(Brasília) O microcrédito, empréstimo de pequeno valor e juro baixo para pessoas pobres, foi reconhecido mundialmente no ano passado como um importante instrumento de promoção da paz, pois leva esperança ao desalento – por exemplo: alguém que, desanimado pelo desemprego, decide tentar sobreviver sozinho, montando uma barraca de cachorro quente. A idéia valeu o Prêmio Nobel da Paz a seu autor, Muhammad Yunus, economista de Bangladesh, e ao banco que ele fundou em 1983 para trabalhar só neste ramo, o Grameen. No Brasil, a atividade começou em 2004, quando uma lei estabeleceu as regras. Depois de mais de dois anos, contudo, constata-se que os bancos estão pouco dispostos a colaborar para a paz que, diz o Nobel, o microcrédito proporciona. E mais: eles preferem até perder dinheiro, a correr atrás de uma clientela carente.
Da criação do microcrédito a dezembro de 2006, as instituições financeiras recusaram-se a emprestar 45% de tudo aquilo que estavam obrigadas. Em cifras, negaram R$ 782 milhões em crédito aos pobres, com quem poderiam ter lucrado cobrando juro de 27% a 60% ao ano. Em vez disso, acharam melhor mandar a bolada ao Banco Central (BC), onde o dinheiro descansa sem ganho para as instituições.
A opção de deixar os recursos no BC, em vez de emprestá-los, é autorizada pela legislação do microcrédito, de autoria da equipe econômica do governo federal. A norma determina que, de cada R$ 100 que as instituições arrumam em depósitos, R$ 2 devem virar microcrédito. Quem desobedece, sofre punição. Mas o castigo não se reverte em favor do objetivo do microcrédito, que é irrigar bolsos raquíticos. Os bancos são forçados a entregar o dinheiro ao BC, para que não usem em outras finalidades, como especular com a dívida do governo no “mercado”.
Pela legislação vigente, as instituições deveriam ter direcionado R$ 1,7 bilhão à baixa renda desde o início do microcrédito. Mas dados divulgados pelo BC nesta segunda-feira (29) revelam que apenas R$ 979 milhões foram emprestados de fato.
O BC disse que ainda não tem condições de oferecer uma explicação definitiva para a preferência dos bancos de perder dinheiro, em vez de mergulhar no microcrédito. Mas arrisca um palpite: despreparo. “Talvez os bancos precisem de estruturas maiores para trabalhar nesta área”, afirmou o diretor do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes.
O desinteresse do sistema financeiro existe desde o surgimento do microcrédito. Os bancos reclamam que os limites de juros são rasteiros demais para pagar o custo de caçar e manter clientes de baixa renda. Admitem que não estão acostumados a trabalhar com o segmento. E alegam que o risco de calote seria grande, pela falta de garantias dos tomadores (bens, emprego estável). São queixas contra o próprio espírito do microcrédito – oportunidade de crédito a quem está alijado do sistema tradicional.
No Brasil, a atividade beneficia desde pessoas que recebem Bolsa Família até trabalhadores que tocam um negócio próprio com faturamento máximo de R$ 5 mil mensais. A partir de novembro do ano passado, os empréstimos foram limitados a R$ 3 mil para pessoas físicas e a R$ 10 mil para empresas. Até então, os tetos eram de R$ 1,5 mil e R$ 5 mil, respectivamente.
Volume geral de crédito
Se os dados divulgados pelo BC sobre microcrédito desanima, o mesmo não ocorre com os relativos à evolução do crédito em geral. Em dezembro, o total de empréstimos bancários somava de 34% das riquezas que o BC estima que foram geradas pela economia em 2006. É o índice mais alto desde abril de 1996, embora ainda distante de patamares internacionais e para que a economia brasileira cresça mais do nos últimos anos.
No lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reconheceu a importância da expansão do crédito para o crescimento do país e que o volume ainda é pequeno no país. Mas afirmou também que o financiamento aumentou “consideravelmente”. Em dezembro de 2002, os empréstimos representavam 24% das riquezas nacionais.
Segundo a equipe econômica, o crédito ganhou fôlego com a redução dos juros, processo que atraiu contratos de pessoas físicas e empresas. O principal combustível para a elevação dos empréstimos foi o crédito com prestações descontadas do salário dos trabalhadores, o chamado consignado. Por ter risco de calote quase zero, o consignado possui juro menor que empréstimos tradicionais. Segundo o BC, ele já injetou R$ 48 bilhões no mercado.
Fonte: André Barrocal – Agência Carta Maior