Nova regulação do mercado financeiro patina nos EUA e no Reino Unido

A crise global incentivou Estados Unidos e Reino Unido a reformarem seus sistemas de regulação dos mercados financeiros. Comissões de especialistas, entre economistas e advogados, foram criadas com o objetivo de elaborar novas estruturas regulatórias para Wall Street e a City Londrina. Entretanto, quatro anos após a quebra do Lehman Brothers, marco da turbulência mundial, pouco mudou na prática.

O tema foi discutido no Congresso Internacional de Direito Bancário, que começou domingo (3) e terminou na terça-feira (5), em São Paulo. Com palestrantes de diversos países, o evento é organizado pelo Instituto Nacional de Recuperação Empresarial (Inre).

O novo marco regulatório dos EUA, chamado de Dodd-Frank Wall Street and Reform Act, está em vigor desde julho de 2010. Seu objetivo é dificultar que instituições consideradas sistêmicas para o mercado norte-americano executem operações de alto risco. Mas a falta de regulamentação ainda impede que a lei efetivamente funcione, explica o advogado norte-americano Donald Baker, do escritório White & Case.

Não é à toa que o JP Morgan Chase, maior bancos dos EUA, anunciou no mês passado uma perda de US$ 2 bilhões, após uma aposta errada em derivativos. Embora não afirme que casos como esse seriam evitados se o novo marco regulatório estivesse plenamente em vigor, “pois as razões do prejuízo ainda não estão claras”, Baker acredita que eles seriam mais raros.

Um dos pilares do novo marco norte-americano é chamado de Regra Volcker. Ela entrará parcialmente em vigor em julho, após um ano e meio de consultas públicas. Segundo o advogado norte-americano, a regra limitará as operações que os bancos poderão fazer com derivativos, inclusive do setor imobiliário, uma das causas da atual crise.

Além disso, as instituições financeiras ficarão impedidas de atuarem diretamente com hedge and private equity, também devido aos riscos dessas atividades. Haverá exceções, que ainda serão detalhadas nas normas regulamentadoras. Bancos estrangeiros que atuam nos EUA também terão de se adaptar.

Para Baker, é provável que, quando tudo estiver em vigor, essa nova era da transparência seja um período menos turbulento para os mercados. Isso dependerá, é claro, da efetivação completa da nova regulação.

Entre as medidas previstas, ela exigirá mais transparência nos negócios com derivativos, permitirá ao governo controlar a remuneração dos executivos em meio à eventual crise de uma instituição, e ainda levará para a lupa do FED, o banco central dos EUA, companhias que antes não tinham de prestar contas, como as seguradoras.

O problema, mais uma vez, são os prazos. As empresas terão dois anos para se adaptarem às novas leis e o governo poderá, mediante avaliação, adiar por mais três anos sua aplicação. Isso significa que, na pior das hipóteses, apenas em julho de 2017 o mercado financeiro norte-americano operará plenamente segundo a regulamentação.

E na City Londrina?

Se Wall Street terá de se adaptar às novas regras, ainda que parcialmente, a partir de julho, a City Londrina, centro do mercado financeiro do Reino Unido, poderá esperar até 2015. Esse é o prazo previsto pelo governo britânico para aprovar o novo marco regulatório, cujo escopo já está pronto.

A proposta de reformulação regulatória ficou a cargo de uma comissão independente que produziu um documento chamado Relatório Vickers, divulgado em 2011. Segundo o professor de direito Michael Schillig, do King´s College London, a idéia é substituir ao atual modelo de regulação tripartite, dividido entre tesouro, banco central e uma entidade de fiscalização bancária (a FSA), lançado em 1997 quando os trabalhistas ainda estavam no poder, por um sistema hegemonizado pelo banco central.

“Acredito que haverá uma grande melhora na regulação”, diz Schillig, admitindo, porém, que haveria um caminho mais simples, a partir do aperfeiçoamento do atual modelo. A mudança completa é defendida pelo governo liberal do primeiro-ministro James Cameron como forma de deixar sua marca e, ao mesmo tempo, “colar” nos trabalhista a responsabilidade pela crise.

Um dos pilares da nova arquitetura regulatória britânica é a separação institucional das atividades de varejo dos bancos em relação a seus braços de investimentos. Com isso, deseja-se que operações de risco, como as com derivativos, não afetem a saúde das atividades diretamente envolvidas com os depósitos dos consumidores.

“O sistema financeiro representa uma parcela do PIB no Reino Unido maior do que em outros países. Nesta crise, o governo teve de socorrê-lo e o custo para o pagador de impostos foi muito grande”, afirma o professor do King´s College London. Dois dos maiores bancos britânicos, o Lloyds Banking Group e o Royal Bank of Scotland (RBS) tiveram de receber recursos públicos para não irem à bancarrota.

Essas e outras grandes instituições do Reino Unido, como o HSBC e o Barclays, por seu porte, terão uma supervisão especial no novo marco regulatório, devido ao risco sistêmico que poderia ser gerado se uma delas enfrentar dificuldades. Assim como no caso norte-americano, os negócios com derivativos também terão de ser mais transparêntes. Mais isso terá de esperar mais alguns anos.

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