Maíra Magro
Valor Econômico
O Supremo Tribunal Federal (STF) analisará os critérios que as empresas devem seguir para contratar portadores de deficiências e cumprir as cotas definidas em lei, que variam de 2% a 5% das vagas, conforme o número total de funcionários. Além de apontar dificuldades para o preenchimento das cotas, algumas empresas questionam dispositivos legais que regulamentam essas contratações, como a exigência de documentação para comprovar as necessidades especiais e a definição do que caracteriza ou não deficiência.
O caso acaba de chegar ao Supremo por meio de um recurso do grupo Jerónimo Martins, antigo dono do Sé Supermercados, comprado pelo Pão de Açúcar. O relator do caso é o ministro Ricardo Lewandowski. O grupo argumenta que o Sé Supermercados cumpria a cota de contratações de deficientes, mas sofreu uma ação civil pública do Ministério Público do Trabalho (MPT).
“O motivo da ação é que alguns dos funcionários portadores de deficiência não tinham a documentação do INSS”, afirma o advogado do grupo, Daniel Chiode, do escritório Demarest & Almeida Advogados. A empresa também questiona o conceito de deficiência estabelecido pela legislação que trata das cotas, que agora terá que ser avaliado pelo STF.
Uma das normas contestadas é a Lei nº 8.213, de 1991. O artigo 93 diz que as empresas estão obrigadas a preencher de 2% a 5% das suas vagas com “beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas” pelo INSS. Para Chiode, a exigência da habilitação pelo INSS cria condições desiguais entre os portadores de necessidades especiais, além de dificultar o cumprimento da lei.
Ao avaliar o caso, a Justiça Trabalhista entendeu que os documentos do INSS são necessários para provar que o funcionário é portador de deficiência. Mas, nesse aspecto, as próprias instituições que avaliam o cumprimento das cotas informaram que já deixaram de exigir a documentação do INSS. O Ministério do Trabalho e Emprego, responsável pelas fiscalizações, explicou por meio de sua assessoria de imprensa, que a habilitação pode ser feita por meio de outras instituições de assistência às pessoas portadoras de deficiência.
O Ministério Público do Trabalho esclareceu que também deixou de exigir a habilitação do INSS. “Com o aumento da demanda, começamos a perceber que o INSS não estava dando conta de certificar todas as pessoas”, afirma a procuradora Vilma Amorim, responsável pela Coordenadoria Nacional de Combate à Discriminação no MPT. Por isso, explica, a instituição passou a aceitar atestados médicos ao fiscalizar a contratação de portadores de necessidades especiais. Mas o documento do INSS é exigido na hipótese de reabilitação do empregado, ou seja, quando ele teve que se afastar e depois retornou ao trabalho.
Hoje, diversas empresas, como a Caixa Seguros, exigem apenas um laudo de um médico do trabalho para contratar pessoas com deficiência. A seguradora tem um termo de ajustamento de conduta pelo qual vem tentando cumprir as cotas. “Às vezes nos deparamos com problemas de qualificação de profissionais, como ocorre de modo geral no mercado de trabalho”, afirma Denise Dantas, superintendente de Recursos Humanos do Grupo Caixa Seguros.
Outro ponto que será discutido pelo STF é o próprio conceito de deficiência, firmado pelo Decreto nº 3.298, de 1999. Os artigos 3º e 4º estipulam os tipos de deficiência considerados ao avaliar o preenchimento das cotas. “O decreto fixou conceitos fechados, impedindo que outras deficiências, inclusive que venham a ser reconhecidas por comunidades internacionais, como a Organização Mundial de Saúde, sejam beneficiadas”, afirma o advogado Marcello Della Monica, do Demarest & Almeida Advogados, que alega a inconstitucionalidade da norma.
O Ministério Público do Trabalho já ampliou a interpretação do decreto ao aceitar a visão monocular como deficiência válida para cumprimento das cotas, embora ela não esteja prevista no decreto. Mas, segundo o MPT, esta é a única exceção.