Por Gilson Caroni Filho*
Se fosse adepto da egolatria, veria a edição nº 440 do Observatório da Imprensa como minha consagração. Não é todo dia que um artigo repercute de tal forma que as réplicas vêm sob o formato "três em um". Para não deixar em brancas nuvens o arrazoado dos três jornalistas, tomo a liberdade de selecionar o que julgo mais relevante em cada um dos textos e responder de forma sucinta aos "intransigentes defensores da liberdade de imprensa".
Desnecessário frisar que nem todas as questões contempladas nos artigos serão abordadas. Qualquer critério adotado não daria conta da totalidade das considerações feitas. Como foi o jornalista Sandro Vaia quem começou o debate, inicio pelo dele minhas observações finais sobre o assunto. Procurarei ser breve.
Afirma o ex-diretor de Redação do Estado de S.Paulo em "Apontamentos sobre a `imprensa golpista´" que o termo só cabe em "alguém que defende um golpe de Estado, ou seja, defende a derrubada de um governo legitimamente eleito por meio de um putsch anticonstitucional, um golpe de força".
Não, prezado jornalista, definitivamente não. Palavras e práticas devem ser atualizadas sob pena de se perderem na falta de sentido. Também é golpe usar o poder de agenda da mídia, sabendo da centralidade política que ela ocupa, para acuar um governo democraticamente eleito. O leitor ou telespectador tem o direito de saber o que está acontecendo no país. Denunciar desvios do poder público é tarefa da imprensa. Usar o denuncismo para ocultar avanços econômicos ou interditar o debate político é função de partido de oposição que ignora as regras do processo democrático. E é a isso que os grandes jornais têm se prestado com afinco. Se luto por uma imprensa republicana, o vezo autoritário é meu? Tenha santa paciência, Sr. Sandro. Um pouco de rigor teórico ajuda a compreender melhor o processo. A questão, repito, não é semântica. É, acima de tudo, de enquadramento político do autor.
Ponto de concordância
Na edição de 22 de junho de 2006, o colunista do Globo, Merval Pereira, surpreendeu os seus leitores ao afirmar que "o presidente Lula está diante de um momento desses: ou se contenta com o que já conseguiu, e que não é pouco, ou segue adiante fazendo as reformas estruturais de que o país precisa para um crescimento acelerado e sustentado". O que de tão relevante foi conseguido que os jornalões não noticiaram?
Curiosamente, sem o querer, Merval denunciou um fazer jornalístico que não colabora em nada para consolidar a esfera pública democrática. É difícil não se valer de Freud ante um "ato falho" dessa magnitude. É a manipulação barata ousando dizer seu nome. O que lhe parece, prezado jornalista? O que foi omitido ao público faz parte de alguma prática consagrada tal como a chamada do UOL? Assim é, se lhe parece.
Indaga o Sr. Sandro: "Noticiar que o irmão do presidente da República foi acusado pela Polícia Federal de ser lobista (ou de tentar ser, coitado, pois ao que parece falta-lhe capacidade para tanto) é golpismo ? Noticiar os malfeitos deste ou daquele governo é golpismo?" Em absoluto, senhor redator. O problema é que os malfeitos "daquele" governo foram abafados de tal forma que o procedimento se tornou regra em quase todas as redações.
Vejamos três episódios: onde estava o jornalismo investigativo na farra do Proer? No escândalo da reeleição? No calote do Fundef? Do que tratava Jornal Nacional e do que se ocupavam seus eficientes profissionais à época? Claro que existem vários outros escândalos do tucanato, mas bastam os mais emblemáticos para desmontar os supostos estatutos de verdade da imprensa nativa. Se de fato a Folha de S.Paulo foi, por uma esperta visão mercadológica, a exceção dos oito anos, os demais cumpriram as ordens dos donos do poder como legítimos "cães de guarda".
Como se portaram os que reclamam por Lula não adotar um discurso antichavista, quando FHC concedeu a Fujimori a medalha da Ordem Cruzeiro do Sul? Parafraseando Drummond de Andrade, em que gruta ou concha quedavam abstratos nossos "bravos democratas"? Ou em que editorias exercitavam o seu "realismo político"?
Por fim, um trecho genial. Escreve o jornalista: "Quem se opõe à liberdade de informação é quem quer impor a ela a sua visão ideológica, é quem quer decidir o que pode e o que não pode ser publicado. E como, e onde, e quando deve ser publicado". Nesse ponto concordamos, Sr. Sandro. É exatamente isso que mais condeno nos donos de meios de comunicação e seus funcionários mais servis.
Processos internalizados
Em "A opinião com vezo autoritário" o jornalista Ruy Fabiano, ex-aluno da Facha, afirma que, da mesma forma que critico o "jornalismo vale-tudo", o pratico. Não, não pratico jornalismo. Escrevo artigos. E não o faço como o senhor diz, de forma leviana.
Não afirmei que o senhor era "empregado" da Globo ou estivesse sendo pago para escrever aquele artigo. Releia com vagar o trecho em questão:
"Não foi o suficiente para quem teme efeito demonstração. O jornalista Ruy Fabiano não titubeou em sair em defesa de quem o emprega. Em artigo que beira o primarismo, escreveu que `transpondo o raciocínio para o Brasil, pode-se dizer que, se amanhã a concessão da Rede Globo findar e o governo simplesmente não a renovar, estará sendo legalista e democrático. Ora, assim como a concessão de um canal de TV não pode ser ato pessoal de vontade do governante, muito menos sua supressão´. Fabiano, ao se tornar porta-voz do monopólio, esqueceu que, no Brasil, tal decisão teria que contar com o consentimento do Senado para ser efetivada. Distorcendo a fala do presidente, caiu em equívoco, e fechou simbolicamente o Congresso".
Tratava da sólida aliança da mídia, não da Globo especificamente. Ao falar que o senhor "saiu em defesa de quem o emprega" estava me referindo à imprensa. E enfatizava, de fato, seu papel de porta-voz de uma ideologia. Há nisso injúria, calúnia ou difamação? Afirmar que alguém é ator político é difamação? Por favor, prezado jornalista, leia com mais atenção e verá o quão apressada foi sua primeira leitura. Quando afirma que associo opinião a interesses, está corretíssimo. Na doxa não há isenção, meu caro. Isso é próprio do único animal que, pela linguagem, rompeu com a natureza e constituiu a cultura: o homem.
O jornalista Ivan Berger ("A dialética carola") vê na concordância dos leitores um comportamento bovino. É fazer pouco do senso crítico de quem lê o Observatório. Mas ao afirmar que estou na contramão da história, inverte a "dialética carola" a mim atribuída. Em que trecho reproduzo o senso comum da esquerda nos anos 1960? Defender Chávez é anacrônico, Sr. Berger? O vanguardismo está no apoio aos golpistas que tentaram derrubá-lo? Prezado, para efeitos de empulhação seu artigo deve guardado como referência. Carola é a dialética do mercado como fundamento último, como expressão da razão moderna.
Aos três, Sandro, Ruy e Berger, deixo claro que julgo salutar o confronto de idéias. Contanto que seja com cada um de uma vez. E lembro-lhes que processos ideológicos são internalizados de tal forma que não nos damos conta do quanto nossa consciência se inverteu. Cordiais saudações.
* Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil, Observatório da Imprensa e La Insignia. Escreveu originalmente este artigo para o Observatório da Imprensa