Valor: BB quer expandir carteira de crédito em 20% neste ano

Valor Econômico
Alex Ribeiro, de Brasília

O Banco do Brasil anuncia que sua meta é expandir a carteira de crédito em 20% em 2009, acima, portanto, do crescimento de 16% projetado pelo Banco Central para o ano. Mas isso não significa que a instituição terá um maior apetite por risco. “O nosso risco converge para o padrão de mercado”, afirma o presidente do BB, Antônio Francisco de Lima Neto, em entrevista ao Valor.

O BB, que completou no ano passado 200 anos de história no meio da maior crise financeira mundial desde 1929, vê-se dividido por cobranças dos dois lados: o governo, como acionista controlador, exige empenho para manter o crédito bancário e evitar uma maior desaceleração da economia em 2009; e os acionistas minoritários temem o uso político do banco e pedem prudência quando aumentam os riscos de inadimplência nos empréstimos.

Lima Neto explica por que o BB subiu os juros em fins de setembro e início de outubro, no auge da crise internacional. “Perdemos a referência das taxas”, afirma. “Não foi só no BB. Existem depoimentos de gerentes de concessionárias de veículos que trabalham com outros bancos que dizem que, naquele período, havia tabelas de taxas de juros três vezes por dia.” O presidente do BB também rechaça a possibilidade de, atendendo a pedidos do governo, expandir os volumes de crédito além do que seria prudente. “É impossível o conluio dentro do banco para atender a uma empresa que nunca apareceu aqui, que está quebrada”, disse. “Essa é uma prática do passado.”

A medida provisória nº 443, que autorizou o BB a comprar outras instituições financeiras, abre nova frente para não apenas aumentar a base de clientes, mas também para organizar as operações de seguridade e de financiamentos de automóveis. “Era uma frustração uma empresa desse tamanho não poder fazer fusões e aquisições”, diz. “Até então, a gente era como aquele vira-lata olhando o espetinho de galeto rodando na padaria.” Os principais trechos da entrevista:

Valor: Existem reclamações dentro do governo de que o BB tirou vantagem da crise, reduzindo a oferta de crédito e aumentando os juros. O que aconteceu?

Antônio Francisco de Lima Neto: Não aconteceu com essa lógica. O BB realmente é beneficiado porque, nas crises, os passivos bancários migram para o porto seguro, e somos um porto seguro. Mas temos sido parceiros do país. Só o BB permaneceu financiando o comércio exterior. Em que pese terem secado as fontes de financiamento, sempre fomos conservadores, tínhamos um bom colchão de liquidez. Isso nos permitiu, por duas ou três semanas, sustentar o comércio exterior. Todo mundo se afastou. Claro que, como ficou no mercado preponderantemente só o BB, não dava para atender a todos. Empresas ficaram sem ver atendida a sua expectativa de volume, mas havia outros para atender. Mas continuamos emprestando. Os números mostram que, em setembro e outubro, desembolsamos mais de US$ 1,4 bilhão mensais em operações de adiantamento sobre contratos de câmbio (ACC) e adiantamento sobre cambiais entregues (ACEs).

Valor: Mas os juros subiram?

Lima Neto: Nessas duas ou três semanas, quando secaram as fontes de financiamento externo, a demanda por empréstimos em reais aumentou muito. E, naquelas duas semanas, só havia, preponderantemente, o BB. Quando você nota que todo mundo está vindo para o seu balcão, você perde a referência de taxas. Havia nas agências uma confusão de taxas.

Valor: Por quê?

Lima Neto: Por conta do tamanho da demanda. Não é incerteza sobre o futuro da economia, é o tamanho da demanda. Quando você ganha 100% das operações de crédito ou próximo disso, você percebe que alguma coisa está acontecendo. Então você começa a calibrar a taxa de juros para ver o que vai acontecer. E não foi só no BB. Existem depoimentos de gerentes de concessionárias de veículos que trabalham com outros bancos que dizem que, naquele período, havia tabelas de taxas de juros três vezes por dia.

Valor: Por que calibrar a taxa?

Lima Neto: Você tem que calibrar a taxa para selecionar melhor a demanda. Se todo mundo está vindo aqui, você fica sem referencial de risco. Em que pese o fato de que todo o cliente ter um limite de crédito no banco, você se pergunta por que esse cliente que nunca vinha aqui no nosso balcão passou a vir e estamos ficando com 100% das operações. Significa que todo mundo subiu a taxa e eu estou aqui pegando todo mundo. Então você tem que calibrar a taxa para ver o que está acontecendo e ver até aonde vai.

Valor: Se o BB tivesse mantido o juro, teria toda a demanda?

Lima Neto: O normal para o BB é ganhar de 30% a 50% das operações de capital de giro. No dia-a-dia, você ganha isso. Quando começa a ganhar mais de 80%, alguma coisa está errada…

Valor: Onde está o problema? Os outros bancos haviam subido os juros ou estavam impedidos de fazer ofertas por falta de liquidez?

Lima Neto: Não é questão de falta de liquidez. Eles se tornaram mais mais seletivos. A regra é essa: seletividade, que é natural. Quando começa a se falar de crise, os bancos se tornam mais seletivos. E também tem outra coisa: na hora da crise, todo mundo senta em cima do caixa. É natural, e isso serve para a economia real e para os bancos. Você sempre senta em cima do caixa para ver o que vai acontecer. Seletividade com sentar em cima do caixa significa subir taxas de juros, menos oferta de crédito. Automaticamente, isso levou as empresas ao BB, porque de fato a gente não teve problema de liquidez nem de sentar em cima do caixa. Mas tivemos um aumento exagerado da demanda de uma vez só e, até entender o tamanho dessa demanda, naturalmente as taxas de juros perderam a referência.

Valor: Isso aconteceu em que período?

Lima Neto: Nas duas últimas semanas de setembro e nas primeiras semanas de outubro, em capital de giro para as empresas.

Valor: E depois?

Lima Neto: Começamos a ter um razoável entendimento do tamanho disso tudo e as nossas taxas voltaram para os patamares pré-crise. Definitivamente, não existiu no BB um comportamento de dizer que essa crise não é nossa, que não temos nada a ver com isso.

Valor: A acusação é de comportamento monopolístico. De quem tem toda a liquidez e reduz a oferta de crédito para ampliar a margem de lucro…

Lima Neto: De jeito nenhum. Tenho dados que mostram isso. Mantivemos a duras penas o comércio exterior brasileiro. De fato, perdemos a referência de taxas de juros, como todo mundo perdeu naquelas duas ou três semanas, e já reduzimos, como uma decisão empresarial. Não diminuímos os nossos fluxos de desembolsos. Prova disso é que, em setembro e outubro, o fluxo de desembolsos de crédito com recursos livres para pessoas jurídicas foi de R$ 15 bilhões, de R$ 16 bilhões. São os dois maiores números da série. Isso prova que nós não diminuímos o fluxo de concessão para aumentar a taxa. Acaba essa tese. Perdemos, sim, a referência de taxas de juros. Mas isso diz muito a nosso favor, porque é a consequência de, naquelas duas ou três semanas, ter preponderantemente só nós operando no mercado de crédito.

Valor: As ações do BB caíram muito nos últimos meses. Seria por que os minoritários temem a manipulação do BB pelo governo para combater a crise financeira?

Lima Neto: Em 2007 e 2008, outros fatores que não a crise financeira afetaram o papel do BB. Tivemos a expectativa de incorporação da Nossa Caixa, em que os investidores bateram no papel do BB e privilegiaram o papel da Nossa Caixa. É natural, desde que o mundo é mundo é assim. Se olharmos todas as transações semelhantes, o papel do comprador cai e o de quem foi comprado sobe. No que diz respeito à crise em si, o setor bancário como um todo tem sido penalizado, não só o BB. Existe mau humor com bancos em geral, e o papel do BB está em linha com o que tem apanhado os outros papéis.

Valor: Então não teria o risco de o majoritário usar o BB?

Lima Neto: O resultado recorrente saiu nos últimos anos do patamar de R$ 1 bilhão para R$ 5,8 bilhões em 2007. Esse dado mata qualquer argumento de que o banco tem sido irresponsável, que o acionista majoritário tem usado o banco em detrimento dos acionistas minoritários.

Valor: Esse dado reflete o passado. A crise criou uma pressão sobre os bancos públicos para fazer a economia continuar a andar…

Lima Neto: O governo não cobra o banco público, ele cobra o desempenho da indústria bancária. Isso tem sido a tônica no mundo todo. Se você olhar os discursos recentes do (primeiro-ministro britânico) Gordon Brown, se olhar o posicionamento dos reguladores, eles estão cobrando publicamente os bancos para que façam chegar na ponta a redução de preços que tiveram com o acesso de dinheiro público. O BB, enquanto banco público, de sociedade de economia mista, tem um papel a desempenhar. E vai conseguir equilibrar os dois lados dessa moeda, do acionista majoritário e do acionista minoritário.

Valor: Em termos concretos, como isso acontece? O BB vai forçar a barra para expandir o crédito mais que a média do mercado?

Lima Neto: É preciso entender como funciona o crédito aqui no BB. A operação mais simples é o cliente pegar um crédito pessoal num terminal de auto-atendimento. Mesmo nessa operação mais simples existe uma cadeia dentro do BB totalmente independente. Quem fez o sistema para contratar o crédito no terminal foi a área de tecnologia, quem fixou o limite de empréstimo foi um área de crédito do banco, levando em conta critérios como pontualidade, trabalho, perfil de consumo bancário. Quem deu o preço do empréstimo foi uma área de finanças e quem cuida daquele cliente é uma área de varejo. Temos ainda a área de controles internos, que periodicamente checa se aquilo que a gente esperava do cliente como consumidor bancário está OK. No crédito para uma empresa, as etapas são mais complexas, mas igualmente independentes. Então, é impossível o conluio dentro do banco. É impossível todo mundo se unir para atender uma empresa que nunca apareceu aqui antes, que está quebrada e precisando de assistência. Essa é uma prática do passado, que não existe mais dentro do BB.

Valor: Mas a avaliação econômica da diretoria colegiada move essa engrenagem. Se os senhores decidirem que é hora de ter mais apetite por risco, a despeito da conjuntura de mercado e da retração dos bancos privados, a máquina opera com mais vigor.

Lima Neto: Não temos apetite maior que o sistema. De risco, não. O nosso risco de crédito converge para o padrão do mercado. A regulação é a mesma para todos. Quando você faz uma operação de crédito, você diz automaticamente o que espera dela, fazendo a provisão. A regulação é igual para todos, os nossos padrões de controle internos são iguais aos de todo mundo. O padrão de comportamento de um diretor estatutário dentro do BB é o mesmo comportamento exigido nas Lei das Sociedades Anônimas para dirigentes de empresas privadas.

Valor: Então não podemos esperar que o BB vai ter mais apetite que os concorrentes para ampliar a carteira de crédito em 2009?

Lima Neto: Nosso orçamento prevê expansão de 20% em 2009, o que está acima dos 16% que o Banco Central espera para o sistema financeiro como um todo. O BB sempre cresce um pouco mais ou um pouco menos que o mercado. Em 2007, por exemplo, crescemos menos do que o mercado em empréstimos a pessoas físicas. Em 2008, crescemos mais. Uma coisa é o orçamento, outra são as suas motivações comerciais. São grandes as chances de extrapolar esse cenário básico, porque são muitas as realidades regionais desse país e temos uma base com 28 milhões de clientes. Com a compra da Nossa Caixa, abre-se nova frente. De agosto para cá, no meio dessa crise financeira, ampliamos nossa carteira de crédito livre de R$ 200 bilhões para R$ 230 bilhões, até o dia 12 de dezembro. A sociedade brasileira e os acionistas podem esperar uma administração responsável e conservadora, como cabe a todo banco. Mas também podem esperar um banco que tem um compromisso com o país e vai continuar crescendo, com desembolso, dentro da boa técnica bancária.

Valor: A medida provisória nº 443 autorizou ao BB crescer por meio de fusões e aquisições de bancos privados O Banco Votorantim será o primeiro?

Lima Neto: Era uma certa frustração uma empresa desse tamanho não poder fazer fusões e aquisições. Até então, a gente era como aquele vira-lata olhando o espetinho de galeto rodando na padaria. Agora, estamos no jogo. Isso não quer dizer que vamos comprar por comprar. Por responsabilidade estatutária, só partiremos para algum movimento se fizer sentido econômico e estratégico. Será importante para o BB demonstrar a capacidade não só de comprar, mas também de digerir, produzir ganhos de eficiência e de valor com as aquisições. Agora, falar dessa ou daquela oportunidade seria leviano.

Valor: Muda alguma coisa na estratégia para o segmento de seguridade?

Lima Neto: A frente permanece a mesma. Ao adquirirmos o controle da Aliança do Brasil, abrimos a trilha para reorganizarmos a seguridade do banco. Claro que a MP 443 dá mais musculatura.

Valor: Existe a possibilidade de comprar o a participação da SulAmérica nas empresas de seguridade do BB? Já está resolvido qual vai ser o papel da Mapfre, que cuida da seguridade da Nossa Caixa?

Lima Neto: O modelo vencedor no Brasil é o de venda de produtos no balcão das agências. Se você pegar o ranking de arrecadação e prêmios da indústria de seguridade, previdência, capitalização e seguros, vai ver que se destacam bancos ou seguradoras que se utilizam de balcões de bancos por acordos operacionais ou societários. O BB, com 28 milhões de correntistas e presença nacional, é a melhor noiva do país. Diante disso, estamos vendo qual é o melhor projeto. Essa a premissa. Mas ainda não delineamos isso completamente e não podemos falar sobre movimento concretos. Tudo é especulação.

Valor: Ou o BB segue sozinho ou terá parceria com sócios privados. O que determina a decisão?

Lima Neto: Parcerias estratégicas significam que o banco abre mão de valor societário em troca do que o camarada vai agregar. Tem que fazer uma conta muito boa. Primeiro, qual é o tamanho daquilo que você vai abrir mão. O parceiro pode trazer tecnologia, conhecer ritos específicos, nichos. Ele pode agregar valor. Há situações em que não agrega valor.

Valor: E como está a operação em financiamento de veículos?

Lima Neto: Nossa agenda está muito defasada. Tínhamos um acordo com os sul-africanos, mas decidimos, de parte a parte, não levar adiante. Estamos refletindo sobre o que fazer. Temos uma operação caseira de veículos, basicamente nas nossas agências e um pouco em concessionárias. Chegamos a uma carteira de R$ 6 bilhões, que começou do zero. É um modelo interessante, mas horizontal. No financiamento de veículos, em que as margens são pequenas, é oneroso sustentar uma cadeia toda dentro do banco, com o padrão custo fixo interno, inclusive com a força de trabalho bancária. O modelo de negócio vencedor, que construiu as maiores carteiras do mercado, trabalha com força de trabalho flexível, financiários, e estrutura própria de suporte à força de vendas, totalmente verticalizada.

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