Passados mais de quatro meses desde o início da série de reportagens publicadas pelo The Intercept Brasil, a partir do vazamento de conversas entre os procurados da Lava Jato e o então juiz Sergio Moro, que revelaram o conluio montado para prender o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido cobrado a dar uma resposta. Por isso, movimentos sociais, sindicatos e entidades da Frente Brasil Popular e da Frente Povo Sem Medo e o Comitê Nacional Lula Livre realizaram ato neste domingo (13), na Avenida Paulista, em São Paulo, em nome da liberdade de Lula, mantido como preso político desde março de 2018.
O ato “Justiça para Lula” reuniu milhares de pessoas, como a cuidadora de idosos Micheline Fernandes de Araújo, que afirmou que a prisão de Lula é uma injustiça, que não há prova de crimes e que “isso foi jogo político, porque se não tivessem prendido o Lula, ele estaria hoje na Presidência”.
Com esse mesmo espírito de indignação diante da injustiça, lideranças de diversos partidos e de movimentos populares reafirmaram que a defesa da liberdade de Lula é a defesa da democracia.
“Eles inventaram um crime para botar na cadeia o cara que começou a transformação no Brasil”, disse o ex-ministro da Educação do governo Lula, Fernando Haddad. Isso se deu, segundo ele, porque “começaram a se incomodar porque chegavam no restaurante e tinha uma família de trabalhadores, chegavam na universidade e o filho do pedreiro estava lá”.
Em sua fala, Haddad destacou os dados de inclusão nas universidades da população que antes estava alijada da educação superior. Durante os governos de Lula e Dilma Rousseff, o número de matrículas no ensino superior passou de 3,5 milhões em 2002 para mais de 7,1 milhões em 2014.
A presidenta do PT e deputada federal, Gleisi Hoffmann, falou da importância da realização do ato na Paulista para explicar para a população a decisão do Lula de permanecer preso, solicitando a anulação do julgamento, para provar sua inocência. O ato também recolheu assinaturas para o abaixo assinado que pede a liberdade do ex-presidente.
Para o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, Lula é um símbolo da luta pela democracia em um momento de autoritarismo e perseguição. “Se não há respeito aos direitos individuais de um cidadão que é uma das maiores lideranças populares do mundo, que foi presidente da República, não haverá justiça para o povo pobre, para o povo negro, da periferia”, disse.
Mais uma denúncia
Nesta segunda-feira (14), nova reportagem denuncia que o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, integrante da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, afirmou em mensagens trocadas com sua equipe que a denúncia contra Lula no caso do sítio de Atibaia (SP) poderia distrair a atenção do público em relação ao escândalo envolvendo o empresário Joesley Batista, o ex-presidente Michel Temer e integrantes da categoria, procuradores do Ministério Público Federal (MPF).
STF
No STF, é esperada a retomada do julgamento do habeas corpus pedido pela defesa do ex-presidente que se baseia na suspeição de Moro, hoje ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Com base nas conversas divulgadas pela Vaza Jato, os advogados de Lula apontam que o então juiz atuou junto aos procuradores, manipulando provas, sugerindo testemunhas, e orientando a acusação para garantir a condenação pretendida, de maneira a influenciar nos rumos das eleições de 2018.
O julgamento do HC na Segunda Turma do STF foi suspenso em julho, após os ministros Cármen Lúcia e Edson Fachin votarem contra. Compõem ainda o colegiado os ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Gilmar Mendes tem se destacado na ênfase das críticas aos métodos de Moro e dos procuradores de Curitiba. Na última segunda-feira (7), ele acusou a imprensa de ter se associado à Lava Jato para produzir “falsos heróis“. Dias antes, no julgamento em que ficou decidido que os delatados têm o direito de falar depois dos delatores nos autos dos processos, o ministro criticou o uso das prisões provisórias como “instrumento de tortura”, com o objetivo de extrair delações sob medida para atender aos interesses dos procuradores.
Diante do revés na opinião pública e também entre a classe jurídica, em ação inusitada, os procuradores da Lava Jato chegaram a pedir na Justiça para que Lula passasse ao regime semiaberto, pois já teria cumprido um sexto da pena a ele imposta. Lula não mordeu a isca, reafirmando que não troca a sua liberdade pela sua dignidade, e reivindicando que o STF cumpra o seu papel.
Segunda instância
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, marcou para esta quinta-feira (17) o julgamento do mérito de três ações que discutem a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. A discussão da medida faz parte de uma série de julgamentos que trazem implicações diretas para o rumo da Operação Lava Jato, podendo beneficiar o ex-presidente.
Relator de três ações que discutem a execução antecipada de pena, o ministro Marco Aurélio Mello já cobrou tanto Toffoli quanto a sua antecessora no comando da Corte, Cármen Lúcia, pedindo a inclusão do tema na pauta do Plenário. Em dezembro de 2018, na véspera do recesso de fim do ano, Marco Aurélio deu liminar derrubando a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, mas a decisão acabou cassada por Toffoli no mesmo dia.
Agora, a expectativa de ministros tanto da ala alinhada à Lava Jato quanto da corrente mais crítica à atuação do Ministério Público é a de que a atual posição do STF sobre o tema seja revista. A dúvida é se o Supremo vai permitir a prisão apenas após se esgotarem todos os recursos, o chamado “trânsito em julgado”.
O Tribunal também pode optar por uma solução intermediária, fixando como marco uma definição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – posição que já foi defendida por Toffoli e o ministro Gilmar Mendes. É da ministra Rosa Weber o voto considerado decisivo para definir o placar, que tende novamente a ser apertado.
Fonte: Contraf-CUT, com agências