Por Renato Mezan*
Poucos parecem ter reparado numa notícia publicada logo antes do Natal: numa agência carioca do banco Itaú, o vigia matou com um tiro um cidadão que tentava passar pela porta giratória.
Intimado a colocar na gaveta chaves e moedas, o senhor obedeceu, mas o detector de metais continuava a não permitir sua entrada. O guarda ordenou que tirasse o cinto, o que ele se recusou a fazer e foi alvejado como se se tratasse de um perigoso assaltante.
Tragédia dupla: para a vítima que perdeu a vida e para o vigia, cujo gesto absurdo poderia ter sido evitado com um pouco de bom senso.
Dirão alguns que se trata de um pobre coitado, que apenas "se excedeu" no cumprimento da sua obrigação. Não posso concordar: de um adulto, ainda mais portando uma arma, tem-se o direito de esperar alguma capacidade de avaliar uma situação e, diante dela, se comportar com sensatez.
O banco provavelmente relutará até o último instante em assumir a responsabilidade pelo ocorrido em suas dependências, alegando todo tipo de "razões": que o serviço de vigilância é terceirizado, que precisa proteger seus clientes… E a morte de uma pessoa cujo único delito foi resistir a um regulamento cretino terá passado em brancas nuvens.
É preciso refletir sobre o que significa essa tragédia. Ela é o ponto culminante, embora previsível, da truculência com que muitas instituições financeiras tratam quem as procura, inclusive e principalmente seus clientes. A escalada da prepotência, da arrogância e do desrespeito vem se acelerando e um dia teria de chegar, como chegou, ao assassinato.
Imagem negativa
A imagem do setor bancário é a tal ponto negativa que o Unibanco prefere apresentar-se como uma entidade que "nem parece banco". O imaginário que sustenta a publicidade é um dos meios mais interessantes para auscultar o mundo em que vivemos.
Aqui estamos diante de um caso muito instrutivo, pois o anúncio não visa a associar a empresa a algo útil ou desejável, como os daquelas que não se envergonham do que oferecem. Lembre-se o leitor de slogans como "Se é Bayer, é bom", "Se a marca é Cica, bons produtos indica": ocorreria a esses fabricantes sugerir que seus produtos "nem parecem" aspirina ou massa de tomate?
Mesmo hoje, para permanecer no exemplo da propaganda, a Toshiba faz exatamente o contrário do Unibanco: em vários de seus anúncios o vendedor tenta se passar por japonês, buscando capitalizar as conotações de seriedade e competência associadas àquele povo.
E o ponto forte da campanha é a garantia de 50 meses, algo que somente uma firma convicta da qualidade do que faz pode oferecer.
Voltemos aos bancos. A estupidez de um aparelho incapaz de distinguir uma metralhadora de uma obturação ou uma fivela de um punhal é apenas a ponta de um iceberg de arrogância e descaso, mas o resto dele é igualmente ofensivo. Um exemplo entre inúmeros: a mesquinharia patente nos talões de cheques.
Alguns leitores se lembrarão daquelas folhas que vinham ao final deles, e que serviam para anotações diversas. "Esquecidos" de que pelas nossas contas não passam apenas depósitos e retiradas, mas CPMF [Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira], IOF [Imposto sobre Operação Financeira], débitos automáticos, DOC [Documento de Crédito] e assim por diante, os bancos reduziram ao mínimo as linhas dos canhotos e retiraram as tais folhas as quais não parecem causar prejuízo à contabilidade dos seus congêneres americanos e europeus, que continuam a fornecê-las aos seus clientes.
Outro escárnio são os call-centers, dos quais o do Itaú é, em minha experiência, ao menos, o mais irritante, tanto pela demora quanto pela constante alteração dos passos necessários para obter tal ou qual informação. Ultimamente, o consulente é obrigado a ouvir o convite para adquirir um cartão de crédito, que "tem um Itaú de vantagens".
Desrespeito cotidiano
Outro detalhe revelador: jogando com a expressão "um caminhão de vantagens", o que o bordão transmite é a desproporção entre o veículo enorme e a pequenez do indivíduo postado à sua frente. Cochilo do publicitário, com certeza, mas que deixa transparecer algo efetivamente associável ao banco em questão -peso mastodôntico, falta de flexibilidade, dificuldade de manobra.
O público deveria manifestar com mais veemência indignação com o desrespeito do qual -das sutilezas aqui evocadas ao assassinato de um inocente- é cotidianamente alvo por parte de certas instituições.
É inadmissível que em nome da segurança (dos banqueiros) se permita que vigias despreparados, mas armados, humilhem e ameacem quem precisa dos serviços de uma agência.
É inadmissível que o consulente seja empurrado de tecla em tecla como uma alma penada, que precise de chaveiros com senhas para utilizar um caixa automático (Unibanco), ou necessite carregar consigo um "cartão de segurança" sem o qual não pode efetuar uma simples transferência de conta para conta, se esta superar um valor irrisório (Itaú).
É inadmissível que os caixas estejam situados nos pisos superiores, obrigando as pessoas a subir escadas para chegar aos guichês (como em inúmeras agências do Banco do Brasil, nisso copiado por diversos de seus congêneres).
Em resumo: não há como não concordar com o personagem de Brecht [na "Ópera dos Três Vinténs"], questionado sobre se considera um crime assaltar um banco: "Pode ser, sim… mas com toda a certeza é um crime abrir um banco".
* Renato Mezan é psicanalista e professor titular da Pontifícia Universidade Católica de SP. Escreve na seção "Autores", do Mais! da Folha de S. Paulo, onde este artigo foi publicado originalmente.