Valor Econômico
Fernando Travaglini, de São Paulo
Os bancos deixaram de fazer acordos para indenizar clientes que moveram ações reclamando diferenças na poupança causada pelos planos econômicos nas décadas de 80 e 90. Acuadas pelas seguidas derrotas nos tribunais de todo o país, até recentemente as instituições financeiras vinham oferecendo acordos de pagamento que chegavam a 50% do valor pedido pelos poupadores. Nos últimos meses, no entanto, a estratégia mudou e apenas casos pontuais são tratados dessa forma.
Por trás da nova diretriz está a esperança renovada dos bancos com a possibilidade de saírem vitoriosos nas causas. O Supremo Tribunal Federal (STF) avalia ação movida pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) para tentar provar que nos casos que envolvem a moeda do país, cuja regulação é uma prerrogativa do Estado, a tese do direito adquirido para contratos não valeria. A quebra dos contratos dos poupadores é a tese que tem embasado as ações contra os bancos.
O recente otimismo da banca está relacionado ao parecer que a Procuradoria Geral da República deve enviar em breve ao Supremo (ver reportagem na página C3).
A Caixa Econômica Federal, que tem o maior número de ações na Justiça porque detinha um terço do saldo em poupança na ocasião dos planos, disse em nota que, “em razão de recentes decisões do STJ, relativas aos expurgos inflacionários nas cadernetas de poupança, suspendeu a realização de acordos nestas ações.”
Os grandes bancos privados seguem o mesmo caminho. “Estamos parando porque vislumbramos que temos chance de ganhar. Se olharmos o aspecto jurídico, é um absurdo a cobrança”, disse o diretor de um grande banco. Arnaldo Laudisio, diretor da Febraban e do Santander, diz que essa política depende de cada banco, mas diante das perspectivas, os bancos pararam de fazer acordos.
Se antes todas as decisões judiciais eram amplamente favoráveis aos correntistas, já apareceram algumas que suspenderam as ações até que saia uma posição final do Supremo. Dois exemplos são uma ação contra o Itaú, cuja decisão de suspensão (sobrestamento, no termo técnico) saiu em novembro de 2009, e outra, contra o Bradesco, de janeiro deste ano, no Colégio Recursal de Tupã.
Há ainda uma decisão da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que avaliou que as ações individuais deveriam ser suspensas por conta das ações coletivas de objeto similar, em caso no Rio Grande do Sul.
O processo que corre no STF está parado, desde julho, aguardando um parecer da Procuradoria Geral da República. O documento será elaborado pelo próprio procurador-geral, Roberto Monteiro Gurgel – nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano passado.
Não há um prazo para que Gurgel encaminhe seu parecer, mas segundo Sergio Bermudes, advogado que representa os bancos no Supremo, “supõem-se que esteja prestes a encaminhar”.
O parecer de Gurgel pode ser favorável ou não aos bancos e tem um peso relativo no processo. “É uma opinião que deve ser respeitada, não necessariamente seguida”, disse Antonio Negrão, diretor jurídico da Febraban. Assim que chegar o documento, o relator do caso, o ministro Ricardo Lewandowski, pode levar o caso a plenário – Lewandowski negou liminar no ano passado que pedia a suspensão de todas as ações.
Integrantes do governo vêm se mobilizando em favor dos bancos. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já declarou que as ações contra os bancos “não têm razão de ser”. Em caso de derrota das instituições financeiras, metade da conta recairia sobre o Tesouro, que teria que capitalizar os bancos federais – Banco do Brasil e Caixa detinham metade do saldo das cadernetas na época dos planos econômicos e seriam responsáveis por metade das indenizações. O caso mais grave é o da Caixa.
Por conta da esmagadora derrota sofrida pelos bancos nos tribunais e dos valores envolvidos, o caso tomou dimensão muito maior do que os próprios bancos previam inicialmente, como já chegou a admitir o banqueiro Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco e ex-presidente da Febraban. Hoje, os processos movimentam um batalhão de advogados de ambas as partes e existe uma verdadeira indústria de ações.
Dados preliminares de um levantamento que a Febraban está preparando apontam que as ações já superam os 800 mil, sendo mil coletivas – cuja decisão se estende a todos os poupadores. Mas esse número pode já ter superado 1 milhão. O tamanho de casos é relevante, já que corresponde a mais de 1% de todas as ações que tramitam no país.
Não por acaso, hoje dentro da Febraban o tema está sob a supervisão direta do presidente da entidade e presidente do Santander, Fábio Barbosa. Na ação proposta no STF, os bancos são representados por três dos mais renomados – e caros – advogados do país: Sérgio Bermudes e Arnoldo Wald, que em outras causas costumam defender Bradesco e Itaú, respectivamente, e o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos.
Para cuidar do dia-a-dia das ações, há uma tropa de advogados destacados dentro dos departamentos jurídicos dos bancos. Só o Santander tem dez advogados exclusivos para mais de 70 mil ações em que se defende, além de dez escritórios externos de apoio em vários Estados.
Apesar dessa força-tarefa, as vitórias têm sido majoritariamente dos poupadores. Por isso a decisão os bancos, em março do ano passado, de entrar no STF pedindo o fim dessas ações.
A ação no Supremo (chamada de Agravo de Descumprimento de Preceito Fundamental) pode ser, de fato, a última chance para os bancos se livrarem desse problema. Na jurisprudência já está praticamente definida: os bancos perderam quase todas as causas relativas aos planos Bresser e Verão. Mesmo no STF a maior parte das ações que chegaram ao Supremo foram favoráveis aos poupadores.
Levantamento do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) mostra que já existem 303 decisões do STF sobre a correção de poupança. Em todos os processos relativos ao plano Verão os poupadores saíram vencedores.
No plano Bresser, o placar está 18 a um – no caso do plano Collor I as decisões caminham para uma decisão em que caberia ao BC, não aos bancos, pagar a correção do excedente aos 50 mil cruzados novos confiscados.
Tecnicamente, os poupadores argumentam que os bancos aplicaram a mudança de indexador a todos os contratos de poupança que vigoravam no mês, como determinou o Banco Central na época, quando, na verdade, essa alteração deveria valer apenas para contratos que seriam renovados a partir da data do decreto, ou seja, dia 15, com os demais mantendo o índice anterior (violação do ato jurídico perfeito).
Além das ações relativas à correção das cadernetas, há ações que cobram diferenças no rendimento de depósitos judiciais no mesmo período. A correção dos depósitos judiciais afetaria não apenas os bancos públicos, mas todos os privados que adquiriram instituições privatizadas.
Começam a aumentar também recursos de pessoas e, principalmente, empresas que tinham outras formas de aplicações na época, como certificados de depósitos bancários (CDB). Esses casos, segundo os bancos, elevariam ainda mais o valor das perdas potenciais para o sistema financeiro.
O Instituto Serpros de Seguridade, fundo de pensão dos funcionários do Serviço de Processamento de Dados do governo federal, por exemplo, pleiteava uma correção nos CDBs que tinha na época no Banco Econômico. A empresa Imóveis Curitiba Ltda também moveu processo contra o Banco Real por perdas com CDBs. Nesses dois casos, no entanto, o STF deu ganho aos bancos.
O Valor apurou que o presidente do Santander, Fábio Barbosa, ameaçou cortar relações comerciais com uma grande empresa que processava o banco. “Há empresas grandes cobrando CDBs, não gostaria de citar nomes”, limita-se a dizer Arnaldo Laudisio.