Artur Henrique: “Proposta da Advocacia Geral da UniÆo ‚ indecente”

(São Paulo) Nos últimos dias, a grande imprensa tem trazido reportagens sobre um projeto de regulamentação de greve no setor público em gestação no governo. No início da noite da última segunda (14), no entanto, as notícias deixaram de ter aparência de balão de ensaio, pois a própria Advocacia Geral da União (AGU) afirmou ter enviado uma proposta à Casa Civil. Entre os pontos já divulgados, destaque negativo para a necessidade de aprovação de greve por parte de 2/3 da categoria, a classificação de todos os serviços como essenciais e a exigência de que 40% dos trabalhadores permaneçam em seus postos durante uma greve.

 

Como a CUT avalia a proposta de regulamentação do direito de greve no setor público que, segundo a imprensa, a Advocacia Geral da União encaminhou à Casa Civil?

Artur: A proposta, no geral, é péssima, autoritária. Estipular que uma assembléia só terá direito de aprovar greve se reunir 2/3 da categoria é uma tentativa mal-disfarçada de proibir greve no setor. Uma entidade como a Apeoesp, que tem 150 mil filiados, teria de fazer uma assembléia com 100 mil trabalhadores, se quisesse reunir apenas os sindicalizados. Acredito que, se provocada a tal ponto, seria perfeitamente capaz de construir um movimento dessa magnitude e ainda viabilizar um espaço físico para acomodar essa assembléia. Mas não cabe a um governo, ainda mais com origens no movimento sindical, apresentar uma proposta dessas, que intervem na autonomia dos trabalhadores decidirem livremente sobre os rumos de suas lutas. Espero que a Casa Civil não leve a sério essa loucura da AGU.

 

E a proposta de estabelecer que 40% dos trabalhadores precisam se manter trabalhando durante um movimento grevista?

Artur: Uma análise rápida já nos mostra que essa proposta tem por inspiração o autoritarismo, um paternalismo tardio, do tipo que acredita que os trabalhadores organizados precisam ser tutelados, senão não saberiam como agir. As greves do setor já realizadas nos últimos 23 anos de CUT demonstraram à farta que os trabalhadores têm maturidade para reconhecer o que de fato é essencial e o que precisa ser mantido para que a população não sofra danos irreparáveis. Essencial, para a OIT, é apenas aquele setor em que uma greve ameaçaria a vida e a segurança. A proposta da AGU tenta padronizar setores que são diferentes entre si. Quantos por cento precisam trabalhar para manter as unidades de emergência, urgência e terapia intensiva de um hospital durante uma greve? Num hospital sucateado, com poucos trabalhadores efetivos, podem ser necessários mais de 40%. No setor de energia elétrica, dependendo da unidade de geração ou transmissão, podem ser necessários menos de 40%. O governo precisa se lembrar que a negociação coletiva é o caminho. Também quero comentar que, do ponto de vista semântico, a proposta da AGU também é reacionária, pois ressuscitou na imprensa termos como piquete, greve "legal" ou "ilegal" e outros que eram usados durante a ditadura militar.

 

Qual a saída para inviabilizar essa proposta antes mesmo que ela venha à luz?

Artur: Exortamos o governo a jogá-la fora imediatamente e a cumprir o que já foi combinado e apresentar na Mesa de Negociação Permanente a perenização do Sistema de Negociação Permanente, que funcionou no primeiro mandato – será que esqueceram dessa experiência? -, a ratificação da Convenção 151 da OIT, a regulamentação da negociação coletiva nas três esferas e a elaboração de um sistema de resolução de conflitos à altura do estágio de maturação dos trabalhadores brasileiros. Já somos grandes o suficiente para construir uma proposta democrática de regulamentação de greve. Não podemos aceitar que atem nossas mãos e que retirem do horizonte o direito de fazer greve, quando a maioria dos trabalhadores organizados decidirem que é necessário.

 

Seria o momento de as entidades do serviço público elaborarem um projeto de regulamentação?

Artur: Esta é uma alternativa que vale ser analisada. Já houve a construção de propostas na Câmara Setorial dos Servidores Públicos, com consenso entre as entidades, mas não houve acordo final com o governo. Se agora for concretizada, seria mais uma prova, entre tantas, de nossa capacidade de autodeterminação. Porém, antes de mais nada, é preciso que ninguém se esqueça da combatividade da CUT. A mesma lógica que rege conflitos continua valendo: se o patrão for inflexível, vai enfrentar greve.

 

Fonte: Isaías Dalle, CUT

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