Com cerca de 7,5% de sua população com 65 anos ou mais, os brasileiros vivem atualmente a expectativa de vida aumentada, ao mesmo tempo que a possibilidade de renda, diminuída. Uma conta que não fecha e leva trabalhadores aposentados ao declínio financeiro e social.
Discutir formas de melhorar a distribuição de renda para a terceira idade e ao mesmo tempo sustentar uma seguridade social que garante a qualidade de vida dos cidadãos após terem passado pela chamada idade produtiva, é pensar na construção de um país melhor e mais justo para todos.
O Atlas do Desenvolvimento Humano 2013, divulgado pelo IBGE, mostrou que nos últimos 20 anos, a expectativa média de vida do brasileiro aumentou em mais de nove anos – passou de 64,7 anos em 1991, para 73,9 anos atualmente. Os dados indicam claramente o aumento da população de aposentados, que por outro lado passaram a receber seus benefícios por um tempo maior.
O programa “Melhor e Mais Justo”, da TVT (TV dos Trabalhadores) da última quinta-feira (1º), debateu o fator previdenciário, mecanismo criado em 1999 e desde então contestado e combatido pelos trabalhadores. Como ele entra no cálculo do valor dos benefícios? Como impacta em cada modalidade de aposentadoria, por exemplo, para quem pretende optar pela aposentadoria por tempo de contribuição? E como está a negociação, ou a ausência dela, entre as entidades que representam os trabalhadores, o governo e até mesmo a iniciativa privada?
Na mesa, Paulo Cayres (Presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM-CUT); Theodoro Vicente Augustinho (da Comissão de Seguridade Social da OAB e mestre em direito previdenciário pela PUC de São Paulo); e Luiz Cláudio Marcolino, (deputado estadual pelo PT-SP).
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“O fator é um instituto com o objetivo de reduzir as aposentadorias, que leva em consideração a idade e o tempo de contribuição à Previdência. A essência é ‘se eu me aposentar novo, terei uma ‘facada’ maior na minha aposentadoria'”, definiu Augustinho, ao abrir o debate.
O deputado Marcolino frisou que as condições que levaram à criação do Fator são bastante diferentes das que as percebidas atualmente. “O fator foi criado no governo de FHC. Naquele momento tínhamos um país que passava por um desemprego brutal e desequilíbrio da aposentadoria. Muita gente não percebeu o impacto do prejuízo porque não estavam na época de se aposentar, iam demorar alguns anos para isso. As pessoas começaram a sentir o peso dessa reforma somente agora.”
Paulo Caires foi taxativo sobre o fator previdenciário: “Entendo que isso é um roubo. Dentro daquilo que o neoliberalismo nos deixou de herança maldita, essa é mais uma. Porque você tem uma regra no jogo que foi alterada no meio do caminho… Os companheiros que estão lá atrás não estão englobados nessa expectativa de vida. Eles estão sob condições que não permitirão nem usufruir da aposentadoria. Acho o fator uma penalidade que o trabalhador brasileiro não merece.”
Financiamento
Marcolino disse que, da mesma forma que se avalia hoje reformas há cerca de 20 anos, as novas formas de contribuição à Previdência terão sua eficácia mostrada daqui a igual período. “Estamos passando por um período em que 18 milhões de novas pessoas entraram para o mercado de trabalho. Pessoas que passaram a contribuir com a Previdência”, referindo-se aos 10 anos de governos Lula e Dilma. “Além da contribuição desses novos postos formais de trabalho, temos também o MEI (Micro Empreendedor Individual) que não contribuía e passou a contribuir, e recentemente as domésticas que também passarão a contribuir. Está aumentando o bolo”.
“Daqui a 15, 20 anos vamos avaliar se esse novo contingente vai deixar a Previdência deficitária ou superavitária. Mas o problema de desemprego que havia lá atrás no Brasil, quando o fator foi criado, hoje já não existe. À luz dessa reflexão é que deve se discutir a fórmula para a aposentadoria e até o próprio fim do fator previdenciário, voltar nos patamares que tínhamos antes da reforma”, completou.
“É notório o problema de inversão de pirâmide. O sistema como foi criado anteriormente, o pacto intergeracional – mais novos pagando para que mais velhos curtam a aposentadoria – já não é mais realidade. Hoje existe uma ‘retangulização’ da pirâmide. É inconcebível pensar na aposentadoria por tempo de contribuição”, afirmou Augustinho.
O metalúrgico completou afirmando que é preciso ampliar a discussão de alternativas para o custeio da previdência e a garantia de aposentadorias dignas. “Queremos o fim do fator. Dá para discutir a idade mínima por exemplo: tem de retardar a entrada dos jovens no mercado de trabalho. Não é só trabalhando que se ocupa a mente dos jovens. Ocupa-se também com formação”, sugerindo investimentos em políticas de educação, cultura, lazer e esportes.
Futuro
Paulo Cayres deixa claro que o fim do fator previdenciário é bandeira de luta da classe trabalhadora. “Não estamos defendendo a mudança o que queremos é o fim do fator e voltar como era antes porque fomos pegos no meio do jogo com regra nova, que não aceitamos. Esse aumento de produtividade (do trabalho) além de não ser incorporada para bancar a Previdência traz aumento de doenças ocupacionais”. Ele frisou que a Seguridade Social também é a responsável pelas pensões por afastamento do trabalho, seja por acidente, seja por adoecimento.
Marcolino defende a previdência pública, mas alertou para a necessidade de discutir o seu financiamento, já que o país passou por um processo de desmonte também deste serviço público, para privilegiar as empresas particulares. Além disso, o deputado estadual lembrou que, por pressões e estratégias do mercado, boa parte dos rendimentos dos trabalhadores deixou de ser computada como contribuição previdenciária.
“De tempos para cá nós passamos a ter a chamada remuneração variável. Hoje tem trabalhador que recebe vale-alimentação, vale-refeição, bônus, PLR… Durante o tempo de trabalho dele, essa parte da remuneração não entra para o cálculo previdenciário, nem para o fundo da previdência. E quando vai se aposentar ele já perde isso também. O debate é: de onde virá o financiamento para previdência pública do nosso sistema? Temos de pensar como financiaremos a previdência do futuro”, disse o deputado.
Finalizando, Augustinho defende que o assunto passe a fazer parte de uma parcela mais ampla, se não da totalidade da população, uma vez que o assunto diz respeito a todo cidadão cuja renda depende exclusivamente de sua força de trabalho. “O brasileiro não tem educação previdenciária. É necessário ensinar, mostrar a legislação, mostrar como e quando vale a pena contribuir.”
E disse ainda que a renda durante os anos de aposentadoria é apenas um dos lados de um problema que exige políticas públicas eficientes e urgentes. “O grande mal que acomete o aposentado é ausência de serviços de saúde adequados, de lazer, de espaço para ele se locomover e conviver. O Estado deveria propiciar isso aos aposentados. Se você tiver a dignidade dele bem cuidada, o salário passa a ser uma questão secundária. Mas hoje não é assim, tem de pagar por isso.”