Abdias é condecorado na Bahia pelo então presidente Lula, em 2006, com a Ordem do Rio Branco, a mais alta condecoração brasileira
Morreu na manhã desta terça-feira, no Rio de Janeiro, o ativista do movimento negro Abdias do Nascimento, 97. Ex-deputado, secretário estadual e senador, Abdias foi também pintor autodidata, escritor, poeta e ator.
“A perda de um companheiro valoroso como Abdias do Nascimento é muito significante para o movimento negro. Mas mais importante do que isso é a trajetória realizada por ele em prol da igualdade de oportunidades entre todos os povos”, lamenta Júlio César Silva Santos, membro do Coletivo de Gênero, Raça e Orientação Sexual (CGROS) da Contraf-CUT e diretor do Sindicato de São Paulo.
Abdias estava internado desde abril. Ainda não há informação sobre a causa da morte e do horário do enterro.
Sua defesa dos direitos humanos dos afrodescendentes lhe rendeu uma indicação ao Prêmio Nobel da Paz em 2010.
Em março deste ano, esteve entre as lideranças negras convidadas para o encontro com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no Rio de Janeiro.
Na ocasião, Nascimento afirmou que “a visita do Obama é importantíssima para aprofundar as relações entre o Brasil e os EUA. O fato deles terem eleito um presidente negro é uma lição para o Brasil”.
Foi dele a sugestão de instituir, em São Paulo, o Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro desde 2006.
POLÍTICA
Abdias do Nascimento foi o primeiro deputado federal do país a se dedicar à defesa dos direitos dos afro-brasileiros, de acordo com o PDT, sigla que o ativista representou no Congresso. Ele assumiu o cargo em 1983, eleito pelo Rio de Janeiro. Em seu mandato de quatro anos, segundo dados da Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros), foi de autoria de Nascimento o primeiro projeto de lei de políticas afirmativas da história do Brasil.
Antes do regime militar, porém, ele foi filiado do PTB, onde foi co-fundador, em 1948, do movimento negro dentro do partido. Na década de 40, Abdias foi um dos articuladores que propuseram à Assembléia Nacional Constituinte a inclusão de um dispositivo constitucional definindo a discriminação racial como crime de lesa-Pátria. A sugestão, porém, não foi acatada.
Na década de 90, o ativista também foi suplente de Darcy Ribeiro no Senado e assumiu a cadeira entre 1991 e 1992 e de 1997 a 1999. Na década de 40, foi co-fundador do movimento negro dentro do PTB.
Abdias nasceu em 14 de março de 1914 na cidade de Franca, localizada no interior de São Paulo, a 400 km da capital. Filho de uma doceira e de um sapateiro, viveu a maior parte da vida no Rio de Janeiro, onde se formou em economia.
Começou a militar na década de 30, quando ingressou na Frente Negra Brasileira. Em uma viagem pela América do Sul com um grupo de poetas, assistiu a um espetáculo onde um ator branco pintava o rosto para interpretar um negro.
O episódio marcou Abdias e o levou a fundar o Teatro Experimental do Negro, em 1994, após ter cumprido pena na penitenciária do Carandiruo, preso pelo governo de Getúlio Vargas por resistir a agressões racistas.
O Teatro Experimental do Negro formou a primeira geração de atores e atrizes afrodescendentes do Brasil, e também contribuiu para a criação da literurgia dramática afro-brasileira.
Abdias se encontrava nos Estados Unidos quando o regime militar promulgou o Ato Institucional nº 5 e, por causa de diversos inquéritos policiais dos quais era alvo, foi impedido de retornar ao Brasil.
Seu exílio durou 12 anos.
Além do Teatro Experimental do Negro, o legado de Abdias inclui também o Ipeafro, fundado por ele em 1981, o jornal “Quilombo”, criado em 1968 e mais de 20 livros publicados durante várias décadas.
Além da indicação ao Prêmio Nobel da paz, Abdias recebeu honrarias dos Estados Unidos, Nigéria, México, Unesco e ONU. No Brasil, recebeu das mãos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Ordem do Rio Branco, no grau de Comendador — a honraria mais alta outorgada pelo Governo brasileiro.