Banco do Brasil e Nossa Caixa divergem sobre valor de ativos, diz jornal

Vanessa Adachi e Raquel Balarin
Valor Econômico

O início das negociações de incorporação da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil foram anunciados há três meses, mas as conversas ainda não chegaram no quesito preço. Terminada a “due dilligence” (verificação de ativos e passivos), a negociação agora está concentrada em quatro pontos fundamentais: chegar a um acordo sobre quanto valem a conta única do Tesouro paulista, os depósitos judiciais, a folha de pagamentos dos servidores estaduais e resolver a saída que será dada à participação da espanhola Mapfre na seguradora do banco, apurou o Valor. Procurados, BB e Nossa Caixa preferiram não se manifestar.

As divergências não são nada pequenas e alguns participantes até duvidam que a negociação possa estar concluída até novembro, como previu o presidente do BB, Antônio Francisco de Lima Neto. O prazo de novembro é importante porque a incorporação precisa ser aprovada pela Assembléia Legislativa de São Paulo e os deputados estaduais entram em recesso em dezembro. Como as duas instituições são de capital aberto, arrastar as negociações para 2009 é contra-indicado – a Comissão de Valores de São Paulo (CVM) já tem enviado questionamentos. E o governador de São Paulo, José Serra, tem pressa. Quer usar os recursos para alavancar os investimentos, com vistas às eleições de 2010.

De um lado, o governo paulista tenta valorizar seus ativos, especialmente a conta única, a folha de servidores e os depósitos judiciais. De outro, o BB negocia para pagar menos. Segundo fonte que acompanha as discussões, o fato de ambos os bancos serem instituições públicas, cujos negócios estão sujeitos a análises de órgãos como os Tribunais de Contas, torna as conversas mais difíceis.
Entre os pontos de divergência, um dos principais diz respeito aos depósitos judiciais – depósitos determinados em processos que tramitam na Justiça e que ficam bloqueados até o término da ação. Por lei, tanto os depósitos judiciais como a conta única do Estado (que centraliza as operações bancárias do Tesouro do Estado) têm que ficar em um banco público.

Como o BB se encaixa na regra, o governo paulista quer cobrar um valor alto por esses dois ativos. O argumento é de que esses recursos têm um custo de captação barato. Os depósitos judiciais, por exemplo, rendem TR mais 0,5% ao mês e a Nossa Caixa tem conseguido alavancar negócios como o crédito consignado (com desconto em folha de pagamento) com base nessa captação barata. No fim de junho, o estoque desses depósitos na Nossa Caixa era de R$ 15,2 bilhões.

O BB, segundo apurou o Valor, reconhece que o depósito judicial e a conta única são ativos importantes. Mas tem destacado alguns pontos negativos. No caso da conta única, por exemplo, outro banco público, como a Caixa Econômica Federal, estaria apto a fornecer o serviço. “É bom lembrar que essa é uma decisão política. Quem garante que outro governador que assuma no lugar do Serra irá manter no BB a conta única?”, questiona um envolvido. O BB também estaria questionando o fato de que não há 100% de garantia de que os depósitos judiciais permanecerão no banco porque o Judiciário poderia optar por migrá-los para outra instituição pública. Hoje, há uma forte pressão dos bancos privados para que os depósitos possam ser feitos em qualquer instituição, com a mesma rentabilidade de outras aplicações.

Diferentemente dos dois outros ativos, a folha de pagamentos dos funcionários estaduais pode ser transferida para um banco privado. Em março do ano passado, o governador paulista, José Serra, cobrou R$ 2,084 bilhões da Nossa Caixa para que o banco administrasse a sua folha pelos próximos cinco anos, depois que acabou a exclusividade obtida pelo Santander com a compra do Banespa. Dos 5,5 milhões de clientes da Nossa Caixa, cerca de 1,3 milhão são funcionários públicos, de elevado poder aquisitivo. Essa negociação pode fornecer uma idéia do quanto o governo acredita que vale o ativo. O acerto, entretanto, desagradou investidores da Nossa Caixa, que consideraram o preço alto demais. As ações do banco despencaram e só voltaram a se recuperar agora, com a notícia do interesse do BB.

Para o BB, a folha de pagamento tem um valor menor do que a estimada pelo governo paulista e decrescente, já que a partir de janeiro de 2012 os funcionários públicos terão direito de escolher onde querem receber seu salário. No máximo, portanto, o BB teria três anos para explorar essa base de clientes – os anos de 2009, 2010 e 2011. A Nossa Caixa argumenta que a fidelização desse cliente costuma ser elevada, com base na sua própria experiência no embate com o Santander no ano passado.

Outro ponto de destaque na negociação é o preço a ser pago pelo BB na sociedade que a Nossa Caixa tem com a seguradora Mapfre. O grupo espanhol tem 51% das ações da Nossa Caixa Mapfre Vida e Previdência, enquanto o banco paulista tem os demais 49%. O acordo entre os sócios prevê que, em caso de transferência de controle da Nossa Caixa, a Mapfre tem direito de sair do capital da seguradora, vendendo a sua participação para a instituição que vier a assumir o banco, ou seja, o BB. Os parâmetros do preço estão definidos em contrato. É muito provável que a Mapfre exerça o direito, já que passaria a competir com a seguradora do BB dentro da rede de agências do banco. Procurada, a Mapfre não comentou o assunto.

As complicações não param por aí. Pelo que se definiu até o momento, caso seja concretizado o acordo entre o governo paulista e o BB, a Nossa Caixa é incorporada pelo banco federal. Em contrapartida, o BB emitiria novas ações e as entregaria para a Nossa Caixa. O interesse de Serra é receber o máximo em dinheiro e o mínimo em ações. Já o BB tem limites para o pagamento em “cash”. No caso de Besc (Santa Catarina) e BEP (Piauí), a incorporação está sendo feita com a entrega de papéis do BB. A diferença dessas duas instituições e da Nossa Caixa é que os bancos de SC e PI são federalizados e as ações do BB vão para o Tesouro Nacional em troca de abatimento de dívida dos Estados. Na Nossa Caixa, quem recebe o pagamento é o controlador, o Tesouro paulista.

No caso de pagamento em ações, o interesse do governo paulista é transformar os papéis em dinheiro o mais rápido possível, a tempo de financiar as obras que possam contar a favor de Serra nas eleições de 2010. Mas todos os envolvidos concordam que a venda de um bloco de ações tão grande (o valor de mercado da Nossa Caixa era na sexta-feira de R$ 4,2 bilhões) seria inviável porque derrubaria os papéis do BB. Por quanto tempo, então, essas ações teriam de ficar bloqueadas (prazo de “lock up”, no jargão do mercado)? Se o prazo for prolongado, o governo paulista ficaria sujeito às oscilações do papel, que poderia alterar substancialmente as condições de venda.
A trajetória das ações das duas instituições desde que a proposta de incorporação foi anunciada já é um complicador nessa negociação. O papel ON da Nossa Caixa subiu 46% desde 21 de maio, enquanto o do BB caiu 18,49% (a queda do Ibovespa foi de 22,75% no mesmo período.

A quantidade de complicações tem levado a uma multiplicação de conselheiros da operação. Pelo lado do governo paulista, o Banco Fator fará o laudo de avaliação do banco e o Citi é o responsável pela modelagem de venda e negociações. O banco de investimentos Merrill Lynch foi contratado para assessorar o BB. Mais recentemente, a Nossa Caixa tomou a decisão de contratar assessores independentes daqueles do Estado. O JP Morgan fará um laudo de avaliação para o conselho do banco e o Morgan Stanley prestará assessoria semelhante ao conselho.

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