Estudo em Alagoas vincula afastamento de bancários com estresse

Professor alagoano lançou pesquisa sobre a saúde do bancário

Ascensão financeira, plano de cargos, comissões, salários altos, além de outros acréscimos. Entre estes benefícios tentadores, a profissão de bancário encobre uma questão danosa que quem atua nesta área sente diariamente na pele, ou melhor, na saúde: o estresse no ambiente trabalho.

Sonho de muitos brasileiros e considerada sinônimo de status, a profissão acabou se tornando uma frustração na vida dos trabalhadores e, nacionalmente, tem sido responsável por grandes números no índice de afastamentos das atividades profissionais por problemas de saúde. Em Alagoas, esta constatação tem registrado aumento nos últimos anos e é uma realidade que pôde ser vista em um recente estudo realizado com funcionários de instituições financeiras do estado.

Dedicando-se há alguns anos a pesquisas referentes à saúde mental, o professor Jorge Arthur Peçanha, doutor em Psicologia Social, resolveu estudar o tema de forma mais específica, passando a analisar as particularidades de algumas profissões. Seguindo esta linha, realizou o seu primeiro estudo voltado aos médicos docentes, cujo objetivo foi identificar os agentes estressores desta profissão, relacionando-os à Síndrome de Burnout, doença caracterizada por ser o ponto máximo do estresse ligado ao trabalho.

No ano passado, Peçanha recebeu o convite da estudante Carolina Cerqueira, do curso de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), da qual é professor, para orientá-la no trabalho de conclusão que teve como proposta analisar os agentes estressores e o estresse no trabalho como causas da Síndrome de Burnout nos bancários.

O estudo foi realizado com mais de 130 profissionais de instituições financeiras em Alagoas, São Paulo, Santa Catarina e Paraná, com idades entre 21 e 59 anos. Segundo o professor, a escolha em abordar esta categoria se deu pelo fato de ser um público que sofre demasiadamente com a síndrome por diversos aspectos.

De acordo com os índices analisados, os resultados do estudo apontaram que, entre todos os entrevistados, a predominância no tipo de estresse está relacionada principalmente a dois fatores: a exaustão emocional, que ocorre em virtude da demanda de trabalho ser superior à capacidade do indivíduo; e a realização profissional, que representou a avaliação da carreira de forma negativa. Conforme explica Jorge Peçanha, os agentes que motivam esta predominância estão relacionados à forma de realizar o trabalho, que implica mais do que a sua quantidade.

Saúde do trabalhador vai além dos equipamentos de proteção

“No funcionamento de um banco há estressores que não são percebidos facilmente e não são considerados nas pesquisas, tanto é que ainda são escassos estudos no Brasil voltados a este público. Quando se fala em danos à saúde do trabalhador, as pessoas associam muito ao barulho, a climatização e estrutura do ambiente, as relações e conflitos com a chefia e demais colegas de trabalho, mas o cotidiano acaba se perdendo, fica esquecido.

A rotina dos bancários é conviver sob a pressão das cobranças e metas elevadas, que são superiores à capacidade que um indivíduo normal teria de executar. É esta forma de trabalho que gera o estresse e adoece o trabalhador”, explicou o professor.

Sobre a notificação de casos, Peçanha destacou que isto ainda não é realidade no Brasil. Segundo ele, os profissionais, quando afastados, geralmente são diagnosticados com depressão, cardiopatias, problemas no sistema nervoso, entre outras causas.

“Estes problemas não são a resposta para o motivo do adoecimento. Eles são, na verdade, uma resposta do organismo à situação de estresse a qual o indivíduo é acometido. Então, possivelmente a causa originária do problema de saúde é o trabalho”, ponderou.

A síndrome que queima o exterior e o interior do profissional

Quando exposto excessivamente e continuadamente ao estresse, o trabalhador torna-se suscetível à Síndrome de Burnout. Traduzida ao pé da letra, a expressão americana significa queimar por fora, que representa bem o que acontece com os bancários e outros profissionais, segundo disse Peçanha. Trata-se de fatores externos, do ambiente organizacional, que atingem e trazem danos à saúde do trabalhador.

“O estresse favorece o aparecimento de cardiopatias, afeta diretamente o sistema imunológico e é um potencial causador de doenças como úlcera gástrica e síndrome do intestino irritado. Além disso, o trabalhador fica exposto à ansiedade, que pode evoluir para a síndrome do pânico e depressão”, explicou o professor.

O estudo mostrou também que os agentes estressores geram também a chamada “despersonificação”, termo de uso comum na literatura médica. De acordo com Peçanha, o profissional exposto a um nível elevado de estresse “passa a ser sínico no cumprimento das suas atribuições e no relacionamento com os colegas de trabalho”.

“É aquela questão bastante vista: ‘- Fulano, tem isso para ser feito. – Ah, é? Certo! Só não sei quando farei’. Não é que o indivíduo seja sínico, mas esta é a forma que ele consegue lidar com a situação de estresse elevado. Ele deixa de ser humano. É um fato de proteção própria, mas que interfere no relacionamento com o colega, no atendimento ao cliente, e em tudo mais que esteja ligado ao trabalho”, exemplificou.

Violência e insegurança não são fatores determinantes para o estresse

Nos últimos anos, Alagoas tem registrado inúmeros ataques às instituições financeiras da capital e do interior, principalmente na região do agreste. Desde o início de 2014, mais de 20 agências já foram alvo de criminosos, sendo quatro deles com registros de funcionários feitos de reféns, segundo dados do Sindicato dos Bancários de Alagoas e confirmados pela Secretaria de Estado da Defesa Social (Seds).

As temáticas “violência e insegurança” também foram abordadas no estudo, mas, segundo os resultados, não é um fator determinante para o nível elevado de estresse.

“É uma questão mais midiática; é um medo comum em qualquer profissional, de qualquer pessoa, visto que atinge de forma geral, principalmente no Estado em que vivemos. Não é uma questão do cotidiano e não é isso que faz o trabalhador adoecer. É considerado, mas não é determinante para o nível elevado de estresse. Os fatores relacionados às práticas de trabalho atingem bem mais. As cobranças, metas abusivas, a competitividade entre os funcionários são fatores que prejudicam a saúde em maior escala”, justificou o professor.

A realidade dos bancários alagoanos

Os resultados do estudo realizado em Alagoas e outras localidades condizem com a realidade vivida pela categoria, segundo afirma o presidente do Sindicato dos Bancários, Jairo França. “Os profissionais estão expostos ao excesso de trabalho em todo o Brasil e, por isso, nossas reivindicações vão além das melhorias salariais. É uma realidade que aflige os bancários alagoanos; faz parte da rotina dos trabalhadores, que sofrem com as cobranças abusivas.”

“Tudo isso acaba gerando assédio moral, seguido exposição às doenças mentais e cardiológicas. Muitos sofrem disso, mas temem procurar tratamento ou denunciar o abuso ao Ministério Público do Trabalho por medo de perder hora extra, participação nos lucros, entre os outros benefícios da categoria”, destacou o representante sindicalista.

Sobre o assunto, a diretora da Saúde do Trabalhador do Sindicato dos Bancários de Alagoas, Arivoneide Morais, disse que somente há assistência ao funcionário quando ele é vítima de assalto no local de trabalho, cujo atendimento se dá pela parceria entre o sindicato e bancos públicos.

“Não há nenhum trabalho voltado à promoção da saúde do trabalhador. As empresas não têm interesse. O que é feito, no âmbito público, é dar a assistência de uma equipe multiprofissional quando o bancário já sofreu o trauma. Isto ocorre por meio do Programa de Apoio às Vítimas de Assalto, que é realizado em parceria com as instituições”, destacou a diretora do Sindicato.

Arivoneide ressaltou que, na maioria dos casos, os funcionários só procuram o sindicato quando já estão em nível elevado de estresse. “Os bancários temem relatar qualquer abuso ou assédio por medo de perder o emprego, pois já viram isso acontecer com colegas. Quando procuram ajuda, já estão em estado avançado e próximo de ser afastado”.

A diretora do Sindicato acrescentou que não há informações oficiais sobre o quantitativo de afastamentos. Segundo ela, apesar dos bancos omitirem esse tipo de dado, a estimativa é de que, em 2012, Alagoas disparou nos registros de problemas de saúde do bancário, ultrapassando até o Maranhão, que era líder neste sentido.

Sobre índices de assédio moral e afastamentos, Arivoneide não citou dados fechados, mas disse que “o percentual têm crescido bastante”. “Quando as instituições percebem que o funcionário está com problemas de saúde que possam interferir no trabalho, eles adiantam o desligamento com o conhecido Programa de Demissões”, disse.

Quanto às denúncias ao Ministério Público do Trabalho, Arivoneide explicou que, quando a empresa percebe que o funcionário está se sentindo coagido, volta atrás e ameniza a situação como uma espécie de “cala a boca”.

“São coisas absurdas, inaceitáveis. Metas completamente abusivas. Tem colegas da categoria que, em movimentos grevistas, dizem até dispensar as melhorias salariais se, no lugar, fossem oferecidos benefícios em qualidade de vida no ambiente de trabalho, metas menos abusivas e o fim do assédio moral”, completou a diretora do Sindicato.

A frustração na carreira profissional

“Era um desejo que eu tinha desde a adolescência. Passei no concurso, me dediquei à instituição financeira e hoje, após anos de profissão, vejo a frustração do meu sonho. Não era isso que eu pretendia no final da minha carreira. Se eu soubesse que passaria por isso, jamais teria ingressado na área”. O depoimento é de um bancário com 31 anos de carreira, que, desde 2013, está de licença médica após problemas de saúde decorrentes do estresse no ambiente de trabalho.

O bancário, que pediu para não ser identificado, afirmou ter sofrido assédio moral na instituição em que trabalhava, em Maceió, por conta das metas. Segundo ele, os funcionários são obrigados a “empurrar serviços que, muitas vezes, o cliente não necessita”.

“A empresa exigia e gente fazia o que podia, porque do outro lado estava o cliente. Eu não podia fazer coisas absurdas, que estão contra os princípios e leis, e oferecer ou empurrar um produto que o cliente não necessita ou já tem. Eu tinha esse discernimento e pagava por isso. A empresa estipulava metas absurdas que não tinha como cumprir”, disse o bancário, que iniciou a carreira como caixa e, em 2001, chegou ao cargo de gerente.

Sobre as interferências na saúde, o profissional disse que passou a notar os sintomas da Síndrome de Burnout logo quando mudou de cargo, cujas cobranças e problemas típicos do estresse elevado foram se tornando crônicos com o passar dos dias. Em 2011, o bancário foi vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), fato que ele diz acreditar ter relação com as pressões vividas no ambiente de trabalho.

Após ser acometido pelo problema, o profissional ficou afastado por três meses. Quando voltou às atividades, a agência na qual era gerente foi assaltada e ele levado pelos bandidos como refém. Quando tratou do assunto, o bancário se mostrou bastante desconfortável e justificou ser uma reação normal sempre que se recorda do trauma.

“Depois que passei pelo AVC e fui vítima do assalto, voltei ao trabalho, mas não me sentia seguro e os sintomas do estresse voltaram. Voltei a ter crises de nervos e passei a ser acompanhado por psicólogo e psiquiatra. Estes profissionais emitiram laudo que aconselhava o meu afastamento das atividades e, desde 2013, estou de licença médica pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS)”, comentou.

Clique aqui para ver o vídeo com o depoimento do bancário.

Hoje, aos 52 anos de idade, o bancário descreve a sua carreira como um “verdadeiro sonho frustrado” e diz não ter interesse em retornar ao trabalho. “Mesmo que os médicos atestem capacidade, acredito que não voltarei à agência. Quando vou ao banco, seja pra fazer qualquer operação no caixa eletrônico, já fico temeroso, sinto um mal estar. Não me sinto confiante para voltar, mesmo que eu me recupere”, concluiu o profissional, que diz ainda estar sendo acompanhado por psicólogo e psiquiatra.

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