A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que entrou em vigor em 18 de setembro de 2020, foi criada para garantir a privacidade e o uso consciente de informações particulares das pessoas. Isso porque elas têm o direito de saber como os registros armazenados são utilizados e, inclusive, solicitar a sua exclusão, caso assim desejarem. Por isso, é fundamental que os sindicatos e federações de todo o país se adequem às exigências o quanto antes. Para mostrar como as entidades devem fazer isso, a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) realizou nesta terça-feira (17) o Seminário “A LGPD na perspectiva de trabalhadores e trabalhadoras”.
“O Seminário foi muito importante, atingindo nossos objetivos. Pudemos compreender melhor a importância da proteção dos dados pessoais, que exige a criação de uma nova cultura em nossa sociedade. Entendemos a importância da adequação das entidades sindicais à nova realidade, protegendo os dados da categoria profissional na atividade sindical, e também a importância da adequação de nossas entidades em seu papel de controladora de dados”, afirmou o secretário de Assuntos Jurídicos da Contraf-CUT, Lourival Rodrigues.
“Debater sobre a proteção dos dados dos trabalhadores é fundamental para nos defendermos diante da atuação dos bancos, mas também para que nossas entidades sindicais se adequem à Lei e, da mesma forma, respeitem a privacidade dos dados que temos em nosso poder. Este seminário superou nossa expectativa, tanto com relação à quantidade e nível de participação como pelo conteúdo transmitido”, afirmou a presidenta da Contraf-CUT, Juvandia Moreira.
O secretário-geral da Contraf-CUT, Gustavo Tabatinga Junior, enalteceu ainda o fato de o evento ser o primeiro webinar da instituição. “Inauguramos hoje um novo formato de evento digital, que nos proporciona abranger muito mais gente do que se fizéssemos no nosso auditório. Hoje, por exemplo, foram 367 inscritos. É um modelo que veio para ficar.”
A primeira mesa do evento explicou o que é LGPD. “A LGPD vem como um mecanismo de criação de limites e cultura. É uma ferramenta que constitui limites para a exploração dessas informações por empresas e pelo próprio governo. Ao mesmo tempo, faz parte da criação de uma cultura de segurança de informação e proteção de dados pessoais, propondo que exijamos a observação desses limites. É por isso, justamente, que a LGPD, ainda que traga também exigências aos sindicatos, deve ser encarada sem receio, deve ser apropriada pelo movimento sindical, constituindo uma ferramenta de disputa de direitos também para a classe trabalhadora”, explicou a advogada trabalhista e assessora sindical, especialista em Economia pela Escola de Ciências do Trabalho do Dieese, Paula Nocchi Martins. “E, considerando que a crise sanitária aprofundou a constituição de relações de trabalho intermediadas por meios digitais, aumentando consideravelmente o fluxo de informações em rede, a vigência da LGPD novamente assume uma posição importante, de criar limites ao uso de dados pessoais dos cidadãos”, completou Paula, que também é pesquisadora independente da proteção de dados nas relações de trabalho.
O seu colega de mesa, Guilherme Pereira Pinheiro, pós-doutor em Direito pela Universidade de Coimbra, professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e consultor Legislativo na Câmara dos Deputados, acredita que a importância da Lei é de três ordens. “A primeira é que representa uma extensão dos direitos do cidadão sobre seus dados, com sua participação ativa na atividade de tratamento. O segundo é que cria barreiras à atuação indevida do Estado sobre os dados pessoais, evitando manipulação e discriminações. A terceira é que a LGPD insere o Brasil no fluxo global e na economia de dados, permitindo que o país transfira e receba dados do exterior, fomentando um mercado ainda não tão desenvolvido no Brasil e que pode gerar receitas e empregos.”
Pinheiro acredita que a pandemia aumentou muito a importância da proteção de dados. “Exemplo são as tecnologias usadas em muitos países, inclusive no Brasil, para rastreamento de doentes e identificação de aglomerações. Ademais, na pandemia, questões como trabalho e ensino à distância potencializaram o abuso no uso de dados pessoais e, portanto, a LGPD vem em boa hora.”
A segunda mesa debateu o Direito à Privacidade e os Dados Pessoais. Mariana Rielli, coordenadora geral de projetos da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, garantiu que a proteção de dados é essencial em uma sociedade que é cada vez mais movida a dados pessoais e em que o uso desses dados passa a ter efeitos mais profundos e concretos sobre as nossas vidas. “Ela garante proteção contra usos inadequados e abusivos, impondo obrigações e responsabilidades às empresas e órgãos públicos, e também cria direitos específicos para o indivíduo (o titular dos dados), como de ter acesso aos dados que uma entidade tem sobre você ou de requerer o bloqueio ou exclusão de dados que sejam desnecessários ou estejam em desconformidade com a Lei. A LGPD é um ganho para a população, pois cria ‘regras do jogo’ mais claras sobre quando e como é adequado usar os seus dados pessoais e também porque ela vem desempenhando um papel de aumentar a discussão sobre o assunto e ajudar na conscientização mais ampla dos indivíduos sobre a importância dos dados pessoais e a necessidade de protegê-los.”
Para Paulo Rená da Silva Santarém, pesquisador do Centro Cultura Digital & Democracia e professor da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais (CEUB), a proteção de dados pessoais constitui um novo direito, cuja importância está em assegurar juridicamente o desenvolvimento das nossas personalidades diante dos muitos riscos decorrentes do desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação. “A população passa a ter um instrumento de defesa no contexto em que todos nossos dados digitais estão sendo coletados e processados o tempo todo, por diversas instituições públicas e privadas, e para objetivos que nem sempre conhecemos”, destacou.
A terceira mesa foi “A LGPD e as Entidades Sindicais”. O doutor em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas, Mário Vinícius Claussen Spinelli, que é professor da FGV e da Universidade Federal de Lavras, do Curso de especialização em Compliance do CPEC da Universidade de Castilla e La Mancha e do Curso de Extensão em Compliance da PUC-RJ, acredita que as entidades sindicais devem ter atenção com os dados que possui dos bancários e com a utilização destes dados. “Sua atuação deve garantir o tratamento de dados adequado dos bancários pelos empregadores, mas também o cumprimento da LGPD pelos próprios sindicatos quando tratam os dados de seus filiados. As duas frentes fazem com que os sindicatos tenham que montar um plano de ação para garantir a aplicação da LGPD”, disse.
Spinelli, que também é o Ouvidor-Geral da Petrobras e auditor Federal de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União, apresentou um plano de ações, que inclui 10 medidas recomendadas para a implementação da LGPD.
Gustavo Ramos, sócio de no escritório Mauro Menezes & Advogados, Mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas pelo Centro Universitário UDF e professor em curso de pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho, buscar essa conformidade na LGPD vai demandar uma mudança cultural de toda a sociedade, sobretudo das entidades sindicais. “Buscar conformidade à LGPD demandará uma mudança cultural ampla de toda a sociedade, aí incluídas naturalmente as entidades sindicais. Será preciso a conscientização de que, uma vez na posse do dado pessoal de alguém, tal informação está sob sua responsabilidade, devendo ser protegida, por meios tecnológicos, administrativos e com ações juridicamente bem orientadas, sob pena de severas sanções administrativas e eventuais responsabilidades indenizatórias. A adequação à LGPD tem inegavelmente a perspectiva de tornar as organizações mais confiáveis, menos inoportunas e mais seguras, e constitui elemento importante para contribuir com esse movimento coletivo global de resistência à manipulação das pessoas por intermédio da utilização ilegítima de seus dados pessoais por grandes conglomerados empresariais e governos autoritários.”