O Estado de São Paulo
Rolf Kuntz
Bancos terão de pagar ou rolar US$ 3,6 trilhões de débitos nos próximos dois anos. Quatro anos depois das primeiras quebras causadas pelo estouro da bolha de crédito, o sistema financeiro continua inseguro, mas a crise agora tem mais um componente – a enorme dívida pública dos ricos.
“Muitas economias avançadas estão vivendo perigosamente”, disse ontem o diretor do Departamento Monetário e de Mercado de Capitais do Fundo Monetário Internacional, José Viñals. A dívida, acrescentou, pesa sobre a atividade econômica e sobre os balanço dos bancos, credores dos governos, e aumenta a insegurança financeira.
Viñals apresentou ontem a edição de primavera do Relatório de Estabilidade Financeira Global, publicado em abril e outubro.
Também os bancos vivem perigosamente, porque muitos continuam sem capital suficiente para enfrentar novos problemas. A equipe de Viñals analisou as instituições submetidas no ano passado a testes de estresse pelas autoridades europeias.
Trinta por cento – detentores de um quinto dos ativos totais – têm capital abaixo do necessário para enfrentar novos choques. Seu índice básico de capitalização é inferior a 8%, abaixo do padrão recomendado pelo Banco de Compensações Internacionais, de Basileia.
Há riscos também para os países emergentes. Os governos, disse Viñals, precisam evitar o superaquecimento econômico e a acumulação de desequilíbrios causados pelo crescimento excessivo do crédito e pelo grande influxo de capital estrangeiro.
Brasil e Índia se destacam entre os emergentes como receptores de investimento estrangeiro em ações – soma equivalente a 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB), no caso brasileiro. O Brasil também se diferencia pela expansão do crédito ao setor privado.
Falta ver se as medidas tomadas pelo Banco Central (BC) conterão o aumento do crédito, comentou Viñals. “Em geral”, disse ele, “é muito importante cuidar das vulnerabilidades macrofinanceiras com todos os instrumentos e continuar agindo até obter resultados”.
Calote
O aumento da insolvência normalmente acompanha o crescimento muito rápido do crédito, acrescentou, e por isso também é preciso vigiar os critérios de concessão de empréstimos. Esses critérios, poderia ter lembrado, foram muito frouxos nos Estados Unidos, durante anos, e isso levou à crise dos empréstimos subprime.
Empresas do Brasil e da China têm aproveitado a oferta de recursos externos, absorvendo grandes volumes de recursos por meio do lançamento de ações. O caso mais notável foi o da Petrobrás, com a captação de US$ 70 bilhões, mencionada no relatório do FMI. A maior parte (US$ 40 bilhões) foi absorvida pelo governo brasileiro.
Muitas companhias dos maiores países emergentes têm também aumentado a alavancagem, recorrendo a empréstimos estrangeiros. Com isso, acrescentam os autores do estudo, “seus balanços parecem crescentemente vulneráveis a choques externos”.
O governo brasileiro tem dirigido a mesma advertência ao setor privado, chamando a atenção para o risco de mudanças no mercado – uma súbita valorização do dólar, por exemplo.
Mas os sinais de alerta estão acesos principalmente no mundo rico, por causa do endividamento dos governos, da exposição dos bancos a riscos elevados e da situação ainda vulnerável das famílias endividadas, principalmente as americanas.
Dívida
A dívida pública segue em crescimento em muitos países avançados. Na zona do euro, observam os autores do relatório, as perspectivas dos bancos permanecem estreitamente ligadas à solvência dos governos. Os governos não avançaram o suficiente na arrumação de suas contas e ainda falta implementar a maior parte da reforma do sistema bancário. Diante disso, os poupadores e investidores se mantêm cautelosos e muitas instituições financeiras têm-se financiado com recursos de curto prazo. Também isso é um fator de risco.
O governo dos Estados Unidos tem de rolar em 2011 o equivalente a 28,8% do PIB. O governo japonês terá de rolar 56%. Em vários outros países desenvolvidos o Tesouro terá de levantar somas próximas de 20% do PIB – e até superiores – para cobrir o déficit público e as dívidas com vencimento no ano: França, 2,6%, Itália, 22,8%, Espanha, 19,3%, e Grécia, 24%, são alguns dos exemplos. Alguns desses países, como Itália, Grécia e Japão, já têm dívidas públicas superiores a 100% do PIB. O número crescerá nos próximos anos.
Apesar de todos esses dados, o relatório começa com uma frase positiva: “A estabilidade financeira global melhorou nos últimos seis meses, graças ao melhor desempenho macroeconômico e a políticas de acomodação, mas fragilidades permanecem.” A explicação remete, em parte, às ações de emergência adotadas durante a primeira fase da crise, como o socorro aos bancos e a expansão do gasto público. A herança da crise ainda não foi absorvida.
Cenário
O diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, afirmou ontem no Instituto Brookings que o desemprego e a desigualdade “podem disseminar instabilidade política, inclusive conflitos”.