Manifestação pela liberdade das mulheres em Brasília
Cerca de 3 mil pessoas compareceram à Marcha das Vadias no sábado (26) em Brasília, segundo dados dos organizadores do protesto e da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). A quantidade de manifestantes foi aproximadamente cinco vezes maior do que a da marcha do ano passado. Munidos de buzinas, tambores, cornetas, cartazes e com gritos de guerra, os manifestantes tiveram o objetivo de alertar a sociedade para a violência e o abuso sexual contra mulheres.
A primeira Marcha das Vadias foi organizada por estudantes da Universidade de Toronto, no Canadá, após declaração de um policial, em palestra na cidade canadense, de que o fato de as mulheres se vestirem como “vadias”, com saias curtas e decotes ousados, poderia estimular o estupro.
O movimento, iniciado no 2011, em Toronto,ganhou este ano caráter nacional no Brasil, ocorrendo simultaneamente em mais de 20 cidades brasileiras e, também, no exterior.
Na página do protesto no Facebook , principal meio pelo qual a Marcha das Vadias foi organizada, foram enfatizadas questões como a dignidade das mulheres, a divisão de tarefas domésticas, o direito à amamentação em público, a transexualidade e a homossexualidade feminina.
“Essa marcha luta pelo fim da violência física, sexual, psicológica e simbólica contra as mulheres”, disse a antropóloga Júlia Zamboni, 29 anos, que participou da organização da marcha desde a primeira edição, no ano passado.
A ex-presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Érika Kokay (PT-DF), esteve na manifestação e explicou que o principal efeito do protesto é dar visibilidade à questão, que deve ser discutida nas escolas para que não haja “revitimização” – processo em que as mulheres sofrem violência e ainda são culpabilizadas pelo abuso. “Queríamos e queremos direitos iguais. Se ser vadia é ser livre, então somos todas vadias”, afirmou a deputada à Agência Brasil.
De acordo com o advogado João Ribeiro, 55 anos, que participou da marcha, o protesto foi uma forma legítima de combate ao machismo. Segundo ele, protestos como esse são expressões culturais contra valores que são distorcidos pela sociedade.
O grupo iniciou a caminhada próximo à Rodoviária de Brasília, por volta das 14h30. Os participantes ocuparam as plataformas superior e inferior do terminal de ônibus da cidade, seguiram pelo Eixo Monumental até o acesso à W3 Norte, uma das principais vias de acesso ao Plano Piloto, zona central de Brasília. O trânsito foi brevemente prejudicado pela ocupação das ruas ao longo do trajeto.
A Marcha das Vadias ganhou este ano caráter nacional e ocorreu simultaneamente em mais de 20 cidades do Brasil e do mundo, inclusive em Toronto, no Canadá – onde a Slut Walk (Marcha das Vadias, em inglês), teve origem, em protesto à declaração de um policial que afirmou que mulheres que não quisessem ser estupradas deveriam evitar vestir-se como vadias.
Rio de Janeiro
Cerca de mil manifestantes estimados pelos organizadores pregaram o combate à violência contra a mulher durante a Marcha das Vadias, também realizada no sábado, na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. De acordo com a Polícia Militar, os participantes foram 400.
Mulheres e homens se concentraram no Posto 4 da orla a partir das 13 horas e rumaram às 15h30 até a Praça do Lido, no Posto 2. As integrantes do movimento, usando pouca roupa e maquiagem chamativa, cantavam slogans como “eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente com a roupa que escolhi, e poder assegurar, de burca ou de short, todos vão me respeitar” ou ainda “a nossa luta é por respeito, mulher não é só bunda e peito”.
Uma das organizadoras da marcha no Rio, Jandira Queiroz, disse que o objetivo dos protestos é chamar a atenção nacional para “um fenômeno muito negativo na nossa sociedade, que é o tamanho da violência sexual no país”. Declarou que todos gostam de ver as pernas de fora e um decote profundo das mulheres, mas também punem com violência se elas usam isso.
Segundo Jandira, “já é tempo de a sociedade entender que, se o homem pode andar sem camisa, por que as mulheres são chamadas de vadias e menoprezadas ou diminuídas no seu valor porque estão usando uma roupa mais fresca, em um país como o Brasil?”
De acordo com relatório do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, pelo menos 15 mulheres foram estupradas por dia, no ano passado, em todo o estado.
Jandira lembrou que esse é um número subnotificado, porque muitas mulheres sofrem violência sexual na própria casa e têm medo ou vergonha de relatar o fato. “As que chegam nas delegacias são, na maioria das vezes, culpadas pela própria violência sofrida”, denunciou.
A militante disse que, com a democratização no Brasil e leis em defesa da mulher, como a Lei Maria da Penha, esperava que esse tipo de crime diminuísse. “Mas não é o que a gente vê”. Externou também preocupação com o movimento de conservadorismo que, na sua avaliação, está crescendo no país.
Na próxima edição, em 2013, a idéia é que a Marcha das Vadias tenha uma abrangência, “no mínimo, latino-americana”, disse Jandira. O movimento já é realizado em vários países, mas em datas diferentes. A meta é que haja uma data comum para a realização em todo o mundo.
A engenheira agrônoma Renata de Prá destacou que o movimento é essencial para que as mulheres ocupem o seu lugar na sociedade. “Ser livre é um direito”, sustentou.
A manifestão contou com a participação intensiva dos homens. O estudante de biologia Anderson Almeida apoia a marcha porque, “da mesma forma que os homens têm vários direitos, as mulheres também têm”. Frisou que as pessoas ainda têm uma visão intolerante e conservadora das mulheres. Para ele, a roupa que a mulher veste não pode justificar a violência sexual.
A opinião é compartilhada pelo médico Ricardo de Oliveira Blanco. “A mulher tem o direito de se vestir como quiser. Isso não dá direito a ninguém de abusar sexualmente ou mesmo violentar uma mulher alegando o jeito de ela se vestir. Cada um tem a liberdade de se portar e se vestir como quiser. Afinal, a gente vive em um país democrático”, ressaltou.
Na avaliação do poeta e compositor Tony Melo, a liberdade de expressão deve ser apoiada sempre, por todos, do mesmo modo que o combate à violência contra a mulher. “Tudo que for livre, tudo que for saudável, tudo que for pela quebra de tabus, estou apoiando. Liberdade acima de qualquer coisa”.
São Paulo
Pelo menos 700 pessoas, de acordo com a Polícia Militar, participaram da segunda edição da Marcha das Vadias, que percorreu no sábado a região central da capital paulista. O objetivo da manifestação é denunciar os diversos tipos de violência sofridos pelas mulheres. A marcha luta também contra a culpabilização das vítimas pela violência sofrida.
A organização já esperava que mais de 400 pessoas comparecessem, já que no ano passado esse foi o número estimado de participantes. A concentração aconteceu na Praça do Ciclista, no canteiro central da Avenida Paulista, próximo à Rua da Consolação. A manifestação percorreu toda a Rua Augusta, até a Praça da República.
A passeata foi marcada pela irreverência de grande parte das participantes, que desfilaram usando roupas íntimas e até mesmo nuas da cintura para cima, com o corpo coberto por pinturas e palavras de ordem. Outras usavam roupas decotadas e curtas. A manifestação foi pacífica.
De acordo com a historiadora Gabriela Alves, que auxiliou na organização em São Paulo, o movimento não teve uma liderança centralizada e os participantes foram mobilizados pelas redes sociais, o que foi definido por ela como “organização horizontal”.
“Aqui em São Paulo, participam mulheres de diversos grupos feministas, GLBT [sigla de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros] e simpatizantes da causa. A participação é muito heterogênea, porque é uma marcha que gira em torno do corpo da mulher, da mulher livre e contra a violência sexual, por isso a empatia de um grande número de pessoas é mais do que natural e bastante espontânea”, disse Gabriela.
A psicóloga Janaina Leslão Garcia contou que participa da marcha devido ao histórico do ato e avaliou que é um absurdo que, em 2012, as mulheres ainda sejam culpabilizadas pela violência sexual que sofrem.
“Nós sofremos violência dia a dia da mídia, que nos vê como objeto de consumo sexual, e na hora que sofremos uma violência, a culpa é nossa porque estamos com decote, uma roupa curta. Nós não temos que ensinar as mulheres a não serem estupradas, e sim os homens a não estuprarem”.
Também psicólogo, Márcio Aloísio de Oliveira resolveu participar porque acredita que o feminismo não cabe só às mulheres. “Isso também pode de certa forma me libertar, se eu me livrar dos meus conceitos antigos de achar que o homem é que domina em tudo, que está na frente de tudo”. Para ele, a humanidade vive um período no qual os costumes mudam quando há visibilidade para as questões polêmicas.
Felipe Pessoa, pesquisador, também participou da marcha porque avalia que a sociedade ainda tem valores machistas que acabam sendo repressores até para o homem. “O homem tem que ser o machão, o pegador, e o feminismo vem libertar o homem desse modelo. Tanto a mulher deve ser respeitada e ter liberdade quanto o homem, que pode ser delicado e ter sensibilidade”.
Formada em física pela Universidade de São Paulo (USP), Maíra Goes Nunes se mostrou indignada pelo fato de as estudantes dessa instituição ainda precisarem da companhia masculina para deixar o campus, devido ao risco de serem estupradas.
“É um absurdo eu ter medo por ser mulher. Com a marcha, pelo menos nós chamamos a atenção para o fato de o problema ainda existir. Não pode acontecer e todo mundo ainda achar banal e parte do natural. Violência nunca é natural”.
Outras cidades
Além de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, ocorreram manifestações em outras cidades brasileiras como Belo Horizonte, Vitória, São Carlos (SP) e Sorocaba (SP). Em Porto Alegre, a marcha foi realizada no domingo (27).