Dirigentes sindicais de bancos internacionais discutem terceirização no Rio

Encontro reúne trabalhadores de bancos internacionais no Rio de Janeiro

O primeiro painel da 11ª Reunião das Redes Sindicais de Bancos Internacionais, que acontece no Rio de Janeiro até a próxima quinta-feira (11), foi sobre um tema que aflige trabalhadores de toda a América Latina: terceirização. Na abertura, o presidente da Contraf-CUT, Roberto von der Osten, destacou que as tentativas de implementar a terceirização indiscriminada acontecem no mundo todo. “Este é um tema presente em todos os países da América Latina, com mudanças nas leis trabalhistas para permitir a terceirização. A classe trabalhadora está sob ataque de governos e grandes corporações”, avaliou Roberto.

Pela primeira vez todos as três apresentações, após a abertura, foram feitas por mulheres: a brasileira Ana Tércia Sanches, a argentina Nuria Emilia Baby e a colombiana Sofia Espinosa.

A brasileira, que é dirigente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e já vem estudando o tema há alguns anos, começou traçando um breve histórico da terceirização. “O sistema capitalista se reinventa, adota novas formas”, afirmou.

Segundo Ana, a terceirização faz parte da reestruturação produtiva, que tem se apoiado em três pilares: fusões e aquisições e privatização de bancos estatais; a instauração da telemática; e a organização do trabalho, com nova definição de como será distribuída a força de trabalho. Outro fator determinante é a financeirização da economia, com declínio do setor industrial e crescimento do setor de serviços. “Vivemos sob hegemonia do sistema financeiro. Hoje, muitas empresas, ao invés de investir na ampliação de sua estrutura, preferem aplicar dinheiro em operações especulativas”, criticou Ana Tércia.

Em seguida, Ana se deteve em uma desconstrução dos “mitos da terceirização”, as vantagens que os empresários tentam vender. A primeira apontada foi a inevitabilidade da terceirização, contestada pela apresentação de casos, somente em bancos, em que operações terceirizadas foram internalizadas: o call center receptivo do Santander, o processamento de cartões de crédito da Caixa e a análise de crédito de cinco empresas – Bradesco, Itaú, BV Financeira, Banco Panamericano e a Financeira HSBC.

“Não podemos tratar a terceirização como se fosse um fenômeno da natureza, sobre o qual não se tem controle. Não é inevitável, pode haver contrapontos,” disse. Na maioria dos casos, a terceirização é revertida para evitar o risco de depender dos terceiros, da perda de competências e por problemas relacionados à gestão dos contratos.

Falácias

O argumento de que a terceirização traz modernidade também foi refutado. “A noção de modernidade dos patrões é diferente da nossa”. Ana Tércia apresentou dados levantados pelo Dieese, que apontam que 70% dos trabalhadores que sofrem acidentes de trabalho, e 80% das vítimas fatais, são terceirizados.

Outro mito é que a terceirização gera empregos. “Os empregos são gerados pelo desenvolvimento da economia. A força de trabalho barata não gera emprego, mas mantém elevada a taxa de lucro do capital”, apontou a sindicalista.

Ana Tércia também disse que, nas terceirizadas, onde o grau de organização é mais baixo, predominam a elevação do ritmo de trabalho e o trabalho não pago – horas extras não remuneradas. Com menos pessoas trabalhando mais, não há criação de vagas. “Em todo o tempo em que venho trabalhando com este tema, não conheci ninguém que provasse matematicamente que terceirização gera empregos”.

A vantagem da especialização é outra falácia. O que acontece é que, com a terceirização de atividades, o conhecimento vai embora cada vez que o prestador de serviço é trocado.

Quanto à redução de custos, outra distorção. “Terceirizar reduz custos para a empresa, mas estes custos – dos acidentes, dos processos trabalhistas, entre outros – acabam sendo assumidos pelo Estado. Esta redução cai na conta da sociedade.

A única vantagem que as empresas enxergam na terceirização que é real – e péssima para o trabalho sindical – é dificultar a organização dos trabalhadores.

“Com a terceirização, mesmo quando há greve o fluxo da produção pode ser mantido. E, para os trabalhadores, o ponto forte é paralisar a produção. Como os terceirizados podem manter as empresas funcionando, a greve fica enfraquecida”, analisou.

A sindicalista afirmou, ainda, que a alta rotatividade dos terceirizados, que também é um dificultador. Muitas vezes esta situação acontece porque o próprio trabalhador não suporta o ritmo pesado, as condições de segurança precárias e a remuneração baixa.

A organização sindical e as negociações também são prejudicadas pela quebra de identidade profissional do trabalhador. “Ele trabalha para a tomadora, mas é contratado da terceirizada. E, mesmo trabalhando diariamente naquela empresa, seu enquadramento sindical é diferente”, apontou Ana Tércia .

Igual em qualquer lugar

A argentina Nuria Emilia Baby, ainda na linha da identificação do trabalhador, destacou alguns casos. “Os trabalhadores dos call centes, por exemplo, se apresentam como trabalhadores dos bancos, mas são terceirizados. Também temos trabalhadores dentro das unidades dos bancos que são contratados como consultores e têm salário e condições piores”, disse a dirigente da Comissão Sindical Interna do BBVA Frances.

Ela defendeu que serviços de limpeza e manutenção e de vigilância e transporte de valores, tradicionalmente terceirizados, sejam internalizados pelos bancos. “São serviços fundamentais para o desenvolvimento da atividade principal do banco”.

Nuria informa que, depois de muita luta, em 2009 os funcionários do call center do BBVA na Argentina foram incluídos na convenção coletiva dos bancários da empresa. Mas, mesmo assim, as entidades sindicais têm que lutar pelos direitos deles. “Existem muitos lugares fora das dependências dos bancos onde funcionam call centers. São locais insalubres, que chamamos de “cavernas”, e todos os bancos privados mantém estas operações.”

A ação sindical de denunciar e lutar pela extinção das “cavernas” resultou em 95% de sindicalização entre os ex-terceirizados. “Nos aproximamos dos terceirizados um a um. Fazíamos assembleias e, no dia seguinte, íamos até os locais de trabalho, conversávamos com eles. Mantínhamos contato via WhatsApp, via SMS. Nós, sindicalistas, temos que estar presentes no dia a dia dos trabalhadores.”

Para a colombiana Sofia Espinosa, há outras medidas adotadas pelas empresas que dificultam a ação sindical, como o teletrabalho. Mas na terceirização típica a Colômbia, apesar das perseguições que sofrem os dirigentes sindicais, existem alguns avanços.

“No setor de petróleo, os terceirizados foram incluídos na Convenção Coletiva. E o Banco de Bogotá contratou diretamente um grande número de trabalhadores terceirizados. No Banco Popular estamos em negociação para que, ao longo da vigência da próxima convenção, que é de três anos, haja contratação de uma parte dos terceirizados”, informou.

Segundo a sindicalista, o objetivo do movimento sindical é que, ao longo de alguns anos, este processo se repita no Banco Popular até que todos os terceirizados sejam contratados. A Alta Corte da justiça trabalhista colombiana proferiu sentença num processo que abre caminho para a sindicalização e representação dos terceirizados.

Cenário hostil

Mas nem tudo são boas notícias. Num país que paga os salários mais baixos da região e onde a informalidade entre os trabalhadores mais jovens chega a 70%, a terceirização é só um dos problemas a serem enfrentados. Têm sido comuns as violações de acordos e convenções coletivas.

Sofia defende a adoção de medidas no âmbito jurídico para punir os banqueiros por desrespeito às convenções e às ações antissindicais como um todo. Outra ameaça iminente de perda de direitos, com articulações entre empresários e figuras importantes da política colombiana, é a tentativa de alterar as leis que garantem estabilidade aos trabalhadores acidentados e adoecidos.

A Colômbia é um país onde a organização sindical é tão ameaçada que são comuns os assassinatos de sindicalistas. O movimento bancário também já perdeu um militante, Leonidas Gómez Rozo, dirigente da União Nacional de Empregados Bancários e funcionário do Citybank, morto em 2008. Mas os ataques são também mais sutis.

Um caso surpreendente relatado por Sofia Espinosa envolve o BBVA, que tentou manipular a vontade dos trabalhadores. Depois de um longo processo negocial que não rendeu frutos, restava ao sindicato construir a greve. O banco, então, contratou uma grande empresa de pesquisa de opinião para fazer uma enquete na intranet do banco. Os trabalhadores foram questionados sobre a deflagração da greve, numa tentativa de eliminar a necessidade de realização de assembleia.

“Isto é ilegal, somente os trabalhadores em assembleia podem decidir deflagrar ou não de uma greve. O resultado da enquete, desfavorável ao movimento paredista, não refletia a vontade dos trabalhadores. O banco tinha como identificar quais funcionários votaram a favor, e os bancários sabiam disso. Claro que isso os pressionava a votar contra”, destacou.

Outras Falas

Entre as intervenções da plateia, a do peruano Moisés Efrain Guerra, representante dos empregados do BBVA, trouxe uma questão pouco discutida. “O BBVA mantém no México toda sua estrutura de TI, que presta serviços para as operações do banco em outros países da América Latina”, informou. Alguns holdings de bancos incluem empresas especializadas em serviços digitais, o que torna a operação ainda mais vantajosa. “O dinheiro nem sai, porque é tudo do mesmo grupo”.

Guerra ainda informou que o BBVA tem setores especializados em monitorar o surgimento de novas empresas de tecnologia que desenvolvem soluções que possam servir ao banco. Assim que as identifica, o banco compra estas empresas, fica com a solução, dissolve a equipe e demite.

Manoel Rodrigues Aporta, funcionário do Santander e dirigente da Comissiones Obreras, da Espanha, também destacou um grave problema da terceirização para os clientes. “O banco tem que tem a custódia dos dados dos clientes, e trabalhadores muito mal pagos tem acesso a estes dados. Isto é um risco, porque este trabalhador pode quebrar o sigilo bancário. É preciso que os dados dos clientes não saiam dos bancos”, defendeu.

Aporta sugeriu também que os sindicatos não se furtem a agir na esfera jurídica para defender os terceirizados e criar entraves à terceirização. Outra forma de combater a subcontratação de trabalhadores é sindicalizá-los. “Com estas ações, vai chegar o momento em que terceirizar não compensará,” argumentou.

Grupos

A 11ª Reunião das Redes Sindicais de Bancos Internacionais continua nesta quarta-feira (10), com os trabalhos de grupo divididos por banco. Representantes do Banco do Brasil, BBVA, HSBC, Itaú, Santander e Scotia Bank de 12 países ficam reunidos no Rio de Janeiro até esta quinta-feira (11).

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