PressÆo ser  t tica para disputar rumos do governo, dizem movimentos

(São Paulo) O endurecimento das ofensivas dos setores conservadores contra Lula no segundo turno das disputas eleitorais acendeu a luz vermelha para o governo e provou que a aposta em uma política de conciliação com as elites pode ser uma perigosa armadilha. Mais do que nunca, ficou evidente que no Brasil a luta de classes não é coisa do passado, e esse entendimento por parte do presidente reeleito é vital para que a direita não tome as rédeas do país.

Esta foi uma das principais conclusões da 5a Plenária Nacional da CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais), que aconteceu sábado (11), em São Paulo, e reuniu representantes de cerca de 25 organizações sociais de 14 Estados. Vencido o primeiro round com a derrota do PSDB e passada a pausa para a comemoração da reeleição de Lula, os movimentos começam agora a planejar as estratégias para o segundo round – a batalha pelos rumos do segundo mandato.

Lições das urnas
Sem ignorar que, no segundo turno, houve uma “esquerdização” do discurso de Lula – o que, de certa forma, comprometeu o presidente com bandeiras históricas da esquerda e dos movimentos sociais -, seria preciso levar em conta que a maior parte dos votos que obteve da população mais pobre foi mais uma resposta à melhoria das condições de vida do que uma opção ideológica. Seguindo este raciocínio, o secretário de relações internacionais da CUT, João Felício, apresentou dois pontos importantes para consideração dos movimentos: é preciso conscientizar e organizar a população através da radicalização da ação política para evidenciar a luta de classes (“em São Paulo, grande parte deste eleitorado votava em Maluf”, aponta), e é preciso também redobrar as pressões dos movimentos sobre o governo.

“No segundo turno, ficou claro que a luta de classes não acabou. A elite não gosta de Lula, não gosta do MST, não gosta de nós. Esta é a maior lição que tiramos desta eleição, e deve servir também de lição para alguns companheiros do PT. E se Lula não entender isso, a direita pode voltar no futuro próximo. Lula pode querer governar para todos, mas tem que entender esta divisão”, avaliou Felício. Segundo o dirigente da CUT, no primeiro mandato houve, por parte de alguns setores da esquerda, a avaliação de que não se podia ‘bater’ tanto em Lula para não fazer o ‘jogo da direita’. “Neste segundo mandato, temos que nos despreocupar com isso”, sentencia.

Na mesma direção, Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP), avalia que as disputas que se deram nestas eleições foram de projetos da burguesia e da “semiburguesia”, uma vez que as demandas da classe trabalhadora não foram debatidas. “Estes setores têm que ser incluídos na disputa política agora. É o povo ‘sem’ (sem teto, sem terra, sem trabalho, sem universidade), porque se não tivermos alternativas para eles, serão eles que irão realavancar a burguesia”. Fundamentalmente, pondera Gegê, na mesma medida em que se deu a luta pelo governo ha quatro anos, o que está em jogo para os movimentos agora é a briga pelo poder.

Rumos do segundo mandato
Na avaliação do MST, a pretensa disputa entre desenvolvimentistas e monetaristas, que se desencadeou logo após a vitória de Lula, pouco tem de dicotômico e nada de favorável às demandas sociais. João Paulo Rodrigues, membro da direção nacional do movimento, avalia que o próximo período exigirá um investimento pesado em conquistas econômicas para as bases, o que só será possível com a superação da fase dos questionamentos e a apresentação de alternativas concretas.

Que tipo de diálogo com o governo e que tipo de participação no debate sobre a sua composição devem ser adotados pelos movimentos acabou sendo uma discussão mais intensa, uma vez que, considerando-se um elemento essencial para a vitória de Lula no segundo turno, o setor sente-se legitimado para “apresentar a fatura” a Lula.

Segundo o MST – que descarta a participação nas discussões sobre ministérios e cargos no governo –, é muito provável que haja, em curto prazo, uma convocação do próprio presidente para o diálogo. “Se Lula for esperto, ele vai nos chamar para uma conversa. Então apresentaremos nossa pauta de demandas”, afirmou João Pedro Stédile, também coordenador do movimento.

Para médio e longo prazo, deve-se investir em mudanças nos espaços de participação popular no governo, como os conselhos e as conferências setoriais (considerados ineficientes em função de seu caráter meramente consultivo), de forma que garantam a aplicação das políticas propostas através da outorga de poder normativo, avaliaram os movimentos. Também deverá haver pressão para que o governo adote como política mecanismos como consultas e plebiscitos.

Governo e organizações sociais devem se chocar com mais violência, no entanto, continua a opção de Lula – reafirmada insistentemente antes e depois de sua reeleição – por uma política econômica conservadora e pela manutenção de quadros execrados pelas esquerdas, como o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Este é um dos pontos que deverá estar presente em todos os atos, protestos e mobilizações dos movimentos sociais neste e nos próximos anos.

O segundo ponto definido como prioridade pela CMS nesta plenária foi a luta pela democratização dos meios de comunicação, considerados instrumentos essenciais para a veiculação das propostas dos movimentos e a quebra do monopólio do “pensamento único” neoliberal.

Considerada a grande perdedora destas eleições em função da reeleição de Lula, apesar das campanhas explícitas contra a sua candidatura por grande parte dos veículos, a mídia deverá ser o novo alvo dos movimentos, bem como a pressão ao governo por mudanças nos procedimentos de concessão de canais de rádio e TV, na legislação que criminaliza e/ou restringe as rádios e TVs livres e comunitárias, na distribuição de verbas publicitárias aos veículos, por políticas de incentivo aos meios independentes e por um novo sistema público de comunicação.

Pauta e agenda
Com algumas ampliações, a pauta da CMS continuou a definida durante a sua última plenária em Recife, ocorrida durante o Fórum Social Brasileiro em abril deste ano, e apresentada no documento chamado de “Projeto para o Brasil”. Apresenta demandas específicas para setores como educação, saúde, reforma urbana, reforma agrária, para políticas como a do salário mínimo, política econômica, relações internacionais, direitos trabalhistas, direitos das minorias, desenvolvimento, geração de emprego e renda, crescimento etc, e inclui novas bandeiras, como a campanha pela reestatização da Companhia Vale do Rio Doce e a derrubada da cláusula de barreira para os partidos menores.

Também ficou definido que a CMS participará dos debates dos demais fóruns sociais, principalmente a Assembléia Popular, buscando o aperfeiçoamento do “Projeto para o Brasil” através destes debates e de maior participação das bases sociais. Caso haja uma reunião com o governo, será entregue a Lula um resumo destas demandas.

Por fim, a plenária também desenhou uma extensa agenda de mobilizações para os próximos meses. No dia 4 de dezembro, ocorrerá em São Paulo (e, se possível, em outros Estados) um primeiro ato por mudanças na política econômica, que reunirá movimentos, ONGs, intelectuais e outros setores que fazem este debate. Nos dias 6 e 7, acontece em Brasília a Marcha pelo Salário Mínimo da CUT.

Fonte: Verena Glass – Carta Maior

Compartilhe:

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no whatsapp
WhatsApp
Compartilhar no telegram
Telegram