O jornal Zero Hora, de Porto Alegre, publicou na edição de domingo, dia 9, uma longa reportagem sobre a violência nos últimos três anos no interior do Rio Grande do Sul, a partir do levantamento mensal de ataques a bancos no Estado feito pelo Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários).Conforme ZH, bandos que atemorizam pequenas cidades agem de maneira singular e em determinada região. A reportagem mostra a ousadia das quadrilhas, o desaparelhamento da polícia e a omissão dos bancos.
Confira a íntegra das matérias de ZH:
FAROESTE NO SUL
Quadrilhas loteiam o interior gaúcho
A Polícia Civil gaúcha e a Brigada Militar foram colocadas em xeque por três quadrilhas de assaltantes. Elas congregam 25 criminosos que agem em separado, com táticas diferenciadas e que lotearam informalmente o interior gaúcho. Nesta semana, pelos menos duas delas aterrorizaram as cidades de Mariana Pimentel (na região Centro-Sul) e Pinhal Grande e Nova Palma (na região Central).
São bandidos que se especializaram em ataques a bancos, aterrorizando pequenas cidades gaúchas – aquelas com uma só avenida importante, uma só guarnição da BM, nenhuma delegacia e nenhum hospital. Mas com agências bancárias, geralmente mais de uma. Lugares plácidos, atingidos por uma avassaladora onda de crimes que não para de crescer.
Armados com o que há de mais avançado em tecnologia bélica, mascarados para dificultar identificação e atrevidos ao ponto de fuzilar carros e postos policiais, os três bandos são responsáveis pelos mais traumáticos dos 105 ataques a agências bancárias de cidades com menos de 10 mil habitantes registrados nos últimos três anos. São aqueles assaltos em que a localidade é sitiada e tomada pelo bando.
Pequenas cidades foram alvo de um em cada cinco dos 501 ataques a bancos registrados em três anos no Rio Grande do Sul, de julho de 2006 a julho de 2009. O pior, para as microcidades vitimadas, é que elas estão cada vez mais na mira das quadrilhas, que as dominam e agem como um exército de ocupação.
Três são os grupos que atemorizam as comunidades
A migração dos assaltantes de banco para o Interior está comprovada em números. A proporção de ataques a agências bancárias mudou. No segundo semestre de 2006, apenas uma em cada sete ações de ladrões contra bancos aconteceram em pequenas comunidades – aquelas com até 10 mil habitantes. No semestre passado, essas localidades diminutas foram cenário de um em cada três assaltos ou furtos a banco.
Policiais civis e militares têm “quebrado a cabeça” para resolver o dilema do cobertor curto na defesa de cidades contra as quadrilhas de assaltantes: a falta de efetivos. Quando uma está resguardada, outra localidade é atacada. A média tem sido de um assalto de porte a cada 10 dias, em pequenos municípios gaúchos.
São três as principais quadrilhas que agem no Interior:
1 – O primeiro bando é responsável pelos mais traumáticos ataques nos últimos três anos. É liderado por ex-militares (seis ex-PMs e um ex-sargento da Aeronáutica), todos expulsos em função de crimes cometidos quando usavam farda. Contam com ajuda de experimentados ladrões de bancos e de carros-fortes, além de parceiros recrutados nas localidades visadas.
Dois desses ex-policiais morreram recentemente em confronto com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), e os demais, apesar de indiciados em crimes, continuam soltos. A quadrilha tem preferência por agir no eixo que vai dos vales do Jacuí e Taquari até os Campos de Cima da Serra.
2 – A segunda quadrilha atua entre a Região Central e as Missões. Composta por ladrões da metade oeste do Estado, tem preferência por levar os caixas eletrônicos. Faz isso cercando a agência e carregando as máquinas de arrasto ou, então, dominando guardas e PMs das pequenas cidades, para depois forçar funcionários a ajudar no transporte das pesadas caixas. Os policiais têm poucas informações sobre o bando, que cometeu a maior proeza dos últimos anos: assaltou quatro agências de forma simultânea, em Cerro Grande.
3 – O terceiro grupo de ladrões atua como o primeiro, tomando reféns e usando armas de grosso calibre. A região preferida, no entanto, é o Planalto Médio. Mas o grupo seria também responsável pelos últimos ataques no eixo que segue de Porto Alegre em direção a Pelotas – ou seja, duas diferentes áreas geográficas do Estado. São menos experientes e menos habilidosos que a quadrilha de ex-militares, que sabe exatamente o que quer, onde está o dinheiro e como fugir sem percalços.
Os dois tipos de ações
FURTO OU ROUBO DE CAIXAS ELETRÔNICOS
– O bando tem até uma dúzia de homens e usa pelo menos duas caminhonetes ou até caminhões nos ataques, de preferência de madrugada.
– A quadrilha arromba a agência a marretadas, enquanto alguns dos bandidos fazem a segurança. Os veículos de carga são colocados de ré, para que possam carregar os caixas eletrônicos. Os equipamentos são rolados em cima de toras, até as caminhonetes, ou arrastados por correntes por uma rampa até os veículos.
– Atiradores permanecem a postos nas esquinas ou atrás de árvores. Em alguns casos, atacam a guarnição da Brigada Militar antes de fazer o ataque e depois vão até o banco.
– O bando é formado por assaltantes da região Central do Estado (proximidades de Santa Maria) e atua ali e nas Missões.
ASSALTOS A AGÊNCIAS BANCÁRIAS
– Os bandos, de até uma dúzia de homens mascarados, atacam durante o dia e em horário comercial. Um grupo invade duas ou até mais agências bancárias, de forma simultânea, fazendo clientes como reféns.
– Outra parte do bando ataca a guarnição da BM ou da Polícia Civil da cidade.
– Pelo menos duas quadrilhas diferentes, com métodos diversos, têm realizado essas tomadas de agências à luz do dia.
– Um dos bandos é formado por ex-militares, maneja armamentos com perícia, sempre ataca a guarnição policial do município e têm ponto de de fuga definido – inclusive por água. É um grupo gestado na Região Metropolitana e só busca grandes valores. Em dois ataques, por exemplo, amealharam mais de R$ 2 milhões.
– O outro bando é formado por assaltantes do Interior acostumados a atacar caminhões e caminhonetes de entrega de mercadoria, que migrou para o roubo a banco. Não são peritos em armas e está pouco informado sobre os alvos, tanto que tem roubado pequenas quantias, como R$ 800 ou R$ 1,5 mil. A vantagem é que conhecem muito bem a área rural e as estradas de chão batido usadas como rota de fuga.
Cidades alvos de múltiplos ataques
Um dos piores pesadelos para moradores de cidades interioranas é que o terror pode se repetir. Em agosto de 2007, por exemplo, Mariana Pimentel (4,2 mil habitantes) foi sitiada por ladrões que assaltaram o Sicredi. Encapuzados, os criminosos renderam clientes e funcionários do banco e levaram uma pequena quantia em dinheiro. Foi um assalto convencional.
A cena se repetiu na última quinta-feira, em dose dupla. Dessa vez foram o Sicredi e o Banrisul assaltados, de forma simultânea, também por encapuzados. Os bandidos estavam mais agressivos. Fizeram refém um PM, renderam outras 20 pessoas e as usaram de escudo humano para disparar contra um motorista que fugia.
Insatisfeitos, foram ao posto da Brigada Militar e encurralaram com tiros os raros PMs que lá estavam. Na fuga, levaram dois reféns e só os libertaram quilômetros adiante.
Situação semelhante foi enfrentada em Amaral Ferrador, cidade encravada entre morros da zona sul do Estado, que sofreu dois assaltos a banco em 57 dias, em 4 de maio e 30 de junho. O pior: os bandidos avisaram que voltariam. E cumpriram. Os dois roubos foram praticados da mesma forma.
Da primeira vez, os criminosos entraram na agência do Banrisul e renderam 30 funcionários e clientes. Na saída, dispararam tiros de fuzil contra uma viatura da BM, para evitar perseguições, levando junto duas reféns. No segundo ataque, a quadrilha desarmou um PM, manteve-o refém, invadiu a agência do Banrisul a golpes de picareta e forçou funcionários a abrirem um cofre. Fugiram com o dinheiro.
A delegada Raquel Vasconcellos Dornelles, da Delegacia da Polícia Civil de Barra do Ribeiro, investiga os casos e acredita que tanto os assaltos em Mariana Pimentel quanto os praticados em Amaral Ferrador são obras da mesma quadrilha.
– Eles já escolhem as cidades porque estão longe de outras, pouco guarnecidas e com dinheiro circulando das safras (agrícolas) – pondera a delegada.
Dinheiro, no caso, oriundo da colheita de fumo.
Isolamento das cidades atrai os bandidos
Pior situação só em Cerro Grande, próximo a Palmeira das Missões, que teve quatro bancos assaltados no mesmo dia, em 3 de abril, pela mesma quadrilha. Em menos de 30 minutos, encapuzados quebraram agências a marretadas, fizeram guardas reféns e arrombaram os cofres.
A cidade só tem um PM e nenhum policial civil. A única viatura teve os pneus furados. PMs de cidade vizinha levaram 50 minutos em uma estrada de chão para conseguir acudir o colega isolado pelos bandidos. O episódio revela por que os bandidos preferem lugares bucólicos para os ataques.
Uma procura que se arrasta por três anos
Policiais civis já sabem a identidade da maioria dos responsáveis pelos ataques a bancos em cidades pequenas. Conhecem os lugares que eles costumam frequentar, sua rede de relacionamentos. Têm mapeados seus familiares e seus contatos. Só não conseguem prender os bandidos.
Os policiais rastreiam há três anos endereços e telefones das quadrilhas. Atribuem a ausência de prisões ao azar. Quando conseguem descobrir quem está cometendo os crimes, não conseguem antecipar as ações do bando, porque os bandidos não são explícitos ao falar dos alvos. Os criminosos trocam constantemente de endereço e se encontram poucas vezes, apenas o necessário para realizar o ataque e repartir o fruto do roubo. Para completar, usam máscaras, o que dificulta provar quem são.
Provas surgem pingadas. Após alguns depoimentos, policiais realizaram buscas em dois apartamentos em Canoas e descobriram indícios de atuação da quadrilha de ex-militares. Nas residências, alugadas por foragidos e frequentadas por ex-PMs envolvidos em crimes (e reconhecidos por fotos), foram encontradas calças táticas (de uso militar), uniformes e mochilas idênticas às usadas pelos ladrões em assaltos no ano passado em Farroupilha e Triunfo, que renderam cerca de R$ 2 milhões aos ladrões.
Em pelo menos um episódio, o lado da lei saiu vencedor. Em 20 de novembro passado, os assaltantes Daniel Borges Martins (o Borjão) e Fernando Camargo Teixeira (o Tabaco), ambos ex-PMs, foram surpreendidos por patrulheiros da Polícia Rodoviária Federal com um carro recheado de armas e munições, nas proximidades de Lajeado. Resistiram e foram baleados. Tabaco morreu na hora, Borjão faleceu um mês depois devido aos ferimentos.
O delegado Juliano Ferreira, de Delegacia de Roubos e Extorsões, promete novidades:
– Vários integrantes do bando dos ex-militares estão fora do Estado, um na Bahia e dois em Santa Catarina. Mas temos boas pistas contra as outras quadrilhas e vamos agir em breve.