Valor Econômico
Adriana Cotias
A fim de destravar a cessão de crédito, fonte tradicional de captação das instituições de pequeno e médio porte e que secou após o primeiro furo contábil, de R$ 2,5 bilhões, identificado no PanAmericano em novembro, bancos e financeiras se articularam para colocar de pé uma central de ativos de crédito para o mercado brasileiro.
A Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP), ligada à Federação Brasileira de Bancos (Febraban), é que passará a reunir as informações sobre carteiras vendidas e cruzará, na outra ponta, os dados com os portfólios comprados pelos bancos de grande porte e que costumam prover o “funding” para as instituições com menor fôlego de capital.
O sistema da CIP, batizado de C3 (Central de Cessão de Crédito), vai começar a ser carregado a partir de 1º de março. Vai receber, ao longo do mês, as informações de cerca de 30 milhões de operações de financiamento de veículos e de consignado, que estão cedidas no sistema financeiro nacional (SFN).
A partir da formação desse estoque, estará apto para registrar novas cessões. Segundo o consultor da Febraban, Renato Pasqualin, nessa primeira fase do projeto, a ideia é carimbar cada uma das operações para evitar a duplicidade na venda de ativos e que se revelou como a origem do problema no caso do PanAmericano.
“Haverá (informações) tanto devedores quando compradores, os bancos vão reportar os contratos cedidos e os volumes vão ter que bater com o estoque da instituição que comprou, para que o mercado tenha uma base confiável para iniciar o projeto”, explica Pasqualin. “O mercado de cessão diminuiu muito de atividade e a importância é voltar a dar liquidez para o segmento.”
Numa segunda etapa, ainda sem data definida, a C3 também vai ser o meio de liquidação das prestações dos contratos cedidos. A ideia é que ao se identificar, por exemplo, que um financiamento de veículos não está mais nas mãos do banco que originou a operação, que o pagamento seja feito diretamente para a instituição que comprou aquele ativo.
Pasqualin conta que alguns bancos têm a operação de compra de carteiras mais estruturada e se valem do domicílio bancário, esquema que assegura que o pagamento dos contratos de financiamento seja creditado diretamente na conta da instituição que adquiriu aquela ativo. Com a C3, a intenção é sistematizar isso.
Os bancos ainda almejam dar esse mesmo tratamento para os empréstimos com desconto em folha de pagamento. Hoje, o INSS e outros órgãos públicos creditam as prestações à instituição que tem a rubrica do contrato. O plano é ter uma câmara de liquidação específica para os empréstimos consignados.
Numa fase mais adiantada, a previsão é de que a C3 também permita a transferência de garantias – no caso de contratos de alienação fiduciária, amplamente difundido no ramo de financiamento de veículos, o gravame (a restrição financeira que aparece no documento do comprador do carro e impede a venda do bem antes do fim das prestações), hoje em nome do banco que originou o crédito, também seria alterado em favor da instituição que adquiriu aquele contrato.
A C3 ataca os principais furos encontrados na contabilidade do PanAmericano, que já soma um rombo de R$ 4 bilhões. O banco não baixava das carteiras cedidas os créditos liquidados antecipadamente ou os contratos refinanciados e acabava fazendo novas cessões a uma instituição diferente daquela que tinha primeiro comprado aquele mesmo ativo.
Se não houvesse um desfecho favorável para a venda do PanAmericano, do empresário e apresentador Silvio Santos e, no limite, a instituição entrasse em liquidação extrajudicial, tal duplicidade é que poderia acarretar prejuízos aos grandes bancos que compravam as carteiras do PanAmericano, diz o sócio da Demarest & Almeida Advogados, António Aires.
Ele explica que o plano contábil das instituições financeiras, o Cosif, prevê que, no caso de uma intervenção administrativa, o banco que adquiriu os créditos é dono daqueles ativos e pode efetuar a cobrança normalmente, independentemente de haver cláusula de co-obrigação. “A cessão de crédito é uma venda definitiva”, diz. Isso quer dizer que mesmo que o banco originador continue se relacionando com o cliente e cobrando as prestações, o direito daqueles créditos pertence ao comprador.