O pagamento excessivo de salários e bônus no setor financeiro torna-se questão política na Europa, levando a rainha da Inglaterra, Elizabeth II, a retirar o título de nobreza dado a banqueiro e a União Europeia ameaçar com endurecimento de regras para o setor.
Numa suprema humilhação, Sir Frederick Goodwin, ex-presidente do Royal Bank of Scotland (RBS), a partir da próxima semana será apenas Sr. Goodwin, depois de perder o título de nobreza, algo que raramente acontece e só atinge quem é acusado de ofensiva criminal. Goodwin justamente é visto como a encarnação do que há de pior no mundo das finanças.
Seu título de nobreza fora ganho em 2004 pelos “serviços ao setor bancário”‘. Isso se seguiu à tomada excessiva de riscos, com aquisições desastrosas e milhares de demissões, levando o banco quase ao colapso em 2008. O governo britânico teve que fazer o maior socorro da história a um banco no mundo, injetando US$ 71 bilhões no RBS e passando a controlar 83% da instituição.
Mesmo quase tendo quebrado o banco, Goodwin recusou-se a devolver US$ 26,6 milhões atribuídos na sua demissão. Sua arrogância causa furor popular até hoje. Sua casa e sua Mercedes foram vandalizadas, mas ele não voltou atrás. “O RBS vem simbolizar tudo que deu errado na economia britânica nos últimos anos”, afirmou o ministro da economia, George Osborne, comemorando a punição.
O primeiro-ministro britânico, David Cameron, visivelmente espera que a decisão de punir o banqueiro mais odiado da Inglaterra ajude a apaziguar a ira popular contra outro excesso envolvendo de novo o RBS.
Cameron não conseguiu, ou não quis, fazer valer o controle de 83% do governo no banco para impedir o pagamento de bônus de US$ 1,5 milhão ao atual CEO, Stephen Hester, sucessor de “Sir Goodwin”. Somente com uma pressão enorme da imprensa, populares e políticos é que Hester desistiu do bônus, no fim de semana. Ele admitiu que começava a se sentir como um “pária”, excluído da sociedade.
De um lado, Hester achava que tinha direito ao prêmio porque conseguiu passar de perdas gigantescas de US$ 24,1 bilhões para ganho de US$ 1,2 bilhão nos três primeiros trimestres de 2011. Mas os críticos notam que as ações do banco caíram 40% no ano passado. O dinheiro público injetado na instituição vale agora apenas a metade.
Para a União Europeia (UE), o jeito será impor mais restrições ao pagamento de bônus pelos bancos a seus principais dirigentes, para frear excessos e restaurar a confiança dos cidadãos nos bancos europeus.
Michel Barnier, comissário europeu de mercado interno, acena com duas novas medidas, em estudo: limitar a parte da remuneração variável a um percentual do pagamento total; e impor um múltiplo máximo entre as remunerações mais elevadas e as mais baixas nos bancos.
Barnier reclama que a “distribuição generosa de prêmios e bônus que uma parte do setor financeiro continua a conceder a si mesmo vai contra a razão, a moral e contra todo bom senso”.
Em debate no Parlamento Europeu, o comissário reiterou que no contexto econômico atual é “inaceitável que os bancos continuem a pagar bônus exageradamente elevados para seu pessoal, quando o setor financeiro foi salvo com dinheiro público e que exigiu esforço considerável dos contribuintes”.
Para Barnier, os bônus, no qual todo mundo reconhece o papel de incentivador na tomada de risco, vêm sendo pagos de forma excessiva por bancos que se beneficiaram do dinheiro público e cuja situação não melhorou.
A UE vem adotando medidas há dois anos, sem conseguir frear os pagamentos generosos. Em novembro de 2010 Bruxelas impôs três medidas: a interdição de políticas de remuneração incompatíveis com a manutenção de uma base sólida de capitalização dos bancos; os bancos que recorressem a socorro público deveriam limitar o pagamento de bônus; e os supervisores nacionais têm poder de limitar o montante total das remunerações.
Em outubro de 2011, a UE decidiu que os maiores bancos europeus não devem pagar bônus a seus dirigentes enquanto não alcançarem um volume de capital próprio de 9% em relação ao risco. Atualmente, uma proposta está em negociação no Parlamento europeu, para obrigar a publicação do número de pessoas recebendo mais de ? l milhão de remuneração total nos bancos.
A UE planeja reforçar o papel dos acionistas, por meio de voto de assembleia geral sobre os pagamentos de dirigentes. Essa medida poderá ser ampliada a todas as empresas cotadas na bolsa, e não apenas aos bancos.
No Fórum Mundial de Economia, em Davos, um debate reconheceu que a crescente percepção pública é de que a alta de salários de CEOs está fora de controle, tornando-a uma questão política. A desconfiança é exacerbada quando as altas de salários e bônus coincidem com fraco desempenho da empresa. Apesar do questionamento público, os acionistas até agora tendem a se inquietar mais com o resultado da companhia do que com o tamanho do pagamento aos diretores.