ARTIGO: De Mississipi em chamas à eleição de Barack Obama

* Por Neide Fonseca

Era o verão de 1964. O garoto Obama contava com pouco mais de 02 anos de idade, quando mais de uma centena de estudantes negros e brancos voluntários do movimento pelos Direitos Civis deram início ao que ficou conhecido como o Verão da Liberdade. Tratava-se da campanha pelo direito de negros e negras ao voto e pela formação de um partido pela liberdade do Mississipi.

Objetivando manter a supremacia branca e impedir a obtenção dos negros de direitos como o do voto, a Ku Klux Klan, organização terrorista americana, agiu rapidamente, e três jovens do movimento foram barbaramente assassinados.

Mississipi ficou em chamas. A indignação tomou conta do mundo todo. Com isso o Presidente Lyndon Johnson foi levado a aprovar junto ao Congresso a Lei dos Direitos Civis, era 02 de julho de 1964. Em seu discurso Johnson disse que:

“Aqueles que antes eram iguais perante Deus
serão agora iguais nas seções eleitorais,
nas salas de aula, nas fábricas e nos hotéis,
nos restaurantes, cinemas e outros lugares
que prestem serviços ao público”.

Em 1965, passeatas e manifestações na cidade de Selma – Alabama, lideradas por Martin Luther King, depois de muita violência entre civis brancos locais, policiais e manifestantes negros, com várias pessoas feridas e outras mortas, levou novamente o presidente Lyndon Johnson a aprovar junto ao Congresso a Lei do Direito ao Voto.

Com esse conjunto de ações, muitos anos de luta do povo negro americano e muitas vidas ceifadas, 43 anos mais tarde o menino Obama, agora um homem chega à “Casa Branca” como o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos da América.

O povo americano fez a sua autocrítica, repensou o sonho americano e num gesto de grandeza admitiu que para ser de fato um exemplo de democracia, a integração racial é fundamental.

O sonho de Luther King de que um dia aquela nação se ergueria e viveria o verdadeiro significado de seus princípios constitucionais de liberdade, justiça e igualdade, e de que as pessoas nunca mais seriam julgadas pela cor de sua pele e sim pelo conteúdo de seu caráter, está em pleno andamento, ao menos nos Estados Unidos.

A liberdade soou na América para brancos e negros, foram 70% dos votos, em um país onde negros representam 12% da população.
Será fácil para Obama?

Não. Não será fácil. Os problemas econômicos, sociais, raciais, não serão solucionados em um passe de mágica somente porque Obama foi eleito. Ainda restam muitos racistas tanto lá como em outras partes do mundo, além disso o capitalismo respira e se prepara para um novo ciclo de opressão.

Contudo, a eleição de Obama representa um grito de alerta de que não se agüenta mais conviver com governos sob o signo do terror; conviver com estruturas racistas, xenofóbicas, sexistas. É hora da mudança.

A esperança mais uma vez venceu o medo. A esperança venceu a barreira racial. E eu estou imensamente feliz de poder viver esse momento histórico de libertação das amarras provocadas pelo racismo.

O processo de luta pela igualdade continua. A vitória de Obama, orgulho para todas as pessoas anti-racistas, nos dá força para continuar, pois mostra que estamos nos caminho certo. As energias cósmicas conspiram a favor da liberdade e da igualdade.

O sonho de King se fez realidade. De Mississipi em chamas, naquele verão sufocante, à eleição de Obama, representando um outono de liberdade e igualdade (nos EUA é outono), fica a mensagem para que continuemos a sonhar e a agir.

Quem sabe o Brasil que já elegeu um retirante nordestino, um dia, resgatando-se de ter sido a última nação do mundo a abolir o processo escravagista, também derrube as muralhas do racismo e eleja uma mulher negra ou um homem negro para a presidência da República.
Vale a pena sonhar. Vale a pena acreditar! Vale a pena lutar!

*Neide Aparecida Fonseca é especialista em Direito Constitucional e Político e diretora da Contraf-CUT.

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