Carolina Mandl e Fabiana Lopes
Valor Econômico | De São Paulo
John Flint, diretor-executivo global de varejo e gestão de patrimônio do HSBC, desembarcou em São Paulo na semana passada com a missão de explicar aos funcionários do banco no Brasil o fim de um tradicional sistema de incentivo às vendas de produtos bancários por meio de comissões pagas a gerentes, usado mundo afora pelas instituições financeiras.
Desde o início de 2013, a remuneração variável baseada no volume e no tipo de produtos vendidos tem sido extinta. Para a área de gestão de patrimônio, o movimento começou em janeiro do ano passado, e neste ano passou a ser implementado no varejo do HSBC.
A ordem de Flint aos gerentes é ofertar aos clientes apenas os itens que mais se encaixem em suas necessidades e perfil, mesmo que isso se traduza em vendas menores. É justamente aí que reside o receio dos gerentes do banco: terminar o mês com um salário menor.
“Vimos que nos primeiros meses os funcionários demoram um pouco para se acostumar ao novo processo. Há um pouco de ansiedade”, explica Flint. “O objetivo não é pagar menos às pessoas, e sim pagar as pessoas de um jeito diferente, não apenas pela venda de produtos, mas por colocarem os clientes em primeiro lugar.”
No Brasil, a ansiedade que Flint tenta acalmar globalmente talvez ainda seja redobrada. No Reino Unido, a mudança no modelo de remuneração se insere num contexto de problemas que os bancos enfrentaram com seus clientes recentemente.
A Financial Services Authority, órgão de regulação do setor bancário no Reino Unido, obrigou as instituições financeiras a gastar bilhões de libras em indenizações a consumidores que foram levados a comprar produtos inadequados ao seu perfil. Agora, todos os bancos correm no Reino Unido para reformular seus esquemas de incentivos às vendas, com o objetivo de evitar problemas futuros.
“Devolver receita é um sinal de fracasso. Não temos tolerância a isso. Quando o regulador diz que você tem de devolver o dinheiro, temos de parar e pensar no que fizemos de errado”, disse Flint durante entrevista ao Valor na semana passada. “Vender produtos financeiros não é a mesma coisa que vender uma televisão. Tem certas consequências.”
No Brasil, apesar de casos como o de venda de planos de previdência a aposentados ainda serem comuns, nenhum banco teve de devolver bilhões de reais a clientes por ordem de reguladores. São essas diferentes experiências entre os países que podem, na avaliação de Flint, tornar a implementação do novo modelo de remuneração mais longo a depender do lugar.
Por aqui, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) criou no fim do ano passado parâmetros para que os profissionais de investimento verifiquem a adequação dos produtos financeiros oferecidos ao perfil de cada cliente, um conjunto de normas conhecido como “suitability”. Em 2013, o Banco Central também passou a ter uma equipe voltada para a supervisão de conduta dos bancos.
“No Reino Unido, onde o fracasso do sistema bancário teve um impacto dramático na economia doméstica, ficou claro que os bancos não trataram os clientes de forma justa e os bancos tiveram de devolver muito dinheiro aos clientes. Aí você pode esperar que os bancos mudem suas práticas mais rapidamente do que nos mercados emergentes. A agenda é diferente”, diz Flint.
Outro desafio que o HSBC enfrenta em terras brasileiras é a escala. Terceira maior operação de varejo do banco no mundo, o Brasil abriga 21.921 funcionários, o que redobra os esforços de comunicação sobre as novas estratégias de venda. No mundo todo, a implantação do novo modelo envolveu 10 mil funcionários da área de gestão de fortunas e agora abarca outras 64 mil pessoas no varejo.
A mudança no HSBC também chega em um momento em que os bancos brasileiros buscam fortalecer a venda de produtos e serviços não relacionados ao crédito. Em todos os bancos, a meta é aumentar o número de produtos vendidos por clientes. A cada dia, receitas de tarifas e serviços ganham mais peso nos balanços. No primeiro trimestre deste ano, Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander faturaram R$ 19,5 bilhões, com uma expansão de 11,5% na comparação com igual período do ano passado.
Por enquanto, os resultados do HSBC vão na contramão dessa expansão vista no Brasil. Com a mudança no modelo de incentivos, a receita das operação de varejo e gestão de patrimônio já sofreu consequências neste primeiro trimestre. O banco teve uma receita antes de provisões de US$ 6,244 bilhões nessa área, o que representa uma queda de 7% em relação ao mesmo período do ano passado e 8,3% na comparação com o último trimestre.
A mudança no comportamento das receitas pesou para a queda do lucro da instituição no período. “Em nossos negócios de varejo e gestão de patrimônio, as receitas foram impactadas pelas mudanças nos planos de incentivos e na definição de preço dos produtos”, disse o presidente mundial do HSBC, Stuart Gulliver, no relatório de resultados.
Para Flint, um exame mais aprofundado sobre o fim das comissões pagas a gerentes só será possível de ser feito no fim de 2015. “O que temos muito claro em nossa mente é que nem toda receita é igual. Tem receita de alta qualidade e receita de baixa qualidade”, afirma.
No Brasil, as receitas de serviços e tarifas do HSBC mantiveram-se praticamente estáveis em R$ 3 bilhões no ano passado na comparação com 2012. Caberá a Juan Parma, diretor-executivo de varejo e gestão de patrimônio do HSBC Brasil, fazer a operação se adequar ao novo contexto de incentivos. Parma chegou ao cargo em janeiro deste ano.
Desde 2011, a área de varejo do HSBC passa por mudanças no Brasil. Naquele ano, o banco decidiu parar de dar crédito para não-correntistas, acabando com o financiamento de veículo e o empréstimo consignado para esse público. “Só não queremos trazer clientes que apenas querem um financiamento conosco. Queremos construir relacionamentos”, diz Parma.
O banco chegou a colocar a financeira Losango à venda, mas, sem alcançar um acordo sobre o preço com potenciais interessados, o HSBC permanece com a operação no portfólio. O banco não esconde que a Losango não é seu foco de interesse, o que dá pistas de que deve ainda se desfazer da financeira tão logo encontre uma boa oferta.
O HSBC Brasil teve um lucro líquido de R$ 411,4 milhões em 2013, o que representou uma queda de 66,4% na comparação com 2012. A retração ocorreu em um período em que o crédito teve uma expansão mais modesta, e o banco pagou mais imposto de renda e contribuição social.