(São Paulo) Em entrevista ao programa Roda Viva concedida na noite deste domingo (22), o ex-governador e candidato à Presidência da República Geraldo Alckmin voltou a defender os processos de privatização ocorridos recentemente no país, tanto em âmbito federal como estadual.
A história não é novidade. Foi denunciada pela Carta Maior no início deste ano (leia matéria “Ex-secretário de Alckmin é acionista de empresa que comprou subsidiária”), mas, até agora, não repercutiu na grande imprensa. Na última quarta-feira, no entanto, o editor assistente de política da revista Época, durante a entrevista dada por Alckmin à RedeTV!, questionou o candidato sobre o assunto:
”Quando o senhor indicou esse senhor pra preparar a privatização da Nossa Caixa Seguros e Previdência, o senhor já sabia que ele era conselheiro de uma empresa privada de seguros? Se não sabia, qual sua opinião a respeito do caso? O senhor acha correto e legítimo a mesma pessoa definir o critério da privatização e ao mesmo tempo participar da privatização como compradora?”, perguntou o jornalista.
Depois de defender Altenfelder, a quem elogiou como “uma das pessoas mais corretas” que conhece, e de afirmar que todos os leilões da Nossa Caixa Seguro e Previdência foram públicos, feitos na Bovespa, Alckmin declarou: “eu não vejo nenhum problema”.
Altenfelder, que foi ainda secretário de Ciência e Tecnologia do governo tucano e um dos nomes indicados pra entrar no comitê da campanha de Alckmin à Presidência, também não. Em nota enviada à Carta Maior quando da publicação da primeira reportagem, o empresário afirmou que “não participou das deliberações do Conselho Diretor do PED em todas as matérias sobre o tema de seguros, por questão de foro íntimo (ético e legal)”. À Época – conforme publicado nesta sexta (20) no blog da revista – ele disse que não há conflito de interesses nesse caso porque se retirava da sala de reuniões do PED quando o assunto era Nossa Caixa.
No entanto, em duas atas de reuniões do Conselho do PED obtidas pela reportagem da Carta Maior, a ausência de Altenfelder nos debates não está registrada. A ata da 144ª reunião registra a participação do empresário – que entrou no grupo por “livre escolha do governador Alckmin” – na deliberação que levou à divisão do Banco Nossa Caixa em sete subsidiárias e na formulação dos editais que deram corpo para o leilão da primeira empresa. Já a ata da 170a reunião, realizada em dezembro de 2004, mostra a participação do empresário nas discussões sobre as principais premissas macroeconômicas adotadas, bem como as variáveis e os parâmetros utilizados nas análises para determinação do valor econômico da Nossa Caixa Seguro e Previdência para a sua privatização. Nesta mesma reunião, foram apresentados os resultados obtidos para a fixação do preço mínimo para a venda das ações da sociedade e os critérios de participação no leilão da privatização.
Entre os requisitos aprovados pelo Conselho do PED para essa participação estavam: a) patrimônio líquido mínimo de R$ 50 milhões; b) experiência mínima de cinco anos na venda de seguros; e c) receita de prêmios emitidos superior a R$ 200 milhões no último exercício. Pela ata, o Conselho recomendou, para a aprovação do governador, entre outros pontos, que a alienação correspondesse a 51% do capital social da empresa; que o preço mínimo do leilão para lote único fosse de R$ 154.020.000,00; que a liquidação financeira fosse efetuada à vista, em uma única parcela; e os critérios para o veto à participação de determinadas instituições financeiras e entidades integrantes da administração pública no leilão de privatização.
De acordo com Altenfelder, a informação de que ele não participou desses debates não consta nas referidas atas por um equívoco de quem redigiu os documentos. Segundo o empresário, este equívoco “está expresso na ata da 182ª reunião do referido Conselho, publicada no Diário Oficial em 4 de março”. Nesta ata, registra-se que o ex-secretário do governo Alckmin não teria participado de votações anteriores relacionadas à privatização da Nossa Caixa Seguro e Previdência. O curioso é que Altenfelder só lembrou de fazer essa “retificação” das atas anteriores mais de um ano depois e, coincidentemente, na primeira reunião do Conselho do PED realizada após a Justiça ter aceito a Ação Popular movida contra a privatização da subsidiária.
Mesmo que Ruy Martins Altenfelder tenha se abstido das votações das decisões do processo de privatização da Nossa Caixa Seguro e Previdência, do ponto de vista jurídico questiona-se se a sua participação nos debates em si já não seria problemática. Como mostrado nas referidas atas, o conselho do PED debate questões estratégicas, como se uma empresa pode ou não disputar um leilão ou o preço mínimo das ações. Mesmo que não vote, Altenfelder, além de ter tido acesso a informações que poderiam ter sido levadas à Mapfre, poderia exercer influência nas discussões da privatização da subsidiária.
É essa a opinião da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, chefe do departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e especialista em direito administrativo. Para ela, neste caso, há um claro conflito de interesses
“Não acho correto. O fato de uma pessoa se abster das votações não muda em nada o problema, porque durante o debate ela pode influenciar os outros. Há um conflito de interesses muito visível. De um lado está o Estado, que vai fazer a privatização, que tem que escolher a empresa; de outro, a empresa escolhida. Nesta situação, ele participa de dois órgãos com interesses conflitantes: um está querendo privatizar e outro, comprar”, explica Maria Sylvia. Segundo ela, essa postura fere o princípio da moralidade na administração pública. “Moralidade exige honestidade, imparcialidade, noção do que é certo e errado. E, neste caso, o principal problema é deste conflito de interesses”, completa.
Tanto da Lei de Processo Administrativo como no Estatuto do Servidor Público de São Paulo há a previsão de impedimentos de participação desta ordem. No entanto, para o ex-governador Geraldo Alckmin, este não parece ser um problema. Nem para a grande imprensa.
Fonte: Bia Barbosa – Carta Maior