Altamiro Silva Júnior, de São Paulo
Valor Econômico
O sistema bancário europeu e americano já não é mais o mesmo. Em meio ao caos provocado pela crise de liquidez, os governos de vários países correram para socorrer bancos e gastaram até agora US$ 500 bilhões para nacionalizar grandes instituições e evitar o colapso de parte várias delas.
Ontem, o governo britânico apresentou os detalhes de um plano de até 400 bilhões de libras esterlinas, dos quais 50 bilhões de libras (US$ 87 bilhões) nos bancos e nacionalizar parcialmente o sistema bancário inglês. Antes disso, os governos da Finlândia, Holanda, Bélgica e França já haviam tomado medidas semelhantes para salvar bancos locais, abalados com os reflexos da crise americana.
O governo americano virou dono da maior seguradora do mundo (a AIG) e de duas gigantes de crédito imobiliário (Fannie Mae e Fredie Mac). Ontem, o Fed anunciou uma nova linha para que a AIG tenha acesso a mais caixa, com disponibilidade de até US$ 37,8 bilhões.
“A crise de confiança tem várias manifestações e a mais radical é a corrida bancária, daí a necessidade de intervenção para evitar essa catástrofe”, diz Ricardo Carneiro, professor do Instituto de Economia da Unicamp. Especialista em economia monetária e financeira, Carneiro afirma que os bancos não sobreviveriam sem essas ações, porque a confiança é a base do sistema e, como diz ele, “essa confiança parece que foi perdida”.
O Washington Mutual, que foi vendido ao JPMorgan, perdeu US$ 17 bilhões em recursos em poucos dias, o equivalente a 10% do total de depósitos do banco. Na Alemanha, a corrida bancária só se reduziu após o governo anunciar que irá garantir os depósitos de todas as instituições. Fato semelhante aconteceu na Irlanda, Dinamarca e Portugal.
“Sem confiança, o sistema quebra. O governo está tentando socorrer gerando liquidez e isso por si só é capaz de gerar confiança”, afirma Alex Luiz Ferreira, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. Para ele, essas ações do governo podem ajudar a restabelecer a “confiança perdida”, mas mudanças regulatórias serão necessárias para o sistema voltar a funcionar. O grande risco é uma recessão mundial por conta da queda do consumo nos EUA.
A crise dos bancos europeus veio na esteira dos problemas americanos. A escassez de financiamento em dólares por meio do interbancário (quando um banco empresta para outro) colocou problemas sérios para as instituições que tinham passivos na moeda americana. Com isso, como lembra Carneiro, da Unicamp, o próprio Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) acabou por oferecer linhas de redesconto para bancos europeus.
Além do problema de liquidez, os bancos europeus também aplicavam nos títulos de hipotecas americanas de alto risco (“subprime”). Foram esses papéis que deram origem à crise nos EUA. Na Europa não se sabe ainda quais bancos que têm esses títulos e nem em que quantidade. O fato é que, à medida que os bancos americanos foram quebrando, a confiança dos correntistas europeus no sistema bancário foi abalada.
Rodolfo Spielmann, sócio da consultoria Bain & Company, e especialista na área financeira, afirma que além dos problemas gerados pela falta de liquidez, a qualidade dos ativos dos bancos passou a ser questionada. “Além da crise de liquidez, começou um problema de solvência.” Tudo isso contribuiu para se criar pânico no mercado e, sem as medidas dos governos, Spielmann avalia que haveria um caos ainda maior.
Além dos bancos estatizados (total ou parcialmente), os governos gastaram mais de US$ 240 bilhões nas últimas semanas para viabilizarem aquisições de bancos privados por outros bancos privados. Em algumas operações, forneceu empréstimos para financiar as aquisições. Em outras, assumiu dívidas dos bancos e vendeu os ativos que interessavam ao setor privado. Com isso, só em gastos públicos, a ajuda aos bancos ultrapassa os US$ 700 bilhões, sem contar o pacote de ajuda americano para comprar títulos podres do setor, que prevê desembolsos de US$ 850 bilhões.
Os bancos brasileiros, que operam com menor nível de alavancagem, devem ter menor impacto. Além disso, o consumidor local não se sobrendividou, como o americano. Por isso, Spielmann acredita em menor contágio da crise no país pelo lado financeiro. O contágio viria principalmente pelo lado real, por exemplo, com menor demanda externa por commodities exportadas pelo país.