Flávio Aguiar: Grécia, Portugal, Espanha, Itália… e o vazio de ideias

Manifestantes correm durante protestos diante do Parlamento em Atenas

A foto de Yorgos Karahalis/Reuters no The Guardian Online é eloquente: na saída de seu encontro com o presidente Karoulos Papolius, em Atenas, não se sabe quem tem o semblante mais carregado, se o primeiro ministro George Papandreau, se os seus seguranças. Tudo em meio à fumaça e o caos que tomam conta da capital grega, dos confrontos por vezes incendiários entre manifestantes e a polícia.

Enquanto isso, Portugal afunda e a Espanha aderna à direita. Na Itália, Berlusconi amarga derrota após derrota (felizmente) mas, ao mesmo tempo, as oposições ainda não oferecem uma alternativa; é capaz de se criar uma situação em que a Berlusconi e seu cesarismo esvaziado se suceda um outro arranjo de direita.

De Bruxelas, o Comissário da União Europeia para Assuntos Econômicos, Olli Rehn, lança um apelo ao mesmo tempo patético e ameaçador para que os ministros da área, que devem se reunir neste fim de semana, cheguem a um acordo até 11 de julho sobre uma nova ajuda à Grécia, antes que ela declare mesmo falência e a eufemística “reestruturação da dívida”, que equivale à moratória ou abatimento unilateral dos pagamentos.

Manifestação clara do desacordo a vencer, o Ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, entra em choque com o Presidente do Banco Central Europeu, Jean Claude Trichet. Schäuble declarou na semana passada que a reestruturação da dívida puública da Grécia deve ocorrer de forma ordenada. Propôs que os credores aceitem bônus de mais longo prazo em troca dos atuais, concedendo à Grécia mais tempo para se reorganizar.

Trichet no dia seguinte contra-atacou, dizendo que não consideraria uma proposta que não fosse consensual com os credores, e lhes impusesse alguma forma de coação. Seu temor manifesto é que, se isso ocorrer, os credores apertarão mais ainda Portugal e Espanha, e talvez também a conturbada Itália, levando a crise do euro a se aprofundar.

Ou seja, o que fica claro é que a zona do euro, de ponta a ponta, tornou-se refém de seu sistema financeiro, centrado nos bancos alemães e franceses (pelo menos no que toca à dívida pública daqueles países mencionados). Mas se o sistema financeiro alemão, por exemplo, entrar em nova crise, depois de mal ter conseguido se equilibrar (graças a generosos empréstimos públicos) após a crise de 2008, a Alemanha, que até agora parece ir muito bem obrigado, pode muito bem ter de entrar também na fila dos pedintes.

Outra coisa que fica manifesta também é o vazio de idéias… alternativas. Os partidos aqui chamados de “esquerda” – social-democratas, socialistas, e verdes também – têm se mostrado absolutamente incapazes de colocar sobre a mesa alternativas de curto ou longo prazo a essa avassaladora tsunami da ortodoxia neo-liberal que tomou conta do “salvacionismo” europeu diante de sua própria crise. Esse salvacionismo tampouco tem dado resultados até o momento. Ou melhor, tem. Os piores possíveis.

Na Grécia o pacote salvador aprofundou o caos, interna e externamente. Uma juventude extensamente desempregada enche as ruas periodicamente com seus confrontos com a polícia, atropelando até mesmo os manifestantes mais contidos, como trabalhadores e pensionistas.

As letras do tesouro gregas, para serem renovadas, enfrentam um juro aqui astronômico de 28% para dois anos de validade, o que torna a rolagem impossível sem ajuda externa. Esse, aliás, é o poder de Trichet: se a União Europeia suspende a remessa (em parte já feita) dos 110 bilhões de euros à Grécia, ela quebra. Esse é, também, o ponto fraco: se a Grécia quebra, e decreta moratória ou falência, mesmo que parcial, ninguém sabe o que vai acontecer.

Enquanto isso, vítima de sua própria falta de idéias, o governo socialista de Papandreau afunda nas pesquisas eleitorias e não consegue chegar a um acordo com os conservadores,que querem colher as flores do desastre. Isso, depois de tê-lo semeado, porque foram eles, pelo menos nos últimos anos, que maquiaram a relação dívida pública/PIB para… obter novos empréstimos e rolagens!

E não se diga que a culpa é do FMI. O FMI tem suas receitas ortodoxas, mas só entra em campo se os governos o chamam. Foi o que aconteceu. Quem chamou o FMI a campo foi o consenso… de Bruxelas, o consenso conservador que hoje é hegemônico na Europa, e que domina até os corações e as mentes que, supostamente, deviam estar do outro lado do campo.

Afinal, Strauss-Kahn, diretor do FMI, agora no ostracismo, era a esperança do socialismo francês para derrotar Sarkozy. Vale perguntar: que esperança? Que socialismo?

Talvez no futuro as gerações novas que hoje se batem nas ruas de Roma, de Atenas, de Madri, de Lisboa, em outras cidades também, cheguem a ter uma presença política que altere esse quadro desalentador. Rezemos – mas também pensemos. O que hoje se passa pelo mundo não estava nos manuais, nem os do FMI, nem os do marxismo, nem qualquer outro. Parodiando o poeta: “mais do que nunca é preciso pensar…”.

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