Banco do Brasil e Caixa agora podem comprar bancos privados e empresas

Valor Econômico
Claudia Safatle e Arnaldo Galvão, de Brasília
23/10/2008

A Medida Provisória 443, editada ontem, reforça o arsenal do Banco Central (BC) para prover liquidez no mercado de derivativos; abre para os bancos públicos a possibilidade de comprar bancos privados, o que até então era proibido; e permite à Caixa Econômica Federal constituir um banco de investimento e adquirir participação acionária em empresas da construção civil e outras que julgar um bom negócio.

Ao editar a MP, o governo prepara-se para um substancial aumento do Estado no setor financeiro, como resultado da esperada consolidação dos bancos que se seguirá à crise financeira internacional.

O aumento da participação dos bancos públicos no sistema bancário doméstico, segundo avalia-se no Ministério da Fazenda e no Banco Central, tende a ser transitório. A MP dá condições de igualdade entre bancos públicos e privados num momento em que o mercado, certamente, passará por troca de mãos e injeção de capital e vem atender uma velha demanda do BB e da CEF. “Não é uma ação emergencial, mas uma correção do mercado brasileiro para evitar assimetrias e garantir um melhor funcionamento do mercado”, explicou uma alta fonte do governo.

A autorização para o Banco Central realizar operações de “swap” (troca de moedas) com outros banco centrais do mundo reforça a munição do BC para prover liquidez no mercado de câmbio, principalmente os mercados de derivativos. Em setembro o Federal Reserve (o Banco Central americano) anunciou a expansão das linhas de “swap” com o Banco Central Europeu, da Suíça, Austrália, Noruega, Suécia e Dinamarca, com o propósito de diminuir as restrições ao abastecimento de dólares nos mercados globais. O Banco Central do Brasil, até ontem, não estava autorizado a fazer esse tipo de troca de moedas. Numa eventual operação de swap com o Fed, o BC assumiria uma posição ativa em dolar e passiva em reais, possibilitando aumentar a oferta de contratos de “swap” no mercado futuro, onde ficará vendido em dólar e comprado em reais. Na prática, o BC ficaria com um “hedge” em dólar, estando, assim, mais à vontade para atuar no mercado futuro sem deteriorar a percepção de risco de solvência, como ocorreu no passado recente e foi duro para desmontar.

Segundo o governo, essa não é uma operação para ser feita já, até porque demandará que o BC do Brasil faça acordos formais com outros bancos centrais.

Segundo Henrique Meirelles, presidente do BC, “essa é uma medida preventiva” e mais um instrumento colocado à disposição do país para enfrentar a crise financeira global.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, garantiu que não há bancos quebrando no país, mas admitiu que continuam os problemas de liquidez em algumas instituições e, para enfrentá-los, o governo decidiu autorizar o BB e CEF – instituições responsáveis por cerca de 30% do mercado – a comprarem instituições financeiras, incluídos aí os segmentos de seguros, previdência e capitalização, possibilidade antes restrita aos bancos privados.

Mantega descartou a necessidade de o governo capitalizar o BB e a Caixa para essa nova fase de compras de empresas financeiras com dificuldades de liquidez. Também explicou que, superadas as restrições, as instituições adquiridas poderão voltar à mãos privadas. Para o ministro, a MP 443 vai aumentar a concorrência entre os bancos.

“O sistema financeiro do país é um dos mais sólidos do mundo, apenas criamos alternativas para melhorar a liquidez e evitar a interrupção do funcionamento da economia”, comentou Mantega.

Ele garantiu, também, que não há razão para os acionistas do BB ficarem preocupados com essa iniciativa do governo, pois o banco está no Nível 2 da Bovespa e tem “desempenho impecável”.

“Somos os controladores. Sempre oriento o banco a aumentar o crédito, baixar os juros, ser competente e ter bons resultados. Nossas ações são transparentes. Não demos subsídio ou socorro. Demos liquidez de acordo com as regras de mercado. Não compramos ativos podres. Não temos subprime”, sublinhou o ministro, em entrevista para explicar a medida.

Mantega acredita que há a possibilidade até mesmo de autorizações dadas pela MP não serem operacionalizadas. “Às vezes, basta ter alternativa para dar mais conforto ao mercado, o que significa que os dois bancos federais podem decidir não comprar outras instituições”. Ele insistiu que o sistema financeiro do Brasil é mais sólido que outros porque é menos alavancado e mais prudente, mas isso não o isenta de problemas de liquidez. “Há problemas localizados e estamos irrigando o sistema”.

O redesconto é outro instrumento que o governo, por meio do BC, já tinha disponibilizado para elevar a liquidez do mercado ao aceitar como garantia carteiras de crédito de instituições financeiras. Na avaliação do ministro, se esse mecanismo não foi usado porque não houve necessidade. Para Meirelles, o redesconto está pronto, mas as instituições não quiseram usá-lo porque não há demanda.

Além da compra de instituições financeiras pelo dois maiores bancos federais, a MP 443 autoriza a Caixa a criar empresa de participação acionária. Mantega disse que o mercado imobiliário é um pólo dinâmico na economia brasileira, apesar de o volume de financiamentos nessa área ainda ser pequeno, correspondente a 3% ou 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Para ele, o objetivo é preservar o bom desempenho dos segmentos imobiliário e habitacional nos últimos dois anos. A futura “CaixaPar” será uma empresa semelhante ao BNDESPar, muito utilizado na consolidação de empresas brasileiras. “Em 2007, a capitalização do setor imobiliário foi espontânea, mas a crise pode reduzir esse fluxo. A medida é importante para o investimento e para a atividade”, justificou.

O BC define como banco de investimento instituições “especializadas em participações societárias de caráter temporário, de financiamento da atividade produtiva para suprimento de capital fixo e de giro e de administração de recursos de terceiros.

A Caixa Participações, quando for criada, poderá adquirir participações societárias, de caráter temporário, e a medida não se restringirá à compra de participações em empresas construtoras, mas sim à aquisição de empresas de outros segmentos da economia que a CEF entender que podem ser um bom negócio, segundo informou um técnico do Ministério da Fazenda.

O governo ainda anunciará, nos próximos dias, a criação de uma linha de capital de giro para as construtoras, seja no BNDES ou na CEF, no valor de até R$ 4 bilhões. .

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