Eduardo Diniz e Lauro Gonzalez
Valor Econômico
Matéria publicada na “Folha de S. Paulo” (15-4-2013) discorre sobre a estagnação da inclusão bancária no Brasil. Segundo pesquisa do Ibope, mencionada na matéria, a proporção da população com conta em banco nas regiões Norte e Centro-Oeste não se alterou entre 2009 e 2012, mantendo-se em 57%. Sabe-se que parcela significativa da população mais pobre reside fora dos grandes centros financeiros. Portanto, a mencionada estagnação é preocupante e precisa ser devidamente diagnosticada e revertida.
Vale lembrar que inclusão bancária e inclusão financeira não são sinônimos. As pessoas podem utilizar serviços financeiros sem necessariamente tornar-se clientes de bancos. Por exemplo, portadores de cartões de crédito que não tenham conta corrente ou ainda, como em diversos países, usuários de serviços de pagamento por celular.
Como pesquisadores do tema, preferimos utilizar a expressão inclusão financeira por essa capturar de maneira mais apropriada as novas tecnologias e inovações na oferta de serviços financeiros. Nesse sentido, ao longo da primeira década dos anos 2000, o Brasil foi internacionalmente reconhecido pelas inovações associadas ao uso de correspondentes bancários.
Canal de distribuição privilegiado por sua capilaridade e proximidade das regiões mais vulneráveis, o modelo brasileiro de correspondentes parece estar chegando ao seu limite e acreditamos ser essa uma das razões de uma possível estagnação da inclusão financeira. Os sinais já pareciam claros quando da divulgação dos dois primeiros Relatórios de Inclusão financeira do Banco Central (página 54), em 2010 e 2011.
O celular deve ter um papel no processo de inclusão financeira, sem desconsiderar o caminho já trilhado
Recente texto para discussão do Centro de Estudos em Microfinanças analisa as razões para os sinais de esgotamento de modelo outrora tão exitoso. A fim de contextualizar a discussão, cumpre considerar que o desenho regulatório foi criado no início dos anos 2000, tendo em vista dois propósitos muito evidentes: ampliar a rede de distribuição de benefícios sociais e rede de recebimento de contas (boletos).
Considerando que os serviços financeiros podem ser classificados em duas grandes categorias: os transacionais (pagamentos de contas e entrega de benefícios se encaixam aqui) e os relacionais (crédito, seguro etc), o foco inicial dos correspondentes recaía sobre os primeiros.
A entrega de benefícios e o pagamento de contas localmente representou importante impacto no desenvolvimento local devido à redução dos custos de transação, sobretudo com transporte para o pagamento de contas, e também pela manutenção dos recursos no próprio local, fomentando comércio e serviços. A partir de consolidação da rede de correspondentes para a prestação de serviços transacionais, as expectativas cresceram para que eles também cumprissem um papel relevante na prestação de serviços relacionais, contribuindo de maneira relevante para a expansão da inclusão financeira.
Surge aqui o primeiro problema, qual seja, a necessidade de atualização da regulação de forma a refletir o atual contexto de atuação dos correspondentes. Deve ser reconhecido que o Banco Central teve papel decisivo na consolidação do modelo. Vários ajustes na regulação foram feitos entre 1999 e 2003 para dar forma ao modelo tal como o conhecemos hoje. Enquanto as modificações do início da década passada foram claramente motivadas para criar um conceito que ajudasse a expandir o acesso financeiro em regiões desassistidas por agências, as últimas focam apenas em detalhes operacionais.
O segundo problema diz respeito explicitamente à segurança na gestão do efetivo. Como o banco transfere o problema de pagamento e recebimento para o correspondente, este passa a acumular maior quantidade de efetivo em seu estabelecimento e é responsável pelo transporte até a agência bancária, correndo, obviamente, riscos. Embora alguns bancos ofereçam um seguro contra roubo, ele costuma ser caro para o pequeno comerciante.
Um terceiro problema relaciona-se ao desenho de produtos adequados às necessidades dos mais pobres. A maior facilidade de acesso a crédito fez aumentar fortemente o nível de endividamento. Correspondentes com foco nos serviços relacionais se especializaram em “empurrar” crédito no limite da capacidade dos tomadores, sem se preocupar com as suas necessidades de fato.
Ao mesmo tempo, há pouca preocupação por parte dos bancos em expandir a oferta de crédito produtivo por meio dos correspondentes, a despeito do potencial efeito gerador de emprego e renda desse tipo de crédito e da demanda potencial sensivelmente superior a atual oferta. Em geral, os bancos oferecem pelos correspondentes uma versão limitada do seu portfólio de serviços já existente.
Por fim, há a dimensão tecnológica. O modelo de correspondentes brasileiro foi desenhado no período anterior à disseminação dos celulares. Em vários países, os modelos de inclusão financeira partem do princípio de que há mais pessoas com acesso a celulares do que a contas bancárias, gerando oportunidades para usar estes dispositivos como um canal privilegiado para a inclusão.
É difícil imaginar que os celulares não tenham função no modelo de correspondente brasileiro. Da redução do risco em lidar com efetivo, passando por novas formas de pagamentos digitais, o celular deve ter um papel no processo de inclusão financeira, sem desconsiderar o caminho que já foi trilhado pelo modelo atual de correspondentes.
Em suma, reconhecendo os avanços importantes já realizados, urge retomar uma agenda estratégica envolvendo correspondentes, bancos, instituições de microfinanças, empresas de telefonia, dentre outros que podem contribuir para a continuidade da inclusão financeira no país.
Eduardo Diniz e Lauro Gonzalez são professores de EAESP-FGV, do Centro de Estudos em Microfinanças da FGV