O combate à discriminação de negros e negras deve se tornar prioridade do movimento sindical e eixo de desenvolvimento nacional. Essas algumas conclusões da mesa “A experiência da categoria bancária no combate à discriminação”, ocorrida na manhã desta terça-feira (29), no 1º Fórum Nacional: A Invisibilidade Negra no Sistema Financeiro, em Salvador.
O debate reuniu o presidente da Contraf-CUT, Carlos Cordeiro, e a diretora de Programas da Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas (SPAA) e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Ângela Nascimento, que assumiu o compromisso de incluir o movimento sindical bancário nas discussões do protocolo de intenções entre governo e Febraban.
O painel contou ainda com a apresentação de Bárbara Vallejo, da subseção do Dieese na Contraf-CUT, que trouxe dados de diversas pesquisas realizadas sobre a situação dos negros e negras no sistema financeiro.
Lucros, rotatividade e discriminação nos bancos
Carlos Cordeiro chamou a atenção para o papel dos dirigentes sindicais frente aos desafios da exclusão e da discriminação racial. “Fizemos opção de sermos dirigentes, estamos à frente de nossas entidades e cabe a nós, brancos, negros e pardos, termos ação forte para modificar essa realidade”, declarou. “O Brasil está crescendo economicamente e será em breve a 5ª economia do mundo, mas continua entre os dez piores em termos de distribuição de renda. Isso é uma prova da exclusão, que atinge principalmente o negro e mais ainda a mulher negra”, denunciou.
O presidente da Contraf-CUT destacou os lucros do sistema financeiro, que têm rentabilidade de até 25% sobre o patrimônio. “Isso quer dizer que a cada 3 ou 4 anos, o banco dobra de tamanho. Mas temos piso baixo, alta rotatividade e discriminação”, afirmou.
Outro ponto é a diferença de tratamento dos bancos entre os funcionários de cada país. “O lucro mundial do Santander veio 45% das Américas, sendo 25% do Brasil. Mesmo assim, o banco continua demitindo, paga baixos salários. Enquanto isso, na Espanha, o piso salarial é muito maior e não tem rotatividade. O Itaú comprou bancos no Chile, Argentina, Uruguai e pratica nestes países pisos maiores e lá também não tem rotatividade – que aqui atinge principalmente os negros”, comparou.
O dirigente sindical lembrou que uma alegação dos bancos para justificar a ausência de negros nos bancos caiu por terra: a grande diferença educacional. “Os bancos sempre usaram esse argumento, e antes isso era verdade. Mas os dados do Mapa da Diversidade mostram que hoje negros e brancos têm o mesmo grau de instrução. Mas o sistema financeiro continua discriminando e não tem ações para mudar isso. E aí entendemos por que a Febraban, mesmo convidada, não está aqui nesta mesa hoje”, criticou. “O sistema financeiro que temos hoje gera discriminação e sabemos hoje que essa discriminação tem rosto: ele é negro e feminino”, completou.
Desenvolvimento com inclusão social e sem discriminação
Para ele, isso é uma demonstração de que o Brasil tem muito que avançar e os dirigentes sindicais têm o desafio de se tornarem referência dos trabalhadores. “Temos que transformar o debate hoje colocado do crescimento econômico e pautar o desenvolvimento com inclusão social e sem discriminação. Não podemos terceirizar esse papel”, afirmou.
“No tema da reforma tributária, por exemplo, a referência dos trabalhadores são os empresários, que colocam lá o impostômetro. E temos dificuldade para entrar nesse debate que é fundamental, pois discute o tamanho do Estado, de quem arrecada e com quem gasta. Se não entrarmos nesse debate não vamos sair do lugar.”
Outro ponto fundamental para o presidente da Contraf-CUT é a reforma política. “Os negros são 51% da população e apenas 5% do Congresso Nacional. Se não levarmos isso em consideração, o trabalho que estamos fazendo aqui pode não significar nada, se chegarmos ao Congresso e perdermos.”
Carlos Cordeiro propôs uma autocrítica do movimento sindical, que não coloca o tema como prioridade. “Estamos abrindo espaços importantíssimos como este, mas não priorizamos esse tema. Temos que fortalecer, e muito, a ação sindical, colocando o tema como prioridade nos sindicatos e federações, fortalecendo a Comissão de Gênero, Raça e Orientação Sexual (CGROS) em todas as entidades e fazer um planejamento focado no tema racial. Temos a radiografia do sistema e vamos agora ver o tamanho das nossas pernas e até onde a gente pode ir. Tenho certeza de que podemos ir mais longe do que fomos até hoje”, avaliou.
Protocolo com a Febraban
A representante da SPAA/Seppir, Ângela Nascimento, falou sobre as discussões entre a Secretaria e a Febraban para o estabelecimento de um compromisso para o combate à discriminação no setor financeiro. Segundo ela, a Seppir está revendo compromissos de diversos setores assumidos com o governo à luz do Estatuto da Igualdade Racial, inclusive o protocolo com a Febraban.
“Quando vemos os percentuais de invisibilidade da mulher negra no sistema financeiro, evidenciados pelo Mapa da Diversidade, e comparamos com o crescimento de mulheres chefiando famílias na população brasileira, que atingiu 36,5%, e no caso das mulheres negras, que são famílias que aglutinam o maior numero de crianças e adolescentes, é grande a preocupação e interesse da Seppir em reverter essa situação nos bancos”, afirmou.
Cobrada pelos dirigentes sindicais, a representante do governo afirmou que irá incluir a Contraf-CUT nas discussões das ações a serem tomadas pelos bancos, que deverão recomeçar no início de 2012. Ela destacou que, entre as medidas propostas pela Seppir, está a divulgação de indicadores com pesquisas a cada dois anos, garantindo um conjunto de dados que permita o acompanhamento das políticas adotadas.
“É de nosso interesse que ação seja articulada com os trabalhadores. É a realidade dos trabalhadores negros e negras que tem permitido que o governo e a sociedade assumam outra pauta. Nosso compromisso é deixar de ver a questão racial como questão dos negros e passar a trata-la como eixo do desenvolvimento nacional. Ela não é uma particularidade, mas um elemento que constitui as relações de poder, socioeconômicas e o próprio acesso à vida”, completou.