Bancos descumprem jornada e mulheres são as que mais sofrem, diz Vagner

(São Paulo) A Campanha Nacional Unificada pela Redução da Jornada de Trabalho sem Redução de Salários, encabeçada pela CUT e demais centrais sindicais ganhou as ruas no dia 11 de fevereiro, com atos para coleta de assinaturas em várias cidades do país.

Este tema é cotidiano nas discussões dos trabalhadores do ramo financeiro há muito tempo – sendo uma questão permanentemente trabalhada dentro da Contraf/CUT Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro.

Leia abaixo a entrevista concedida por Vagner Freitas, presidente da Contraf, ao Portal do Mundo do Trabalho, da CUT:

Como o tema redução da jornada tem sido trabalhado pela Contraf?
Trabalhamos esta questão sob a perspectiva da qualidade de vida, do emprego decente, de forma que o trabalhador e a trabalhadora não tenham o trabalho e a vinculação direta com a empresa como o centro de sua vida. Dentro do sistema financeiro este é um debate bastante antigo. A categoria já tem uma convenção coletiva que determina uma jornada de 30 horas semanais. Esta convenção existe há muito tempo e é decorrente das dificuldades enfrentadas na realização do trabalho bancário. Nas últimas campanhas salariais temos reivindicado a diminuição da jornada para 25 horas, por conta do ritmo intenso exigido no meio, que tem apresentado um alto nível de adoecimento na categoria, muito em decorrência da enorme pressão que hoje o bancário e a bancária estão expostos. Portanto, estamos diretamente nesta campanha, que é geral dos trabalhadores e é perfeitamente adequada às nossas estratégias, visto que há muito tempo temos discutido esta questão que têm ocasionado inúmeros problemas às pessoas, fundamentalmente às famílias no que diz respeito às condições de vida.

Você citou a saúde do trabalhador e sabemos que a categoria está entre as mais atingidas com doenças do trabalho. Dentro deste alto índice, como estão inseridas as questões de mulher e gênero neste debate?
O índice de doenças do trabalho é realmente muito alto. Trata-se de um assunto bastante debatido pela confederação. Mais da metade de nossa categoria é composta por mulheres e a feminização é um fenômeno cada vez mais presente na categoria – o que é muito bom de maneira geral. Por outro lado, infelizmente, a exploração do trabalho, feminino em especial, é uma conseqüência disso.

Você pode nos dar um exemplo?
O exemplo está na própria sociedade – ainda machista e preconceituosa onde a maioria das mulheres, lamentavelmente, além de fazer seu trabalho cotidiano acaba sendo levada a uma jornada dupla de trabalho e, consequentemente, às ações maléficas causadas por este esforço. Isso acontece em todas as categorias, porém, nas categorias que têm um número grande de mulheres é ainda mais problemático. Os empregadores tratam a questão sempre de maneira preconceituosa e discriminatória com argumentos de que a mulher é mais propensa a esse processo de adoecimento – o que não é verdade -, o que acontece é uma sobrecarga de trabalho, até mesmo porque hoje nos bancos a maior parte da mão-de-obra é composta por mulheres. Temos nos preocupado muito com essa questão que para nós é fundamental dentro do debate de jornada de trabalho. Entendemos que a discussão de gênero que temos feito dentro dos bancos vem combinada com outro tipo de comportamento da sociedade como um todo, no sentido de rever valores e estimular novas formas de comportamento, como a paternidade responsável, a divisão de tarefas e funções, para que haja possibilidade de uma redução de jornada de trabalho, de forma que as companheiras, no nosso caso, as bancárias possam utilizar seu tempo fora do trabalho – ou seja – para sua educação, para o lazer, para sua convivência, pra elas próprias. A redução deve servir para todos os trabalhadores e trabalhadoras. Pra isso, a discussão de jornada de trabalho tem que ir junto com a discussão do papel dos homens e das mulheres na sociedade. É um debate que temos aprofundado na base dos bancários e bancárias.

As 30 horas semanais é uma conquista da categoria. Esta negociação consta em Convenção Coletiva?
Consta e hoje há um enorme desrespeito a esta convenção por parte dos banqueiros. Nós temos dados de que 80% dos bancários não fazem jornada de 6 horas diárias, mesmo sendo uma exigência da lei. Atualmente, há um grande número de processos trabalhistas dos quais em geral os bancários ganham a ação. Com isso, os banqueiros começam a se preocupar, porque o passivo trabalhista dos bancos aumentou muito por conta disso. Trata-se da sétima e oitava hora pré-contratada – que os bancos utilizam a argumentação de que são trabalhadores comissionados. Do ponto de vista jurídico é um fato questionável, por isso, em geral os bancários e as bancárias vencem as causas. Temos discutido em nossa campanha permanente que isso é muito paliativo – que nós não queremos que o trabalhador e a trabalhadora tenha a garantia do direito depois de ter deixado a empresa. Nossa luta é para que a jornada de trabalho de 30 horas seja cumprida, até para que o trabalhador e a trabalhadores tenham melhores condições de vida e de trabalho. Mais do que isso, pelo intenso ritmo que se tem hoje nos bancos, queremos que a jornada diminua para 25 horas semanais. Esta questão está presente desde as ultimas campanhas salariais

Como a Contraf irá se engajar nesta campanha com as centrais?
Essas discussões são feitas no dia a dia de luta dos bancários. Nós nos caracterizamos bastante com a questão da qualidade de vida. Nosso debate passa por questões como: que mundo nós queremos conquistar? Que sociedade defendemos? É essa exploração pela exploração que nós todos temos que viver para sustentar um sistema injusto e concentrador de renda, que na realidade serve para uma quantidade muito pequena de pessoas que constitui uma classe que domina e oprime? Esse debate pra nós não está superado; ele continua sendo muito presente, ainda mais para nós que somos trabalhadores do setor mais importante, mais poderoso da economia que é o setor financeiro. Para nós, a redução da jornada está inserida no debate sobre qualidde de vida – com trabalho justo, emprego descente, prazeroso, com valorização do trabalhador e da trabalhadora mas também do indivíduo, do ser humano, enquanto mãe, pai, filho, enquanto participante da sociedade que quer ter a possibilidade de ter e usufruir de uma boa vida – e não uma vida onde se vive para o trabalho, encarcerado dentro de um espaço – de um banco. Algumas pessoas tem uma idéia de que trabalhar num banco é muito bom, afinal, ar condicionado, pessoas vestindo roupa social etc., porém, trabalhar em banco hoje no Brasil é um tormento. Prova disso está na grande quantidade de pessoas que adoecem em decorrência do trabalho. Doenças psicológicas, psíquicas, como dependência química de drogas, álcool, depressão, síndrome do pânico são comuns por conta da sanha cada vez mais devoradora do sistema financeiro de acumular e ganhar mais dinheiro. Os trabalhadores que convivem diretamente sob este clima, são os principais atingidos. Por isso, esta campanha da CUT e em conjunto com outras centrais é uma campanha extremamente importante para nós.
Entendemos que esse não é um debate isolado de categoria – esse é um debate da classe trabalhadora. Hoje, 90% dos bancários são cutistas. Temos 110 sindicatos de bancários em todo o país filiados à CUT. Vamos nos engajar a esta campanha enquanto um ramo importante, bastante organizado, dos mais tradicionais do país com a CUT e as demais centrais juntos pela redução da jornada de trabalho, por um trabalho justo e decente.

Fonte: Paula Brandão – CUT

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