O financiamento pelo Estado, por meio de bancos públicos, teve papel fundamental no desenvolvimento do Brasil a partir da segunda metade do século 20. A afirmação, do presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino, sintetiza o debate na mesa de abertura do Seminário Em Defesa dos Bancos Públicos, promovido pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região na segunda-feira (10).
“Em 1964, ano do golpe militar, o Brasil era a 56ª economia do mundo e, ao longo das últimas décadas, tornou-se uma das 10 maiores economias do mundo. E isso que fizemos nos últimos 15 anos, que nos tornou respeitados, nos levou a criar os Brics, isso não poderia ter sido feito sem um sistema financeiro estatal forte, que financiou nosso desenvolvimento”, disse.
Pedro Celestino lembrou que desde a independência até os anos 1950, a economia brasileira era voltada para o mercado externo e o país ocupava o lugar de exportador de café e minérios. “O nosso setor bancário era voltado para o câmbio, para as relações econômicas com o exterior porque a nossa economia se caracterizava por ser exportadora, e nosso mercado interno se restringia a São Paulo, Rio, Porto Alegre e algumas outras capitais. Isso começa a mudar nos anos 50, no governo Vargas que cria o então BNDE, cria a Petrobras porque era essencial ao Brasil reduzir sua dependência absoluta da importação de derivados de petróleo. E posteriormente a criação da Eletrobras. Não seria possível a construção dessas duas empresas que se mostraram fundamentais para o país se não houvesse o financiamento público através do BNDES.”
Ele lembrou ainda que, já àquela época, como novamente agora com o golpe e o ataque aos bancos públicos promovido por Temer, se procurava “impedir a transformação do Brasil de economia vinculada a interesses externos a um Brasil voltado para os brasileiros”.
Fundamental para moradia
O líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, destacou a importância da Caixa para o financiamento habitacional dos mais pobres. “Os bancos públicos são simplesmente a condição para uma política de habitação popular que atenda os mais pobres do Brasil. Financiamento baseado no lucro era historicamente a política habitacional no Brasil, era o BNH. Isso gerou um passivo de 6,6 milhões de famílias sem moradia, mais de 20 milhões de pessoas, 84% delas com renda mensal inferior a três salários mínimos. Essas pessoas não têm acesso a crédito imobiliário, elas não passam nem da porta da agência bancária. Portanto, financiamento habitacional tem que se basear no subsídio, essa é a única forma de combater o déficit habitacional no Brasil. Ou o Estado financia com subsídio, ou não tem moradia popular no país”, afirmou.
Boulos citou o papel da Caixa, como operadora do programa Minha Casa, Minha Vida, criado em 2009 no governo Lula, que subsidiou moradia para famílias mais pobres – a Faixa 1 do programa financia casas próprias para famílias com renda mensal de até R$ 1.800. E lembrou que a Faixa 1 foi suspensa no governo Temer e só foi retomada, ainda de maneira insuficiente, após luta do movimento por moradia, que ficou semanas acampado na Avenida Paulista, em fevereiro deste ano. “A luta pela defesa dos bancos públicos, contra a privataria e para garantir que essas instituições sejam instrumento para políticas sociais não é apenas dos bancários, é dos sem teto, é de todos os trabalhadores brasileiros, e essa luta nós vamos travar ombro a ombro”, concluiu, lembrando a greve geral convocada para 28 de abril.
Ganhos na educação
A presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE), Carina Vitral, ressaltou, por sua vez, a importância de BB e Caixa para o financiamento estudantil. “Eu e o Guilherme [Boulos] somos lideranças de categorias que necessitam dos bancos públicos, por causa de programas sociais como Fies e Minha Casa, Minha Vida. No governo Dilma chegamos a ter 1 milhão de contratos ao ano através do financiamento estudantil, a juros baixos, desburocratizado”.
Segundo Carina Vitral, os interesses por trás do golpe que derrubou uma presidenta legitimamente eleita ficam cada vez mais claros. “Os bancos públicos sofrem franco ataque, numa conjuntura política de instabilidade fruto de um golpe parlamentar. E todo esse retrocesso só é possível como fruto de um golpe, nem FHC conseguiu. No meio de uma crise econômica do capitalismo, o imperialismo teve que mostrar suas garras na América Latina”, disse, lembrando Paraguai e Honduras. “Não é à toa que o fundo desse golpe tenha os ataques à Petrobras logo após a gente ter descoberto uma de nossas maiores riquezas, o pré-sal.”
O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, afirmou que nenhuma nação no mundo se desenvolveu sem o financiamento do Estado. “Os banqueiros foram um dos principais financiadores do golpe porque não se contentam em disputar apenas 50% do mercado financeiro [os bancos públicos detêm os outros 50%]. Acham mesmo que Bradesco, Itaú e Santander querem disputar só a metade do mercado? E eles [os banqueiros] não podiam fazer isso nos governos populares, então financiaram o golpe. Além do sucateamento da Petrobras, outro projeto do golpe é a privatização do BB, da Caixa e do BNDES”, destacou Vagner, apontando para a necessidade de resistir.
A vice-presidenta da Contraf-CUT e presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Juvandia Moreira, que mediou a mesa, lembrou que a resistência ao desmonte dos bancos públicos é a função do seminário, evento que lançará a cartilha Em Defesa dos Bancos Públicos: Verdades e Mentiras, elaborada pelo Sindicato em parceria com os economistas João Sicsú e Antonio Alves Júnior. “Estamos vivendo uma conjuntura de desmonte do Estado e estamos tendo de lutar para garantir as conquistas e os avanços que tivemos nos últimos anos de governos populares. Vivemos isso na década de 1990 e estamos voltando a isso.”