EDITORIAL: Para acabar com o leilÆo de clientes

Bancos compram e empresas vendem por milhões aquilo que não lhes pertence: as contas em que os trabalhadores recebem seus salários. Depois, sobram para esses “clientes” as altas taxas de juros e as cobranças excessivas, que garantem retorno ao “investimento”. E ainda fazem lobby para impedir medidas do governo que aumentariam a concorrência

 

Que os bancos ganham muito neste país é até desnecessário dizer. Afinal, basta ver seus lucros recordes, batidos a cada novo balanço. Mas uma prática, que não é tão nova assim, demonstra de onde vem grande parte desses lucros. Os bancos estão pagando milhões de reais para ficar com as contas de trabalhadores de grandes empresas. Essa prática que antes se restringia a fazer leilões para ficar com contas de funcionários públicos (questionável segundo o próprio artigo 164 da Constituição), passou para as grandes corporações por um motivo simples: além do que já cobram de taxas de juros (as maiores do mundo) e tarifas de serviços, esse volume de recursos entra como depósito à vista, fazendo com que o investimento valha a pena.

 

Outro grave problema é que diante das facilidades para a tomada de créditos junto aos bancos, muitas vezes os trabalhadores têm suas contas zeradas tão logo tenham creditado seus salários.

 

Em exemplos dados em matéria publicada nesta segunda, dia 4 de setembro, na Folha de S.Paulo, o ABN-Real chegou a pagar R$ 50 milhões para ficar com as contas dos empregados da Votorantim; o Santander Banespa pagou R$ 35 milhões pela folha da Arcelor-BR. Um dos precursores da prática foi o Itaú, que pagou R$ 510 milhões pelas contas dos servidores da prefeitura de São Paulo, à época do ex-prefeito José Serra.

 

Outro exemplo de absorção de folha de pagamento de prefeitura ocorreu com o Bradesco, que este ano passou a administrar as contas da prefeitura de Osasco.

Pelo que se levantou, as propostas vão de R$ 4 milhões a R$ 50 milhões, dependendo do porte da empresa, número de empregados e valor dos salários.

 

Tudo muito bom se todos ganhassem. Mas não é o caso. As empresas vendem aquilo que não lhes pertence, a conta dos trabalhadores, e os bancos pagam porque sabem que vão tirar muito dinheiro desses novos correntistas, a ponto de “compensar” o investimento. São tarifas e mais tarifas de serviços como, por exemplo, um DOC por mês se o correntista quiser transferir seus recursos, possibilidade de vender produtos como títulos de capitalização, seguros, previdência, cobrança por cheque de baixo valor etc. E, a galinha dos ovos de ouro, cheques especiais com taxas de 10% ou mais ao mês e cartões de crédito com anuidades altíssimas e juros estratosféricos para quem cai no rotativo.

 

Dados recentes dos balanços dos maiores bancos apontam que cerca de 25% do lucro líquido tem origem na cobrança de tarifas e/ou prestação de serviços, chegando esta arrecadação a cobrir até 2 (duas) folhas de pagamento, relação que no passado não era maior que 30% das despesas de pessoal.

 

O trabalhador, que no Brasil já sofre com uma renda insuficiente, ainda tem descontados esses valores, sem opção de escolha. Os bancos e empresários, que tanto defendem o livre mercado, neste caso, como em outros, fazem do monopólio e da falta de concorrência um grande negócio. E passam por cima de medidas que já existem, como dificultar a abertura de contas-salário, que não teriam nenhum tipo de cobrança (resolução 2718 do Bacen), e também lobby para que o governo não adote medidas que estimulem a concorrência no setor, como a que permitiria ao cliente transferir seus recursos para o banco que quiser sem nenhum custo.

 

Como a própria matéria da Folha mostra, os leilões de folhas de pagamento se acirraram nos últimos dias.

 

Os banqueiros querem garantir que qualquer restrição a esses negócios entre eles e as empresas só valham a partir da entrada em vigor, para que os empregados de contas negociadas não tenham liberdade para optarem pelo banco de sua preferência.

 

Querem, de qualquer jeito, manter seus privilégios à custa da sociedade brasileira e seus lucros recordes a qualquer custo. Isso é inadmissível. O setor demonstra todo dia seu caráter anti-social ao mandar a população de baixa renda para lotéricas, supermercados, lugares inseguros, ou agências com filas estratosféricas. Demite trabalhadores e piora o atendimento, não investe para impedir assaltos e mortes de trabalhadores e clientes, faz com que bancários trabalhem até adoecer, sofram com assédio moral etc.

 

Isso tem que acabar para que a sociedade brasileira tenha a chance de ser mais justa. E, para isso, é fundamental a ampliação do Conselho Monetário Nacional, para que mais atores sociais possam participar das decisões econômicas que influenciam a vida de todos, como nesse caso, onde a Fenaban participou dos debates no CMN e os trabalhadores não. A regulamentação do Sistema Financeiro Nacional é outra medida urgente a ser tomada para que, de fato, os bancos cumpram o papel que justifique a concessão pública que lhes é dada pelo Estado.

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