A proposta de uma aliança entre Itaú Unibanco e MasterCard para o lançamento de uma nova bandeira de cartões está parada no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O órgão antitruste está analisando desde abril o projeto, que prevê um acordo de 20 anos entre as duas empresas e a criação de uma joint venture, controlada pela MasterCard, que vai administrar uma nova marca de cartão.
A polêmica em torno do acordo – o que explica a análise minuciosa do Cade – é a possibilidade de que ele acabe por fazer com que o mercado de cartões brasileiro volte a uma situação parecida com a que viveu até 2010.
Até então, só as máquinas da credenciadora Cielo (então Visanet) passavam cartões com a marca Visa no comércio, e apenas as da Rede (ex-Redecard), os cartões da bandeira MasterCard. Nessa estrutura, os bancos donos das credenciadoras tinham um incentivo para apenas emitir o cartão com a bandeira capturada pela sua respectiva empresa.
Agora o temor é que o mercado fique dividido, de um lado, entre a nova bandeira de Itaú/MasterCard e, do outro, com os cartões da bandeira Elo, que pertence a Bradesco, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Vale lembrar que esses mesmos bancos são donos das duas maiores credenciadoras de cartão do país, a Rede, no caso do Itaú, e a Cielo, para Bradesco e Banco do Brasil.
Há porém, algumas diferenças importantes entre o cenário que se desenha agora e o que havia até 2010. Primeiro, o Banco Central tornou-se oficialmente o regulador do setor e tem mostrado preocupação em estimular a concorrência no mercado – sem, ao mesmo tempo, acabar com a possibilidade de inovação no segmento. Segundo, tanto Elo como a nova bandeira de Itaú/MasterCard se comprometeram com a abertura da captura de seus cartões por credenciadoras que não as de seu grupo de controle.
Ainda assim, executivos ouvidos pelo Valor afirmam que a concentração das três principais figuras do mercado de cartões – bandeira, emissor e credenciadora – em um só grupo econômico pode acabar aumentando os obstáculos para quem atua “sozinho” no segmento no médio prazo.
Procurados, Itaú e MasterCard enviaram um comunicado conjunto, em que afirmam que questionamentos são “parte do trâmite junto ao Cade; porém, até a conclusão deste processo, não vamos comentar o assunto”.
Só o número de documentos anexados ao processo -182 até sexta-feira – mostra como o caso tem sido olhado com lupa. O órgão concorrencial buscou opiniões de uma série de participantes do setor de pagamentos eletrônicos sobre a associação, a começar pelo BC. Também foram consultados Elo, a Cielo e alguns concorrentes (Elavon, Stone, Banrisul), a bandeira Visa e a Associação Brasileira de Internet (Abranet), o Banco Cetelem e o HSBC.
A aliança entre Itaú e MasterCard foi anunciada em março e poucos detalhes foram divulgados sobre a operação. Segundo o Valor apurou, o objetivo do banco privado é dar um novo passo em sua estratégia de ter uma bandeira própria de cartão, para fazer frente ao avanço da Elo, mas com garantia de que ela será aceita fora do país.
Em 2013, o Itaú lançou sozinho a bandeira Hiper, que deve ser substituída pela nova marca, e que tem um tamanho pequeno. A visão do Itaú, segundo interlocutores do banco, é que o acordo é uma forma de colher mais benefícios proporcionalmente ao que o banco gasta hoje com as tarifas que paga às bandeiras internacionais.
Já para a MasterCard, a aliança é uma forma de proteger sua participação no mercado brasileiro.
O cuidado com a análise do caso está longe de injustificado. O Itaú é hoje o maior emissor de cartões do país, com uma participação de mercado de pouco mais de 35%, por estimativas de mercado. O banco também é o único dono da Rede, que capturou 39% das compras com cartão no país de janeiro a março deste ano. Já a MasterCard respondeu por 43% das transações com cartões de crédito feitas no Brasil em 2014, segundo o BC.
Os documentos que Itaú e MasterCard apresentaram ao Cade sobre a nova empresa mostram um esforço em tentar atenuar preocupações concorrenciais que a parceria possa trazer. Da primeira versão do projeto apresentada em abril até hoje, os sócios já propuseram mudanças substanciais ao modelo de negócios da nova bandeira, em especial na sua relação com as demais credenciadoras. De acordo com petição apresentada por Itaú e MasterCard no órgão antitruste no começo de agosto, há negociações em andamento entre os sócios para mais alterações na nova companhia.
Na proposta inicial, outras credenciadoras de cartão que não a Rede poderiam apenas passar o cartão no varejo. Elas não poderiam cobrar um “spread” dos lojistas além das taxas de desconto já definidas pela própria bandeira – a exemplo do que fazem hoje com Visa e MasterCard. Também não poderiam oferecer ao lojista a possibilidade de antecipar o recebimento de compras com cartão ou sequer contar as compras com essa marca em seu “market share”. Esse modelo, conhecido como VAN no jargão do mercado, é usado por bandeiras menores, como American Express, e está sendo temporariamente adotado pela Elo.
Mais recentemente, Itaú e MasterCard propuseram um outro modelo, em que todas as credenciadoras têm iguais condições ao operar com a nova bandeira. Nesta nova encarnação do acordo, os sócios se comprometeram com a “liberdade de todas as credenciadoras participantes para credenciar estabelecimentos comerciais e fixar suas respectivas taxas de desconto e antecipação de recebíveis” e em seguir “rigorosamente padrões de não discriminação e tratamento isonômico”, segundo documento apresentado ao Cade.
Também fazem parte do processo algumas das críticas ao projeto. “De fato, a grande preocupação da Abranet é a de que MasterCard e Itaú, com o discurso da criação de uma nova empresa, façam dela um veículo para o exercício abusivo de suas posições dominantes”, escreveu a associação em seu parecer enviado ao Cade.