Por Gilberto Maringoni*
O Datafolha divulgou neste domingo (17) uma extensa pesquisa, apontando Lula como o presidente mais bem avaliado da história do Brasil. A afirmação é um tanto temerária, pois as comparações com outros mandatários é feita a partir de dados colhidos em 2002 e em 2006. As apreciações sobre os governos Vargas (1950-53), Kubitschek (1956-60), Jânio (1961), Figueiredo (1979-85), Sarney (1985-1990), Collor (1990-92) e Itamar (1992-94), constantes nas tabulações, são muito mais subjetivas do que as de Fernando Henrique e de Lula. A comparação mais precisa, realizada com igual metodologia, se dá entre os dois últimos. É significativa a constatação do instituto que “Ao final do primeiro mandato, Lula é aprovado por 52% dos brasileiros. FHC era aprovado por 35% ao final do primeiro mandato”.
Nos casos anteriores, a memória histórica parece ser o único fator de comparação possível. E mesmo esta memória não é direta. A avaliação muitas vezes vem de relatos de antepassados, de leituras ou de outro tipo de informação secundária. Mas é interessante a seguinte afirmação:
“As menções a Lula como o melhor presidente chegam a 57% no Nordeste e a 40% nas regiões Norte e Centro-Oeste. No Sul, Lula é citado por 25% (dez pontos abaixo da média), Fernando Henrique Cardoso por 14%, Juscelino Kubitscheck por 10% e Getúlio Vargas por 12% (quatro pontos acima da média). No Sudeste, quem fica ligeiramente acima da média é Juscelino Kubitscheck, mencionado como o melhor presidente do país por 15%. Lula é citado por 23% (12 pontos abaixo da média), Fernando Henrique Cardoso por 13% e Getúlio Vargas por 9%.”
A evolução de Lula
Se olharmos para a evolução da aceitação popular do governo Lula, veremos que mesmo no auge da crise política de 2005, sua aprovação – a soma dos indicadores de ótimo e bom com regular – nunca esteve abaixo de 50%. No final de 2004 (17 de dezembro), ele tinha 45% de ótimo e bom e 40% de regular. Ao longo do ano seguinte – e do pesado bombardeio de denúncias por parte da mídia e da oposição – o índice chegou respectivamente a 35% e 40% em 21 de julho. Seu ponto mais baixo aconteceu em 28 de dezembro: 28% de ótimo e bom. Na mesma pesquisa, o governo tinha 42% de regular e atingia o pico de ruim e péssimo: 29%. A partir daí, ao longo do ano de 2006, sua recuperação foi constante e segura até o último indicador. A partir de 22 de agosto, quando atingiu 52% de ótimo e bom, o governo oscilou neste indicador entre 46% e 53%. A avaliação do Ibope, divulgada na segunda-feira (18), confirma o Datafolha. O ótimo e bom subiu de 49% em setembro para 57% neste mês.
Tudo indica – e as eleições confirmam isso – que Lula tem o apoio de mais da metade da população brasileira. Isso, apesar do constante fogo de barragem que o atinge pelo menos desde junho de 2005, quando a imprensa repercutiu as denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson.
Mais do que examinar, no olho mecânico, as variações percentuais, vale tentar entender o que está por trás delas.
As duas pesquisas desta semana representam um balde de água fria nas pretensões demolidoras dos grandes monopólios da mídia e dos setores mais duros da direita. Eles se depararam com um apoio popular sólido, tanto em termos objetivos, quanto em aspectos subjetivos. Em português um pouco mais claro, Lula obtém tamanha aprovação por conta de ações governamentais vistas como benéficas para um grande contingente da população e por sua própria história e personalidade, profundamente identificadas com os pobres. Em torno destas características forma-se o que alguns analistas chamam genericamente de “lulismo”.
Lulismo e bolsa-família
Não está claro ainda o que seria exatamente o “lulismo”, tarefa de estudo para cientistas políticos e sociais. O certo é que se criou, em torno da personalidade do presidente, um culto que prescinde do PT para se afirmar. Percebendo isso, em vários episódios, o ele buscou afastar-se da estrutura partidária, conseguindo evitar pontos de desgaste à sua imagem.
Combinando uma história profundamente identificável aos pobres, uma permanente imagem vitimizada pelos ataques que sofre e a concessão de políticas assistenciais focadas, Lula desenvolveu sua altíssima popularidade e uma espécie de blindagem anti-denúncias. Essas políticas, condensadas no Bolsa-família, representam um gasto de apenas 0,75% do PIB e atingem, segundo dados oficiais, 11 milhões de famílias e 40 milhões de pessoas.
Ao mesmo tempo, na seara econômica, o governo Lula repetiu os medíocres índices de crescimento de seu antecessor – da ordem de 2,3% ao ano, ora um pouco acima, ora um pouco abaixo. Um ajuste fiscal duríssimo destinou cerca de R$ 160 bilhões ao ano para os serviços da dívida pública, mantendo um corte de 40% no orçamento anual do Estado.
Paradoxalmente, a desigualdade social no Brasil é tamanha que, num quadro de extrema miserabilidade, as políticas de renda e de cunho assistencial conseguem ter um efeito dinamizador não apenas no consumo das milhões de famílias por ele beneficiadas, mas de ativador de economias locais que se encontravam em processo de semi-estagnação.
Segundo matéria publicada no jornal Valor Econômico (28 de julho de 2006), “As transferências de recursos pelos programas sociais a famílias pobres estão assumindo um peso crescente na composição da renda disponível para o consumo de alguns estados e substituindo, inclusive, a renda proveniente do trabalho”. A matéria cita como exemplo o estado do Ceará, onde as vendas do comércio varejista aumentaram 10,7% entre janeiro e abril deste ano. E, ainda segundo o jornal, desde o início do programa, em outubro de 2003, as vendas na região Nordeste acumulam um crescimento de 54,2% até abril de 2006.
Se é verdade que os programas têm limites claros na distribuição da renda – os ganhos do setor financeiro aumentaram no período e a parcela referente aos salários na renda nacional seguiu em queda -, a qualidade de vida dessas pessoas melhorou. Ou seja, o conjunto da renda nacional não se distribuiu, como alardeia o governo. Mas a renda apurada pelo PNAD, uma fatia da renda interna, teve uma melhoria em sua distribuição entre 2004 e 2005 [1].
Desenvolvimento e assistencialismo
O economista Guilherme Delgado, do IPEA, lança luz sobre essa intrincada questão numa entrevista recente:
“Uma coisa é a renda apurada pela PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), que é uma fatia pequena da renda interna. Outra coisa é o conjunto da renda social,, no qual temos mais concentração, pelo menos até 2003, que é quando temos o sistema estruturado. A partir de então, mesmo sem dados, pelo ‘desconfiômetro’, temos a continuação do mesmo padrão. Não houve mudança, por exemplo, na política de pagamento de juros da dívida pública, nem na distribuição funcional para que possa se falar numa reversão em 2004/2005. Então, para deixar claro, a verdade é que melhorou a renda da PNAD. E a meia verdade (talvez até mentira), é que melhorou a distribuição de renda. Não melhorou. A distribuição no conjunto da renda piorou no período e as contas nacionais mostram isso”.
(A íntegra da entrevista está em http://amaivos.uol.com.br/templates/amaivos/noticia/noticia.asp?cod_noticia=7377&cod_canal=42)
Não é prudente criticar os programas sociais por seu aspecto assistencialista. As pessoas que deles necessitam estão em situação de extrema pobreza e não há alternativa imediata a não ser dar comida e gêneros de primeiras necessidades a elas. Uma avaliação mais abrangente deve voltar-se para seu descasamento com um projeto mais geral de desenvolvimento econômico que possibilite uma real distribuição de renda.
O caso mais evidente de um programa desenvolvimentista sob o capitalismo, que envolveu programas sociais, foi o “New Deal”, nos Estados Unidos, deflagrado a partir de 1933, durante a primeira gestão de Franklin Roosevelt. Enfrentando uma situação de crise estrutural – 25% da população economicamente ativa estava desempregada – Roosevelt deu início a um ousado programa de obras e investimentos públicos, acompanhados de agressivas políticas sociais, especialmente para combater a fome. A recessão iniciada em 1929 teve um novo repique em 1937 e só foi plenamente superada no início da década seguinte, através dos pesados investimentos feitos na indústria bélica, com vistas à II Guerra Mundial.
O projeto de Lula não chega, até agora, a produzir um programa de desenvolvimento. Mantém os investimentos estrangulados pelor constantes cortes orçamentários destinados a gerar recursos para o pagamento da dívida pública.
Projeto sofisticado
Lula desenvolve, no governo, um projeto nacional muito mais sofisticado que o de FHC. Através dos programas sociais e dos juros estratosféricos, o governo calcifica seus apoios nos dois extremos da sociedade, o dos muito ricos e o dos muito pobres. Para isso, não precisa mover um milímetro do projeto econômico herdado de seu antecessor. Ao mesmo tempo, à diferença dele, colhe uma popularidade imensa.
Essa constatação é uma solução e um problema. A solução, para seus apoiadores, é que cria-se uma nova coalizão de poder no Brasil, que inclui alguns setores do mundo sindical e popular, através de concessões pontuais a setores organizados. O problema é que Lula adquire uma formidável legitimidade e ampla base social para aprofundar o modelo neoliberal. É ainda uma incógnita se essa diretriz mudará no segundo mandato. O presidente é reconhecido, identifica-se e dialoga com milhões e milhões de brasileiros.
Esses detalhes foram e são ignorados pela grande imprensa, em seus ataques quase histéricos ao presidente. Por isso, a não ser que ocorra um cataclismo na economia – o que depende muito mais do cenário externo do que de fatores internos – a popularidade do governo seguirá alta por um bom tempo.
* Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista da Carta Maior, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).