estar num estágio, e os produtos que demanda do banco se diversificam. Por fim, já formando, ele poderia pegar linhas para financiar pequenos empreendimentos.
Além do aluno, os bancos também estão de olho no relacionamento mais estreito com a instituição de ensino, cujas demandas vão desde a administração da folha de pagamento até a concessão de empréstimos para investimento e capital de giro. “Temos convênio com cerca de 20 universidades e todas elas são nossas clientes”, diz Magalhães, do Itaú Unibanco.