Bancários têm pouco a comemorar neste Dia Mundial da Saúde Mental

Os trabalhadores de todo mundo lembram nesta quarta-feira (10) o Dia Mundial da Saúde Mental, estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotado também pelo Brasil, por intermédio da Portaria Ministerial nº 1720/1994, do Ministério da Saúde.

Para a psicóloga e professora da PUC-SP em Saúde do Trabalhador, Renata Paparelli, os trabalhadores brasileiros não têm motivos para comemorar esta data, já que o desgaste mental relacionado ao trabalho vem se agravando nos últimos tempos nas diversas categorias profissionais. “No caso dos bancários, a situação é particularmente grave e merece o destaque que vem ganhando nas pautas sindicais”, ressalta a professora.

A psicóloga afirma que o trabalho bancário se transformou em fator de risco. Ela explica que o trabalho é penoso ou produtor de sofrimento psicológico quando aquele que o realiza pouco pode interferir no processo. “Se há pouco poder de intervir, há pouca possibilidade de respeito ao próprio limite subjetivo. No caso do trabalho bancário, temos uma estrutura sobre a qual o trabalhador exerce muito pouco controle, ficando refém das metas abusivas que têm caracterizado essa atividade”, explica a especialista.

Renata é também coordenadora do Grupo de Acolhimento ao Desgaste Mental no Trabalho Bancário, promovido pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo em parceria com a Faculdade de Psicologia da PUC-SP desde 2008, cujas experiências têm sido objeto de estudos e de publicações, como artigos e capítulos de livros.

Confira a entrevista na íntegra:

Neste Dia Mundial da Saúde Mental, estabelecido pela OMS e adotado pelo Brasil, os trabalhadores brasileiros, especialmente os bancários, têm algo a comemorar?

Infelizmente, o que há para se comemorar é apenas a visibilidade que a temática do desgaste mental relacionado ao trabalho vem alcançando nos últimos tempos, já que temos presenciado um aumento significativo desse tipo de agravo em trabalhadores e trabalhadoras de diversas categorias profissionais. No caso dos bancários e das bancárias, a situação é particularmente grave e merece o destaque que vem ganhando nas pautas sindicais.

Como avalia hoje em que predomina o capital financeiro as condições de saúde mental no mundo do trabalho? Piorou em relação a fases anteriores do capitalismo?

Ao que tudo indica, aos tradicionais fatores de desgaste à saúde relacionada ao trabalho vêm se somando novos contextos adoecedores. É o caso dos processos de “flexibilização” (“toyotização”) do trabalho que, ao mascarar as estruturas de poder que impedem o trabalhador e a trabalhaora de respeitar o seu limite subjetivo, intensificam a exploração da força de trabalho. Como exemplo de tais práticas, podemos falar sobre as mudanças no modo de nomear aspectos do trabalho como, por exemplo, a mudança de “trabalhador” para “colaborador”, de “patrão/gerente/encarregado” para “líder” etc.

Neste contexto, como se inserem as condições de trabalho do bancário?

O caso bancário é um exemplo de reestruturação produtiva do processo de trabalho informado pela flexibilização/toyotização.
Por que o trabalho bancário é fator de risco, de desgaste mental?
O trabalho é penoso (produtor de sofrimento psicológico) quando aquele e aquela que o realiza pouco pode interferir no processo, pouco pode transformá-lo em algo também adaptado às suas características humanas, de diversidade (somos diferentes uns dos outros) e variabilidade (transformamo-nos durante a vida).

Se há pouco poder de intervir, há pouca possibilidade de respeito ao próprio limite subjetivo, que é o quanto aguentamos as demandas do trabalho. No caso do trabalho bancário, temos uma estrutura sobre a qual o trabalhador e atrabalhadora exerce muito pouco controle, ficando refém das metas abusivas que têm caracterizado essa atividade.

Quais características principais das instituições financeiras que provocam o adoecimento?

Em termos gerais, podemos nos referir à gestão flexível do trabalho, que sutiliza as formas de controle sobre o trabalhador e a trabalhadora. Faz parte dessa lógica a presença constante de processos de fusão, falências, incorporações, privatizações. Podemos destacar os seguintes fatores de desgaste:

– pressões para adesão a Programas de Demissão Voluntária (PDV) visando ao “enxugamento” do quadro de trabalhadores;
– piora das condições de trabalho;
– estabelecimento de metas de produtividade muito elevadas e difíceis de serem alcançadas;
– discussão das metas em reuniões públicas, expondo o trabalhador a constrangimento e humilhação;
– preconceito entre os bancários de instituições diferentes que se fundiram, especialmente voltado aos trabalhadores que eram servidores públicos;
– assédio moral;
– diversificação e intensificação do trabalho do bancário;
– falta de reconhecimento pelo trabalho;
– ameaça constante de desemprego;
– mudanças em planos de carreira que prejudicam os profissionais mais antigos no banco em detrimento dos que ingressam;
– exigência das chefias que se aja de modo antiético, “empurrando” produtos bancários para clientes que não se beneficiariam deles (sofrimento ético);
– competição exacerbada com antigos colegas para “bater metas”;
– excessiva carga de responsabilidade e de pressão;
– “clima” de perseguição no banco estimulado pela competição entre pares.

A Secretaria de Saúde do Sindicato dos Bancários de São Paulo e o Núcleo de Estudos em Saúde do Trabalhador da PUC-SP promovem desde 2008 os Grupos de Enfrentamento do Desgaste Mental, sob sua orientação. Como tem funcionado essa experiência? Tem ajudado no entendimento do processo de adoecimento?

Entendemos que esses encontros em grupo estejam sendo um importante espaço para que os trabalhadores e as trabalhadoras com desgaste mental possam entender o seu próprio adoecimento e construir formas de enfrentamento individuais e coletivas dos problemas identificados. Além disso, os grupos trazem informações relevantes sobre o processo de adoecimento da categoria, as novas práticas utilizadas pelos bancos, as formas de resistência etc.

Temos publicado materiais (artigos em periódicos, capítulo do livro “Saúde dos bancários”, publicado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região etc.) com conclusões sobre os fatores de desgaste mental na categoria.

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