A imagem do ex-juiz Sérgio Moro está cada vez mais arranhada. Conforme a série de reportagens do The Intercept Brasil avança e novas conversas são reveladas, fica claro como o atual ministro da Justiça era parcial em seus julgamentos e extrapolava os limites da sua função.
As relações impróprias do então juiz Sergio Moro com o Ministério Público Federal e a atuação do magistrado da 13ª Federal de Curitiba como aliado da acusação contra os réus ou acusados, deturpando a condição de imparcialidade do juiz – inerente ao papel legal desse personagem no sistema de Justiça – são as mais graves constatações de tudo o que foi revelado até agora pelo site The Intercept Brasil. A parcialidade de Moro e o conluio entre Ministério Público Federal e o juízo estão no cerne de todo o debate e são a origem de todos os fatos decorrentes, na opinião dos advogados criminalistas Leonardo Yarochewsky e Luiz Fernando Pacheco, e do ex-deputado federal e ex-presidente da seção da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro Wadih Damous.
“O mais grave é a parcialidade do juiz Sergio Moro. É o mais grave porque compromete o devido processo legal. É evidente que ele aderiu a uma das partes, no caso ao Ministério Público Federal, o que ficou evidente em vários diálogos divulgados. Dizer que um juiz deve ser imparcial é quase um pleonasmo, porque a imparcialidade é inerente ao juiz no processo”, diz Yarochewsky sobre o ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro.
Para Damous, a Lava Jato tinha “como objetivo maior a criminalização da política, e particularmente do PT e suas lideranças”. “Não havia julgamento, mas um rito de condenação. Os rituais que a Constituição Federal e o Código de Processo Penal preveem eram obedecidos apenas pró-forma. A defesa jamais teve sua voz ouvida. Pelo contrário, foi esculachada o tempo todo, como mostram os diálogos revelados.”
Como exemplo, ele menciona uma declaração emblemática e cabal – no sentido de escancarar a imparcialidade de Moro. Depois de ouvir depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o caso do triplex do Guarujá, de acordo com o Intercpet, o diálogo entre o juiz e o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima revelava não a equidistância necessária ao juiz, mas escárnio, enquanto ambos comentavam o confronto entre juiz e acusado.
Moro e Lava Jato passaram por cima da lei
Na avaliação do procurador de Justiça do Ministério Público da Bahia Rômulo de Andrade Moreira, é preciso repensar a forma como vem sendo aplicada a delação premiada no Brasil. A prova disso, de acordo com Moreira, são os mais recentes diálogos divulgados pelo site The Intercept Brasil e pelo jornal Folha de S. Paulo revelando que integrantes do Ministério Público, que compõem a força-tarefa da Operação Lava Jato, negociaram com então juiz Sergio Moro os termos de uma delação antes mesmo do acordo ter sido fechado.
Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador (Unifacs) e membro do coletivo Transforma MP, ele afirma que seus colegas procuradores Carlos Fernando dos Santos Lima e Deltan Dallagnol, em conjunto com o atual ministro da Justiça, aplicaram a delação premiada de uma maneira que “nem a Lei de Organizações Criminosas, que já é criticável, foi preservada. Eles fizeram pior”, contesta Moreira, em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual.
De acordo com as mensagens privadas dos procuradores, Moro só aceitou homologar os acordos das delações dos executivos da Camargo Corrêa Dalton Avancini e Eduardo Leite se a pena proposta a eles incluíssem pelo menos um ano de prisão em regime fechado, violando a distância imposta aos magistrados que permite apenas a veracidade da legalidade dos acordos após sua assinatura. Os executivos estavam presos em caráter preventivo havia quatro meses, e foram os primeiros a abrir caminho que esse tipo de negociação viesse a ser a tônica da Lava Jato. “Um dos aspectos que eu critico é que a lei permite a delação premiada de quem está preso. É preciso que haja modificação nesse artigo (…) Me parece que uma delação premiada feita naquele ambiente de prisão, de falta de liberdade, de ameaças em relação a indiciamentos de familiares, isso tudo fragiliza o sujeito que efetivamente quer delatar. A delação tem que ser voluntária e espontânea”, aponta integrante do Transforma MP.