As atas do Congresso Nacional mostram um Aécio Neves bem diferente do que vem sendo mostrado na campanha eleitoral. Aécio senador atuou fortemente para defender os empresários mais atrasados e prejudicar os trabalhadores. E não demorou muito para agir. Em seu primeiro discurso como Senador, em 06.04.2011, ele defendeu um Projeto de Lei que retirava direitos dos trabalhadores, entre os quais o rebaixamento do FGTS de 8% para 2%, o parcelamento do 13° salário em até 6 vezes, o fracionamento das férias em até três períodos e banco de horas, sem adicional de horas extras. Trata-se do temido Simples Trabalhista.
A ata registra a fala do senador mineiro, que disse: “No campo da geração de empregos, defendo a revisão da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, criando o Simples Trabalhista, universalizando o direito de opção pelo Simples Nacional e estendendo os benefícios do Empreendedor Individual para as micro e pequenas empresas. ” Veja o discurso anti-trabalhador aqui.
Aécio estava se referindo ao Simples Trabalhista (PL 951, de 2011), uma espécie de Reforma Trabalhista absolutamente precarizante.
Para entender melhor, é preciso saber como funciona o SuperSimples, cujo teto de faturamento, desde janeiro de 2012, é R$ 3,6 milhões por ano. Isso significa que se aprovado o Simples Trabalhista, o número de trabalhadores com “direitos de segunda classe” seria enorme. Além dos direitos individuais citados acima (13º e férias), o PL que Aécio defendeu tornaria lei a precarização de qualquer trabalhador de microempresa ou empresa de pequeno porte – a grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros.
Conforme aponta Antônio Augusto Queiroz, do Diap, o Simples Trabalhista é “uma das três prioridades do setor empresarial” para 2015.
As espécies de precarização são divididas em 3 grupos. Cito os itens mais graves:
a) Precarizações por lei, aplicáveis a qualquer trabalhador de microempresa ou empresa de pequeno porte:
– criação de uma negociação coletiva específica e precarizante; os acordos ou convenções coletivas específicos feitos pelas microempresas e empresas de pequeno porte se sobrepõem a qualquer outro de caráter geral, abrindo espaço para a perda de direitos trabalhistas – é o temido “negociado sobre o legislado”, que FHC já tentou implantar para todos os trabalhadores, com apoio de Aécio;
– diminuição radical do depósito recursal na Justiça do Trabalho; o PL portanto estimula os abusivos recursos protelatórios e beneficia os empregadores que descumprem a legislação trabalhista;
– permite-se a adotação da arbitragem – o que na prática inviabiliza a atuação da Justiça do Trabalho;
– contratação por prazo determinado em qualquer circunstância (hoje o art. 443 da CLT permite tal contrato somente em condições específicas, como o contrato de experiência, ou em atividade com efetivo prazo reduzido);
– redução da alíquota do FGTS de 8% para 2%; outra consequência de tal redução é a diminuição do valor a ser recebido na rescisão trabalhista, em caso de despedida por iniciativa do empregador, pois a multa de 40% sobre o saldo do FGTS também incidiria sobre base de cálculo muitíssimo reduzida.
b) Precarização por acordos e convenções:
– fixar um regime especial de piso salarial, inferior ao contido nas convenções coletivas; segundo o PL, “Um piso que é razoável para as grandes empresas geralmente é exagerado para as microempresas e empresas de pequeno porte. O pagamento de pisos fixados em níveis muito altos de negociação constitui um sério fator de constrangimento de contratação formal nas microempresas e empresas de pequeno porte.”
– banco de horas, sem adicional de horas extras;
– PLR precarizado;
– autorizar o trabalho em domingos e dias feriados sem permissão prévia da autoridade competente.
c) Precarização por acordos individuais (que o trabalhador geralmente não tem como recusar)
– fixação do horário de trabalho durante o gozo do aviso prévio;
– parcelar o 13° salário em até 6 vezes;
– fracionar o período de férias em até três períodos.
Desnecessidade do Simples Trabalhista, que traria prejuízos para os trabalhadores e para a sociedade
Além de não gerar empregos, a aprovação do Simples Trabalhista traria uma série de prejuízos os trabalhadores e à sociedade.
Ocorreriam necessariamente impactos negativos na receita da Previdência Social e do FGTS, tendo em vista que os salários e benefícios dos trabalhadores precarizados pelo Simples Trabalhista seriam menores que os trabalhadores com contratos plenos. A diminuição na arrecadação da Previdência Social, bem como dos montantes depositados no FGTS (usados primordialmente para saneamento básico e habitação), prejudicam a todos. E a diminuição no poder aquisitivo dos trabalhadores também acarretaria menos consumo, e por consequência menos crescimento da economia.
A existência de uma legião de trabalhadores precarizados e “de segunda linha” (o que é na prática o que se propõe no Simples Trabalhista) traria também prejuízos aos consumidores e à sociedade, ante a profunda diminuição da qualidade dos serviços prestados pelas empresas que adotassem tal sistema.
Haveria também o incentivo à criação fictícia de micro e pequenas empresas, desmembrando médias empresas, a fim de poder participar do Simples Trabalhista.
E parece-me ilegal a discriminação entre os trabalhadores em geral e os trabalhadores que fossem contratados pelo Simples Trabalhista, com salários mais baixos, jornadas mais longas e precarização das demais condições de trabalho.
Finalmente, ressalto os prejuízos sociais do Simples Trabalhista. A ausência de um sistema adequado de proteção e efetivação dos direitos dos trabalhadores, com a presença de um grande número de trabalhadores precarizados, sem vínculo permanente, prejudica toda sociedade, corroendo as relações sociais e degradando o trabalho.
Ao fim e ao cabo, a própria dignidade do trabalhador do Simples Trabalhista seria violada, em um contexto social tão degradado, desgastando o tecido social e impedindo a construção de uma sociedade mais justa e democrática.
Convém que os trabalhadores, dirigentes sindicais e ativistas em defesa dos direitos dos trabalhadores e da sociedade se mobilizem até as eleições, a fim de evitar que Aécio seja eleito e destrua as conquistas trabalhistas que foram obtidas com décadas de luta dos trabalhadores e trabalhadoras de nosso país.
Já vimos em artigos anteriores a tragédia que seria um governo Aécio para os trabalhadores e para o país:
– conforme consta em artigo no site do Diap (leia aqui ), desde o início de sua carreira, já aos 26 anos como Deputado Constituinte, Aécio reiteradamente atuou para prejudicar os trabalhadores e beneficiar os patrões mais atrasados, votando contra a jornada de trabalho de 40 horas e contra o adicional de hora extra de 100 por cento;
– em artigos publicados no Viomundo (leia aqui ) e Conversa Afiada (leia aqui ), vimos que Aécio votou contra a Lei do aumento real do salário mínimo (Lei 12.382, de 25.2.2011).
Aécio e seus principais assessores, como o já nomeado ministro da Fazenda Armínio Fraga, caso o tucano vença as eleições, dizem que não têm receio de tomar medidas impopulares, ou seja, demissão e arrocho salarial. Já disseram diversas vezes que o salário mínimo está alto demais. Para eles, isso é prejudicial a economia. Mas, o que vimos nos governos Lula e Dilma é exatamente o contrário.
A política de valorização dos direitos dos trabalhadores e do salário mínimo melhorou a vida das pessoas, incrementou o consumo das famílias e, com isso, aqueceu a economia, gerou mais empregos. E foi principalmente a força do mercado consumidor interno que permitiu ao Brasil sair da grave crise internacional de 2008 de modo muito mais rápido e menos doloroso do que os países que adotavam à época o receituário neoliberal, que, aliás, fecharam milhares de postos de trabalho.
A candidatura de Aécio Neves é uma séria ameaça aos trabalhadores, aos sindicatos e até mesmo à competitividade da economia brasileira. Não se pode tratar o trabalhador como uma mera peça sujeita a preço de mercado, transitória e descartável. A luta em defesa dos direitos trabalhistas (que infelizmente Aécio Neves tenta destruir desde o início de sua carreira) é um lembrete à sociedade sobre os princípios fundamentais de solidariedade e valorização humana, que ela própria fez constar do documento jurídico-político que é a Constituição Federal, e a necessidade de proteger o bem-estar dos trabalhadores e trabalhadoras e de toda a sociedade.
Maxiliano Nagl Garcez é advogado de trabalhadores e de entidades sindicais. Diretor para Assuntos Legislativos da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas – ALAL. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Foi Bolsista Fulbright e Pesquisador-Visitante na Harvard Law School.