Por Vagner Freitas (*)
“Insanidade é fazer sempre a mesma coisa e
esperar resultados diferentes” Provérbio chinês
Estamos no início de mais uma campanha nacional e há questões que precisam ser discutidas se queremos resultados concretos para os bancários. Para isso, em primeiro lugar, é importante relembrar os princípios que levaram à criação do novo sindicalismo brasileiro – origem da maioria dos que estão no movimento nacional bancário e na CUT.
São princípios que fundamentam um movimento sindical combativo, classista, e não de conciliação de classes; em que o local de trabalho é o lugar privilegiado do conflito entre empregados e empregadores.
Passadas três décadas do surgimento desse novo sindicalismo, é importante reafirmar sempre esses princípios. As questões indicadas a seguir para reflexões restringem-se ao movimento nacional dos bancários, em face dos desafios que temos pela frente.
Primeira indagação: o que é ser contemporâneo na defesa dos interesses dos trabalhadores bancários? A resposta é clara: é lutar por melhor remuneração; melhorar as condições de trabalho, de saúde, segurança, combater o assédio moral, etc..
Essa temática vem fazendo parte de nossas pautas de reivindicações, muitos desses temas, inclusive, já estão consagrados em nossa Convenção Coletiva de Trabalho. Essa pauta tem de continuar e ainda falta muito por conquistar. Essas bandeiras de lutas são importantes, principalmente a partir da nossa análise da atual configuração do sistema financeiro nacional no contexto recente de uma conjuntura de relativa estabilidade econômica, em que a introdução de um novo padrão tecnológico alterou substancialmente o atendimento e a forma de trabalhar da maioria dos bancários.
Aqui cabe uma outra indagação: até onde o movimento sindical acompanhou todas essas mudanças? E agora, quando iniciamos mais uma Campanha Nacional do Ramo Financeiro, também é pertinente a indagação: conseguimos dialogar com a maioria dos trabalhadores? Conseguimos conquistar corações e mentes para a causa, não só da categoria, mas da classe? Principalmente diante da constatação de que a maioria dos bancários de hoje não fez parte do momento histórico da criação do novo sindicalismo, ou ainda, tem pouca ou nenhuma memória das lutas para conquistar uma Convenção Coletiva Nacional, os direitos que existem, como tíquetes, PLR, reajustes salariais, etc.
Mas será que é só isso? É só falta de memória? Acho que existem mais coisas e pretendo iniciar por um debate que não é fácil, o da remuneração. Nos anos de alta inflação, conseguíamos mobilizar a categoria com índices de reposição/aumento salarial de dois ou três dígitos. Pedíamos 50%, 100% e, em alguns casos, até 1.000% de reajuste. Se ilusório ou não, porque boa parte do pedido era apenas para repor a inflação passada, isso criava uma expectativa e mobilizava boa parte dos bancários de bancos privados e públicos.
Hoje, diante de uma conjuntura econômica com inflação em torno de 5% a.a., mesmo que consigamos aumentos reais, como temos conquistado nos últimos anos, isso se dispersa. Não há mobilização por 1%, 2%, mesmo que isso represente melhoria do poder de compra do salário. Nesse ponto ainda persiste a cultura inflacionária. Diferentemente de países em que a mobilização se dá por 0,5%, 1%.
Mas não é só isso, como bem lembrou o presidente do Sindicato de Alagoas e diretor executivo da Contraf, Sergio Braga, numa exposição que fez recentemente para um grupo de dirigentes bancários. Um dos problemas que temos é confundir conjuntura com mudanças estruturais. No caso da remuneração, o que os bancos fizeram foi praticamente individualizar os rendimentos. Se por meio de uma campanha salarial, o bancário tem 1% ou 2% de aumento real, se cumprir metas, for comissionado etc. passa a ter rendimentos até 30% maiores num mês, no ano… Aqui, quer queira quer não, os capitalistas passaram por cima do conceito de classe e criaram a ilusão de que tudo depende de esforço individual: “você faz seu salário…” Discurso que, mesmo falso, causa eco.
Não conseguimos explicar que com essas metas, a competição que existe entre empregados, o excesso de trabalho, tudo isso só favorece a acumulação de mais capital pelo dono do banco. Que nesse ambiente competitivo, todos os funcionários perdem. Seja em remuneração, porque, ao individualizar, escolhem-se poucos para ganhar muito e a maioria para ganhar menos. Na busca dessas metas, perde-se também a saúde física e mental, o convívio com a família.
Esse tema ainda é tabu para o movimento sindical. Perdemo-nos em debates se ao discutir a remuneração variável não estaremos chancelando o modelo imposto para os patrões. O problema é que a realidade não espera que resolvamos isso entre nós, ela acontece, está aí. Não podemos mais fugir ao debate, fazendo de conta que nada mudou nas últimas décadas e cada vez menos representando a categoria, discutindo os temas essenciais de seu dia-a-dia. Discutir remuneração hoje é tão importante quanto discutir caixas e PLR na década de 1990.
É claro que temos de ter o cuidado de não cair na armadilha do capital, que quer tirar da contratação o caráter de classe, do conflito capital versus trabalho, partindo para contratação “individual”. Mas fugir desse debate sobre remuneração não vai nos ajudar em nada. E sem entender a lógica desse esquema de remuneração, vamos apenas continuar repetindo jargões de “inferno no trabalho”, metas excessivas etc.
Outro ponto que tem a ver com essas considerações. Qual a possibilidade de um comissionado, que tem suas metas de venda de produtos, participar de uma greve?. Na cabeça dele, nesses dias “sem trabalhar”, também estará tendo prejuízos, pois vale a lógica de que “é ele que faz seu salário”. Apelar apenas para a solidariedade com os outros colegas é tênue nesse momento de vitória ideológica (falsa) do individualismo sobre a concepção de classe. Fica a questão de como apresentar uma alternativa para que esse funcionário se engaje.
Negociação e mobilização. Outro ponto importante que ainda precisamos de acúmulo diz respeito à negociação permanente. Entregamos pautas extensas que, na Campanha Nacional, muito em função do tempo, pouco aprofundamos a discussão. Temos de discutir entre nós e com os banqueiros se não é hora de fazermos contratos mais longos para cláusulas que não costumam mudar de um ano para o outro. E nos concentrarmos em negociações permanentes no ano em temas como saúde, assédio moral, igualdade de oportunidades…
Não é no espaço da campanha, de dois a três meses, que podemos avançar nessas negociações. Na prática, as negociações nesse período acabam ficando restritas a questões econômicas, como índice, PLR…
Outro ponto importante, em que acho que todos concordamos: não existe campanha sem mobilização. Mas o problema é que para mobilizar temos de estar próximos dos interesses dos trabalhadores. Próximos fisicamente, no contato do dia-a-dia, na organização dos locais de trabalho e próximos das demandas da maioria dos trabalhadores, não somente de suas elites e seus militantes…
Para isso é necessário um diagnóstico e um contato maior com os bancários. Temos de retomar com mais vigor nosso trabalho de base. Além disso, fazer estudos acadêmicos, pesquisas e utilizar outras ferramentas que os bancos utilizam todos os dias e nós, por falta de recursos ou por falta de prática, não incorporamos.
Construção do Ramo. No movimento sindical, em muitos momentos, temos os diagnósticos corretos; mas não conseguimos avançar o necessário, na prática. Muitas vezes porque é difícil mesmo. É o que acontece em relação à construção do Ramo Financeiro. A conclusão é óbvia: não podemos continuar representando apenas 400 mil trabalhadores, quando temos cerca de 1 milhão prestando serviços aos bancos ou suas empresas coligadas, diretamente relacionadas à intermediação financeira.
Essa constatação é um dos motivos que nos levaram a criar a Confederação Nacional do Ramo Financeiro, Contraf-CUT. Mas, efetivamente, o que avançamos nesse mais de um ano? Estamos conseguindo, em negociações, trazer alguns setores para a categoria, temos ações importantes junto ao Ministério do Trabalho e à Justiça, mas estamos ainda muito longe de ver uma mudança substancial nessa representação. Os próximos passos têm de ser refletidos e todos os dirigentes e todas as entidades têm de, a partir de agora, ter como prioridade absoluta a construção do ramo financeiro. Sob o risco de em pouco tempo não estarmos representando mais ninguém que a nós mesmos.
Envolvimento da sociedade. É difícil competir com os milhões gastos mensalmente pelos bancos em marketing, pois se trata do setor com mais investimento na área. Mas sem o envolvimento da população é quase impossível que nossas reivindicações encontrem eco. Temos uma oportunidade porque, apesar de todo investimento, os bancos e os banqueiros não têm uma boa imagem perante à sociedade. Principalmente porque a realidade que a população vive nas agências não lembra nem remotamente os cenários dos comerciais. Sem contar que, enquanto pagam juros e tarifas extorsivos, os clientes são surpreendidos ano após ano por anúncios de lucros espetaculares dos bancos.
Aguçar essas contradições é essencial, mas não é fácil. Seja pelos já mencionados investimentos que os bancos fazem em imagem, seja pela nossa dificuldade de articular um discurso único e coerente, em campanhas massivas e que tenham continuidade. Em marketing, muitas vezes dispersamos recursos, com cada um usando o pouco que tem de maneira individualizada, em lugar de juntarmos todos esses “poucos” em iniciativas maiores, que possam atingir a toda a população.
BB e Caixa, função na sociedade. Outro ponto, que vivemos debatendo entre nós e que não conseguimos fazer avançar, é em relação aos bancos públicos. Se verdade que conquistamos nesses anos de governo Lula muitas de nossas reivindicações, não conseguimos tornar hegemônico o discurso de que banco público tem de servir aos interesses do país, de financiar o crescimento e o desenvolvimento, não apenas gerar cada vez mais lucros, como os bancos privados.
As administrações desses bancos, dominadas por burocracias, muitas vezes, repetem práticas de governos anteriores, de matiz neoliberal, mesmo num governo democrático e popular como o do presidente Lula. Por que isso continua a acontecer? Será que também não falhamos em nossas formas de pressionar e de “vender” um discurso para a sociedade? Mesmo quando a direção do Banco do Brasil faz um pacote de “aposentadoria incentivada”, como o que ocorreu agora, qual a resposta dos funcionários? Cerca de 7 mil aderem e boa parte das pessoas que ficou ainda vê essa saída de quadros valorosos como oportunidade de ascensão na carreira. Será que o perfil da categoria mudou tanto assim? Ou nós não estamos fazendo nossa mensagem chegar?
É verdade também que a burguesia a cada dia cria, forma quadros. Mas sempre foi assim e os trabalhadores sempre encontraram formas de combater essa realidade. Se eles entenderam e se profissionalizaram para enfrentar o novo sindicalismo, está na hora de o novo sindicalismo se reinventar, trazer resultados concretos para seus representados e ser reconhecido por eles. Aí está um desafio maior que apenas uma campanha Nacional, mas temos de enfrentá-lo a partir de agora.
E parte dessa disputa tem de ser feita sobre o papel dos bancos públicos. O governo Lula é mais democrático e pró-trabalhadores do que a direção dos bancos. Aliás, essa é uma área e que estamos regredindo sem termos avançado muito. As diretorias dos bancos são mais conservadoras que a média do governo e, além disso, grassa o discurso de “despetizar” os bancos. Como vão “despetizar” o que nunca foi área de influência do partido. Mas, com esse discurso, acabam tolhendo e pedindo as “cabeças” dos poucos quadros técnicos e competentes apenas por terem qualquer ligação com o partido ou com o movimento sindical. Temos de combater esse absurdo, que só visa a deixar o cominho aberto para que as gestões dos bancos sejam mais reacionárias ainda.
O caminho mais correto é convencer a sociedade da importância dos bancos públicos, de seu papel para o desenvolvimento do país e que tem de ter um corpo funcional capaz tecnicamente e em número superior ao atual para cumprir suas funções adequadamente. Temos de deixar claro que isso não é uma defesa corporativa, mas sim de um projeto de país com mais desenvolvimento e mais justo.
A defesa da unidade – Há outro tema que vem sendo discutido, creio, de maneira equivocada. Se temos ou não de fazer campanhas unificadas entre bancos públicos e privados. Há quem argumente que em campanhas separadas haveria vantagem para um lado ou outro. Nada mais equivocado. É só lembrar que em 1994, o governo de então, antes da aplicação do Plano Real, foi ao Tribunal Superior do Trabalho para que BB e Caixa não fizessem mais parte da Convenção Coletiva Nacional da Categoria. O que se viu a partir daí foram os anos de terror, com reajuste zero e perseguição ao funcionalismo. Depois disso, com a unificação nos últimos anos, estamos conseguindo aumentos reais e recuperar alguns direitos (veja apresentação em anexo).
Se o exemplo não basta, seria bom perguntar aos defensores da separação o que faremos se por um motivo conjuntural, o governo Lula, acharmos que um dos lados terá mais vantagem isoladamente. Mas quando o governo Lula acabar, o que faremos? Vamos tentar a unificação de novo depois de tê-la jogado fora? E o que ganhamos com a divisão, alguém é capaz de responder?
E isso é importante para a campanha deste ano. No atual estágio de concorrência tudo que os bancos privados querem é que BB e Caixa parem enquanto suas agências ficam abertas. Mas isso nos favorece? Como influenciaremos todo o sistema com uma greve apenas “nos mais mobilizados”? E estamos esquecendo as lições de Marx, de “trabalhadores do mundo uni-vos”?
E essa greve, qual o real prejuízo que causará ao sistema, num momento em que há cada vez mais atendimento eletrônico e em correspondentes bancários, em que nossa possibilidade de causar prejuízo para “convencer” o sistema vem diminuindo assustadoramente com a utilização dos meios tradicionais.
De certo aqui não é o espaço para discutirmos publicamente como mudaremos nossas estratégias, mas temos de intensificar o enfretamento com os banqueiros. Explicitar as debilidades dos bancos: a má qualidade e o elevado valor cobrados pelos serviços; a contradição entre a “imagem” veiculada pelo marketing e a má imagem (efetiva) perante a sociedade.
Também apontar que a disputa acirrada entre as próprias empresas, além de degradar as condições subjetivas do trabalho bancário, leva ao risco sistêmico. E, principalmente, sensibilizar a sociedade brasileira para a necessidade de regulamentação do sistema financeiro, de tal modo que o mesmo seja importante para o desenvolvimento econômico e social; condição necessária para um país mais justo. Superando assim a lógica rentista que propicia a transferência para os bancos de parcela substancial da riqueza socialmente produzida.
Todas essas são questões que precisamos discutir urgente e constantemente. Este artigo é apenas um passo inicial para provocar o debate. Todas as contribuições serão bem-vindas para que construamos uma Campanha Nacional do Ramo Financeiro forte e que nos ajude a representar da melhor maneira possível todos os trabalhadores do sistema financeiro.
(*) Vagner Freitas é presidente da Contraf-CUT e diretor executivo da Central Única dos Trabalhadores, CUT