Durante todo o fim de semana, Frankfurt, Paris e a City (distrito financeiro) de Londres ficaram em alerta. A Europa temia uma “segunda-feira negra”. Seus temores se confirmaram. Na manhã de ontem o Lehman Brothers anunciava seu “pedido de concordata”.
O choque foi rude. O Lehman é um banco de prestígio, facilmente identificado com o capitalismo americano. Sua queda foi recebida como presságio inquietante. O capitalismo americano está muito enfermo. O que alarmou as bolsas européias, todas em queda ontem, foi que autoridades americanas recusaram-se a intervir para salvar o Lehman. Até agora, tinham optado por socorrer bancos encrencados.
Em março, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) concedeu U$ 30 bilhões ao JP Morgan para a compra do Bear Stearns. Há uma semana, o Tesouro anunciou a colocação de Freddie Mac e Fannie Mae sob tutela do governo, a um custo provável de U$ 200 bilhões, o que significou quase uma nacionalização das duas gigantes de financiamento hipotecário.
Mas ontem a festa acabou: o secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, ofereceu um gélido “não” às novas demandas de salvamento bancário. A Europa constata que apitaram o fim do jogo. Esses sobressaltos levam água ao moinho dos inimigos do mercado e da globalização. Os EUA vivem a crédito. Todos seus atores estão endividados: Estado, empresas, indivíduos. Cada um, consciente do abismo à borda do qual cambaleia, agarra-se no vizinho.
Era previsível que o Fed não poderia continuar se fazendo de “encanador” tapando os vazamentos de água. Por quê? Os EUA são de tal forma dependentes dos capitais estrangeiros, em especial asiáticos, para financiar seus déficits públicos, que não poderiam ir mais longe na sustentação dos bancos abalados sem risco de explosão de todo o sistema.
É essa globalização financeira que faz os europeus estremecerem. O Banco Central Europeu anunciou oferta de propostas rápida. O Banco da Inglaterra tomará medidas se necessário. Mesma coisa na Alemanha.
O planeta financeiro chega ao fim de um ciclo. Peter Kenny, que dirige o fundo de investimento Knight Capital, resume a opinião comum: “uma nova ordem mundial vai surgir.” Em seu livro mais recente, o bilionário americano George Soros prevê o terremoto. Ele escreve: “As finanças ficaram à deriva, iludidas pela idéia de que os mercados são naturalmente virtuosos e que é preciso deixá-los agir sem restrições.” Não falta atrevimento a George Soros quando critica o mercado, ele que ganhou num único dia de 1992 a quantia de U$ 1 bilhão quando a libra esterlina saiu do sistema monetário europeu. Pode-se ficar chocado com seu novo discurso. Mas como negar que ele parece saber do que está falando?
Gilles Lapouge é correspondente em Paris