O mandato do vereador de Curitiba, Renato Freitas (PT), foi restabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão, proferida pelo ministro Luís Roberto Barroso, na última sexta-feira (23), é liminar, mas já garante os direitos políticos de Renato, que é candidato a deputado estadual nas eleições gerais que acontecem neste domingo, 2 de outubro.
Na reclamação apresentada à corte, o vereador afirma que o processo de cassação durou mais de 90 dias, que é o prazo máximo previsto pela legislação. Apesar disso, o Tribunal de Justiça do Paraná havia mantido a sessão de cassação, porque o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal prevê prorrogação da duração do processo.
Barroso, porém, pontuou que processos de cassação são definidos por norma federal e não local, o que limita a duração do procedimento em 90 dias. Ele ressaltou que tais garantias legais visam a proteger, além do direito do parlamentar, o princípio democrático. “Em respeito ao voto popular, tal punição deve resultar de procedimento que observe com rigor as exigências legais”, diz na sentença.
O ministro enfatizou que a punição apresentava outra implicação, ainda mais relevante, ao restringir o direito à liberdade de expressão em defesa de grupo vulnerável, vítima constante de violência. Barroso também anotou o viés de racismo estrutural na decisão da Câmara de Curitiba. “Na situação aqui examinada, e talvez não por acaso, o protesto pacífico em favor de vidas negras, feito pelo vereador reclamante dentro de igreja, motivou a primeira cassação de mandato na história da Câmara Municipal de Curitiba”, afirmou em sua decisão.
Os bancários de Curitiba marcarão presença no processo de restituição do mandato e participarão do evento de retorno de Renato Freitas à Câmara. Como informou o secretário de Políticas Sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Elias Jordão, “será uma ação em conjunto com os comitês de luta dos bancários, e ajudará a transformar a posse num ato popular”.
Processo viciado
Renato foi cassado por ter participado de protesto, em 5 de fevereiro, pelo fim da violência contra pessoas negras e por justiça pelos assassinatos do congolês Moïse Kabagambe e de Duval Teófilo Filho. O ato, organizado pelo Coletivo Núcleo Periférico, ocorreu na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, inaugurada em 1737, erguida exatamente para abrigar escravizados, então proibidos de frequentar outros locais religiosos.
Durante o processo na Câmara de Vereadores, Renato sofreu ameaças e agressões racistas. Enquanto o caso tramitava no Conselho de Ética, ele recebeu e-mail, atribuído ao relator do processo, vereador Sidnei Toaldo (Patriotas), que o chamava de “negrinho”, dizia que ele devia ir “de volta à senzala” e que iriam “branquear Curitiba e a região Sul”.
Para o secretário de Combate ao Racismo da Contraf-CUT, Almir Aguiar, “a manifestação racista era escancarada, foi sentida em todo o processo contra Renato, mas o caso teve que chegar até a Suprema Corte para que essa vergonhosa perseguição, que agride todas as pessoas negras, fosse revertida”.
Igreja foi contra
A acusação de quebra de decoro parlamentar era fundamentada em desrespeito a culto religioso, mas a própria Arquidiocese de Curitiba discordou do processo e disse que Renato “cometeu certos excessos ao ocupar um local sagrado”, mas não interrompeu missa. Por isso, pediu “punição proporcional aos fatos”.
Em carta à Câmara, a entidade dizia que a “manifestação contra o racismo é legítima, fundamenta-se no Evangelho e sempre encontrará o respaldo da Igreja”, que reconhecia “no vereador o anseio por justiça em favor daqueles que historicamente sofrem discriminação em nosso país. A causa é nobre e merece respeito”.
Neste sábado (23), Renato foi, inclusive, recebido pelo Papa Francisco, na cidade de Assis, na Itália. No encontro, Renato denunciou o racismo estrutural existente no Brasil e entregou uma carta de seus advogados, em que se relata toda a ilegalidade de que foi vítima no processo de sua cassação, agora revertida pelo STF.
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