As estatísticas comprovam: as mulheres aumentaram sua participação no mercado de trabalho. Continuam, entretanto, nos piores postos e recebem os piores salários. “Tudo muda, mas nada muda”, afirmou, em mesa-redonda, a representante do SOS Corpo Betânia Ávila. O seminário sobre as mulheres e desigualdades no mundo do trabalho, realizado nesta quinta, 8, no Sindicato dos Bancários, reuniu mulheres de diferentes movimentos sociais, sindicais e comunitários. Em discussão, aquilo que está na base da exclusão: a divisão sexual do trabalho. E como as políticas públicas têm sido utilizadas para reproduzir, e aprofundar, esta divisão.
“Antes do capitalismo, tínhamos a família como unidade de produção. A ideologia patriarcal uniu-se ao modelo capitalista para, não apenas dividir as esferas de trabalho, mas estabelecer valores a cada um”, resgata Betânia. À mulher atribuiu-se o trabalho doméstico, a esfera privada, o conhecimento da natureza. Ao homem, o trabalho assalariado, a esfera pública, a cultura. Ao trabalho delas não cabe remuneração: ele é ignorado, não lhe cabe reconhecimento algum.
Com a inserção das mulheres no mercado de trabalho da esfera pública, elas passaram a acumular as duas funções. Mas somente uma é remunerada e reconhecida.
POlíticas públicas -Longe de diminuir os impactos desta divisão, as políticas públicas brasileiras a aprofundam. “O Estado se vale dos trabalhos das mulheres para se retirar de cena. Apenas 39% das famílias brasileiras têm acesso a creche, por exemplo”, afirma Verônica Ferreira, pesquisadora do SOS Corpo.
Um exemplo de como estas políticas contribuem para aprofundar a exclusão está na Previdência Social. “A Constituição fala de uma previdência universal, solidária e redistributiva. Mas, na prática, não é o que ocorre”, diz Verônica. Segundo ela, a essência da política previdenciária brasileira é seu caráter contributivo. Com isso, estão excluídas a maior parte das mulheres trabalhadoras: seja as que trabalham no lar, nos lares de outros, ou as trabalhadoras informais.
As mudanças propostas para a Previdência acentuam este caráter. Querem, por exemplo, o fim do regime especial para as trabalhadoras rurais, que passaria a ser garantida pela assistência social. Propõem que a aposentadoria rural deixe de ter como piso o salário mínimo. Ou falam em fim da diferença de idade para aposentadoria entre homens e mulheres – um dos poucos instrumentos que reconhece a dupla jornada: as mulheres trabalham mais e, portanto, precisam se aposentar mais cedo.
As entidades de mulheres, por sua vez, querem que se assegure a cobertura universal garantida na Consituição. Que as trabalhadoras domésticas, dos próprios lares e dos lares alheios, sejam reconhecidas, mesmo quando não possam contribuir. O mesmo vale para trabalhadoras informais. “O próprio ministro reconheceu que as demandas são justas. Mas acrescentou que não cabiam no conceito da Previdência Social. Ou seja, estamos falando de uma previdência injusta. E não é isso que queremos”, diz Verônica.
Divisão sexual, social, racial – A divisão sexual do trabalho não reina sozinha. Ela dá as mãos a outras duas parceiras: a divisão social e racial do trabalho. Estes três conceitos mostram-se de forma clara através de uma personagem que expõe as contradições do sistema: a empregada doméstica. “Trata-se de uma sub-divisão da divisão, em que ficam expostas as diferenças de classe”, afirma Betânia. Para Ana Paula Maravalho, do Observatório Negro, a trabalhadora doméstica expõe, também, um recorte racial, já que a maioria das empregadas domésticas são negras. “Trata-se, na verdade, da reprodução de um modelo que vem da sociedade escravocrata brasileira, onde as negras executavam o trabalho do lar, desde a cozinha até a amamentação. E isso explica a forma desrespeitosa com que é tratada esta categoria”, opina Ana Paula.
A presença da mulher negra pode ser sentida, também, nas feiras e comércio informal. “Se a gente pesquisar as sociedades africanas, vai ver que nossas feiras, do interior do estado, reproduzem o mesmo padrão. E em ambas a mulher é presença marcante”, diz. E acrescentou: “A Lei Sexagenária, assim como a Lei do Ventre Livre, muito mais do que libertar os negros, pretendiam indenizar os proprietários. E vale lembrar que, já naquela época, a indenização pelo trabalho de uma mulher valia 25% menos do que a de um homem”.
Estatísticas – Estima-se que o número de mulheres em situação de desproteção social chega a 46 milhões e os setores produtivos com menor cobertura previdenciária são os de agricultura e serviços. Nestes setores, estão as domésticas e as trabalhadoras rurais. Já o trabalho doméstico sem carteira assinada é o que mais cresce entre as trabalhadoras.
Segundo dados do IBGE e do PNAD de 2006, mais de 75% das trabalhadoras domésticas não têm carteira assinada e, portanto, nenhum direito previdenciário. Por terem poucas oportunidades econômicas, milhões de mulheres e meninas recorrem ao trabalho doméstico remunerado. Segundo dados do IBGE deste ano cerca de 30% das meninas de 5 a 9 anos e 76% das meninas entre 10 e 13 anos realizam afazeres domésticos no Brasil.
Os dados do DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos na Região Metropolitana do Recife revelam ainda que a maior parte dos desempregados é do sexo feminino. As mulheres, que representavam 52,7% do total de desempregados em 2006, em 2007 passaram a corresponder a 52,9%, correspondendo a 169 mil o contingente feminino em desemprego. Cerca de 265 mil mulheres não têm qualquer acesso aos direitos trabalhistas e proteção social.
Mais: 92% das mulheres ocupadas realizam afazeres domésticos. A jornada de Trabalho doméstico entre pessoas ocupadas é assim dividida: mulheres, 25 horas semanais; homens, 10h semanais. Dados do IBGE, de 2006.
Nosso trabalho sustenta o mundo – Em paralelo ao seminário, será aberta a Mostra Fotodocumental Itinerante Nosso Trabalho Sustenta o Mundo . Entre as imagens, registro fotográfico de debates e mobilizações das trabalhadoras informais da Feira de Caruaru, no agreste de Pernambuco, das trabalhadoras rurais de Tracunhaém, na Zona da Mata Norte do Estado, e das trabalhadoras domésticas do Recife.
A mostra coloca em discussão os direitos previdenciários das mulheres. De abril a novembro de 2007, organizações do movimento de mulheres se articularam em defesa dos direitos previdenciários, no mesmo período que o Governo Federal instalou um fórum para viabilizar mais uma reforma da Previdência. Confira a programação da mostra:
13 a 18 de maio – Exposição no Espaço Célula MATER, Rua da Glória, 310, Boa Vista, Recife PE.
20 a 30 de maio -Exposição no Sindicato das Trabalhadoras Domésticas, Rua da Concórdia, 977, Bairro São José, Recife – PE.
6 a 8 de junho Exposição durante o VI Encontro Estadual de Trabalhadoras Rurais da Fetape, no Centro de Convenções de Pernambuco, Olinda – PE