Carta Maior
Marcel Gomes
São Paulo – O papel central desempenhado pelas três grandes agências mundiais de rating – Standard & Poor´s (S&P), Moody´s e Fitch – no atual estágio da crise financeira internacional transformou-as em inimigo público número um de governos nacionais. Nesta segunda-feira (8), bolsas de valores de diversos países, entre eles o Brasil, perderam bilhões de dólares em valor, puxadas pela decisão da S&P de retirar o triplo A da dívida norte-americana. A mesma agência alertou que o índice dos EUA poderia cair ainda mais nos próximos meses.
Pouco depois da hora do almoço, quando o estrago nos mercados estava em andamento, o presidente dos EUA, Barack Obama, falou à imprensa na Casa Branca e questionou o rebaixamento. “Não importa o que uma agência diga, nós somos e sempre seremos um país AAA. Apesar de todos os desafios que enfrentamos, nós continuamos a ter as melhores universidades, alguns dos mais produtivos trabalhadores, as companhias mais inovadoras e os mais criativos empreendedores do mundo”, disse Obama.
É uma indignação que tem se repetido em outros cantos do mundo. Na última quinta-feira (4), os escritórios da Moody´s e da S&P na Itália foram revistados pela polícia, como parte de uma investigação conduzida por procuradores mobilizados por associações de defesa do consumidor. Diante do fraco crescimento econômico e do endividamento da administração central, a S&P havia reduzido a perspectiva de rating do país, de estável para negativa. Já a Moody´s anunciara em junho que iniciaria um processo de avaliação da nota do governo italiano, sinalizando possível redução, assim como a de dezesseis bancos nacionais.
Uma avaliação mais baixa significa maior dificuldade para rolar dívidas pública e privada, pois os juros ficam mais altos. Sem dinheiro, países podem deixar de pagar suas contas e empresas irem à falência. Irlanda, Grécia e Portugal já seguiram esse roteiro e tiveram de pedir socorro ao exterior – Fundo Monetário Internacional e/ou Banco Central Europeu – para saírem do buraco. O custo, porém, será caro, com corte dos gastos públicos e recessão econômica.
Pressionado, o presidente português, Cavaco Silva, já classificou as agências de rating de “ignorantes” e pediu que “estudassem mais”. Em coro, o presidente do BCE, Claude Trichet, disse que ignoraria a avaliação dessas empresas na elaboração de planos de socorro aos estados membros. Para ele, tais grupos atuariam em regime de oligopólio, fortalecendo ondas pró-cíclicas durante crises que seriam desfavoráveis às economias nacionais.
Mais regulação
É nos Estados Unidos que a regulação das agências de rating mais avançou. Em julho do ano passado, o presidente Barack Obama assinou a Lei de Proteção ao Consumidor e Reforma de Wall Street Dodd-Frank, determinando amplas mudanças em termos de regulação e transparência no mercado financeiro norte-americano. As agências, por exemplo, passam a ser obrigadas a divulgar a metodologia que usam para calcular as notas dos países e das empresas.
No Brasil, ainda que com menos repercussão, o debate sobre a regulação das agências de rating também acontece. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estuda uma instrução para normatizar e fiscalizar as empresas brasileiras e estrangeiras do setor que atuam aqui. Em breve, audiências públicas serão realizadas. No início dos anos 2000, o Banco Central iniciou debates sobre o assunto, mas a idéia naufragou. Agora, com o ambiente global mais favorável à regulação, o caminho pode ser facilitado.
Para Roberto Vertamatti, diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), outro caminho para reduzir os problemas envolvendo as agências de rating seria aumentar a competição entre elas. “Hoje três grandes agências dão notas para governos, bancos e demais empresas. É muita concentração”, disse Vertamatti à Carta Maior.
Segundo ele, se houvesse mais grupos nesse setor atuando e sendo ouvidos, casos como crise do mercado imobiliário norte-americano e a quebra do Lehman Brothers poderiam ter sido evitados. “Falava-se há mais de dez anos que essa bolha iria estourar, mas a agências mantiveram a avaliação positiva até o último minuto”, afirmou.
Para o economista, o fato de empresas e governos pagarem para serem avaliadas pelas classificadoras poderia gerar uma “disposição diferente” em prol de uma nota mais favorável. Com o objetivo de impedir isso, uma das propostas discutidas pela CVM é justamente exigir que as agências divulguem os nomes de seus clientes.