O diretor do Departamento Econômico do Itamarati, Carlos Márcio Rosendei, debateu durante mais de três horas nesta segunda-feira com lideranças cutistas na sede nacional da entidade, em São Paulo, sobre as negociações na rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e as implicações para a economia, o emprego e a renda dos brasileiros.
O presidente da CUT, Artur Henrique, destacou o significado da exposição para uma maior compreensão e aprofundamento do tema, bem como a importância dos dirigentes sindicais se manifestarem sobre os possíveis impactos que teriam as medidas da OMC em seu Ramo.
Conforme Rosendei, o Itamarati tem procurado incorporar contribuições e análises dos distintos segmentos da sociedade, a fim de potencializar ganhos. “Procuramos aqui na CUT fazer uma reunião mais informal, que desejamos repetir de forma mais ampla e sistemática. Assim como debatemos com lideranças empresariais, acreditamos que este encontro com dirigentes sindicais contribuiu para esclarecer nossas posições. Isso é fundamental para a compreensão sobre o que está na mesa, pois os acordos firmados terão de ser aprovados pelo Congresso Nacional”, declarou.
Na avaliação do diretor do Itamarati, há uma grande preocupação por parte do governo brasileiro em fortalecer ações comuns no âmbito do Mercosul, mas também com Índia e África do Sul, a fim de resguardar interesses dos países em desenvolvimento.
O secretário de Relações Internacionais da CUT, João Antonio Felício, lembrou que todas as vezes que o governo negocia, a Central sempre se posiciona radicalmente em defesa do protecionismo, tanto do ponto de vista do setor agrícola como do industrial, principalmente para fazer frente às pressões das grandes potências que agem sempre no sentido de tomar mercados. João Felício lembrou de duas notas assinadas pela CUT conjuntamente com a CSA (Central Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas) e com a Rebrip (Rede Brasileira pela Integração dos Povos) sobre as perversas conseqüências da liberalização do comércio de bens industriais e serviços por parte dos países do Sul, em troca da abertura de mercados no Norte para exportações.
Ao final do encontro, várias lideranças fizeram questionamentos e sugestões ao representante do Itamarati. O presidente da CNTV (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Vestuário), José Carlos Guedes, e o tesoureiro da Contracs (Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio), Valeir Ertle questionaram a posição assumida pelo governo brasileiro na última rodada, demonstrando preocupação sobre as graves implicações que poderiam ter – caso se confirmassem – os acordos para o setor têxtil, coureiro-calçadista e de serviços.
O Portal do Mundo do Trabalho reproduz abaixo manifesto da Rebrip, subscrito pela Central Única dos Trabalhadores, sobre o colapso das negociações na Rodada de Doha, da Organização Mundial do Comércio.
Movimentos sociais comemoram mais um fracasso da Rodada de Doha da OMC
Organizações e movimentos sociais do Brasil e do mundo inteiro comemoram mais um colapso das negociações para a conclusão da Rodada de Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio). Desde que a OMC foi criada, no auge do neoliberalismo dos anos 90, estas organizações vêm questionando a validade das premissas da instituição e denunciando as graves conseqüências que o fechamento desta rodada poderia causar para os povos em diversas partes do mundo.
Essas conseqüências dizem respeito, principalmente, a liberalização do comércio de bens industriais e serviços por parte dos países do Sul, em troca da abertura de mercados no Norte para exportações agrícolas. Isto significaria a cristalização de um modelo em que os países em desenvolvimento continuariam como exportadores de commodities agrícolas – com uso intensivo de água e outros recursos naturais na sua produção, concentração fundiária e utilização de insumos químicos que resultam em um agravamento da crise sócio-ambiental -, enquanto os países desenvolvidos se manteriam como fornecedores de tecnologia e bens e serviços de alto valor agregado, bloqueando assim as perspectivas de desenvolvimento industrial e a geração de empregos de qualidade para homens e mulheres dos chamados países em desenvolvimento. E seria um golpe contra os direitos dos povos e a soberania dos países em relação à capacidade de formularem suas políticas públicas.
Ao longo da semana, cerca de trinta países tentaram sem sucesso chegar a uma fórmula que fosse capaz de acomodar os interesses em temas tão complexos como as políticas de agricultura, indústria e serviços. Mais uma vez o formato restrito e anti-democrático de tomada de decisões na OMC se revelou esgotado: dos 153 países-membro da OMC apenas cerca de trinta estavam presentes nas reuniões de Genebra e, na verdade, entre estes, apenas sete – Estados Unidos, União Européia, Brasil, Japão, Austrália, China e Índia – conduziram de fato o processo decisório enquanto os demais aguardavam em protesto as decisões na ante-sala.
O Brasil manteve a sua já conhecida posição, que prioriza a abertura dos mercados dos países do Norte para as exportações do agronegócio, concordando em troca em fazer importantes concessões nas áreas de redução de tarifas industriais e no setor de serviços. A insistência do Brasil em manter esta posição acabou tendo graves conseqüências políticas. Uma delas foi o estremecimento do G20, importante coalizão de países em desenvolvimento criada em 2003 durante uma reunião ministerial da OMC realizada em Cancun, quando o Brasil liderou uma posição de resistência destes países e com isso alterou a balança de poder e a correlação de forças na OMC. Desta vez, no entanto, o Brasil acabou esvaziando a sua liderança por ter se distanciado de preocupações e interesses de parceiros estratégicos da coalizão.
Este foi o caso da Argentina, que vinha liderando uma importante posição de resistência nas negociações de NAMA – a sigla em inglês para as tentativas de acordo sobre reduções nas tarifas de importação de produtos industriais que tanto interessam aos Estados Unidos e União Européia. A falta de compromisso do Brasil com os nossos vizinhos poderá ter repercussões políticas negativas nos processos de integração regional em curso na América do Sul. O Mercosul, por exemplo, possui uma Tarifa Externa Comum (TEC) que seria bastante prejudicada caso as propostas que estavam em curso nas negociações de Doha fossem aprovadas, tornando ainda mais difícil que nossa região pudesse estabelecer preferências comerciais internas ao bloco.
A estratégia negociadora brasileira também abalou as alianças do Brasil com Índia e China. Refletindo o peso econômico que o agronegócio exportador tem na balança comercial brasileira, o Brasil não deu a devida importância a temas importantes para estes países parceiros e para a agricultura familiar e camponesa. O tema das salvaguardas e outros mecanismos de defesa e promoção da agricultura que garante a segurança e soberania alimentar, no Brasil e no mundo, não foi priorizado pelos negociadores brasileiros, ao passo que se mostrou um tema central para estes parceiros chave do Brasil.
Neste momento, os movimentos sociais do mundo todo estão comemorando. Mais uma vez está provado que o modelo baseado na liberalização progressiva promovido pela OMC caducou. Agora é hora de pensar em alternativas a este sistema de comércio global e este debate deve se orientar pelos processos de integração regional e por novas instâncias globais voltadas para os interesses dos povos. Chegou o momento de construirmos um sistema de comércio verdadeiramente voltado para a justiça econômica, social e ambiental e não para os interesses das corporações transnacionais.
REBRIP – Rede Brasileira Pela Integração dos Povos
30 de Junho de 2008