Auditoria do Ministério do Trabalho e Emprego atesta o que os sindicatos denunciavam há muito tempo: funcionários das terceirizadas das áreas de retaguarda, tesouraria e compensação são bancários
(São Paulo) Na sede do Ministério do Trabalho e Emprego, em Brasília, no último dia 11 de dezembro, foi entregue o relatório resultante do processo nacional de fiscalização realizado pelo MTE, a partir das denúncias encaminhadas no ano de 2005.
O material foi produzido a partir das fiscalizações realizadas por uma força-tarefa multidisciplinar composta de auditores do trabalho, engenheiros em segurança e medicina do trabalho, em automação e tecnologia, entre outros. A equipe foi coordenada pela doutora Ruth Beatriz de Vasconcelos Vilela, secretária de Inspeção do Trabalho. Outro órgão importante no enfrentamento da terceirização é o Ministério Público do Trabalho, por meio do setor de combate às fraudes nas relações trabalhistas.
O processo se iniciou em 1º de maio de 2005, quando a Confederação Nacional e representantes de sindicatos de bancários entregaram um levantamento-denúncia ao então ministro Ricardo Berzoini. A partir daí, foi criada a força-tarefa multidisciplinar do MTE que visitou postos de serviço das terceirizadas para verificar as condições de trabalho, avaliar os contratos, fazer levantamento da legislação e entrevistar funcionários dos bancos e das prestadoras.
Nesta primeira fase, as áreas fiscalizadas foram as relacionadas com retaguarda, tesouraria e compensação bancárias, o que quer dizer processamento, autenticação e compensação de cheques, malotes e material entregue em caixas eletrônicos, além de transporte de valores de empresas contratadas pelos bancos Bradesco, Unibanco e ABN Amro.
“Este grande trabalho do MTE atesta o que nós denunciávamos”, avalia Miguel Pereira, diretor da Contraf. “Agora, é o Estado que comprova que esses trabalhadores são bancários e não recebem seus direitos. E a responsabilidade inteira é dos bancos, multados em 10 milhões de reais no total.” De imediato, foram identificados 6 mil bancários que trabalham para esses bancos sem o respeito à Convenção Coletiva de Trabalho (CCT).
Se antes havia denúncias dos sindicatos e jurisprudência de ações isoladas na Justiça do Trabalho, agora há um parecer do MTE que responsabiliza exclusivamente os bancos pela ilegalidade.
A rigor, a estratégia de segmentação adotada pelos bancos envolve a captação de recursos e empréstimos em empresas diferentes de uma mesma holding e a oferta de uma infinidade de produtos e serviços financeiros. Mas, na prática, reduz salários e precariza a relação contratual dos trabalhadores. O MTE constatou que, independentemente da região, do banco e da empresa contratada, a organização é igual, o que evidencia um problema de todo o sistema financeiro.
Não vê quem não quer
O relatório conclui que todo o processo implementado pelos bancos, de contratação de mão-de-obra por meio de empresa interposta para realização das atividades de retaguarda, tesouraria e compensação bancárias, “afronta o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, bem como a inteligência dos preceitos contidos na Súmula 331 do TST e os princípios basilares do Direito de Trabalho”. Em bom português: são bancários explorados ao extremo em desrespeito às leis.
Os trabalhadores, quando registrados, cumprem jornada padrão de 8h48 minutos e são coagidos a fazer horas extras não-remuneradas nos dias de pico (segundas e dias seguintes a feriados, além dos dias 1º, 5, 10 e 30 de cada mês). Há casos de jornadas ininterruptas de até 23h de trabalho, por vários dias seguidos. Nesses dias, ainda são contratados horistas por meio de outras empresas, muitas das quais informais e cujas contratações são ainda mais precárias.
O assédio moral é praxe. Além das câmeras de segurança, de ter as metas afixadas nas paredes como nos outros dias, ocorrem casos em que, no meio da madrugada, depois de 8 ou 10 horas sem comer, os funcionários são impedidos de pedir uma pizza por sua conta ou até beber água.
Corrobora a tese de que a contratação dos bancos é intermediada (e portanto ilegal) o fato de que o sistema, o manual de treinamento, as metas impostas e a supervisão do trabalho são do banco. Ironicamente, até o Código de Ética Corporativo chega a ser exigido. Empregados dos bancos com todos os direitos, chamados de prepostos, são alocados dentro das terceirizadas para a supervisão e controle de procedimentos. Ou seja, estão presentes todas as características de um contrato de trabalho com os bancos.
O relatório do MTE também mostra que as terceirizadas não garantem condições de trabalho minimamente saudáveis. O estresse físico e mental é a rotina de quem trabalha nessas empresas.
Irresponsabilidade social nos bancos
A irresponsabilidade dos bancos parece não ter limites. Ao transferir documentos protegidos pela lei de sigilo bancário, a instituição perde o controle de informações confidenciais, colocando em risco o próprio sistema financeiro. Nesses casos, o banco impõe a observância do sigilo bancário às empresas. De novo repassa suas obrigações a terceiros. A relação do cliente que a lei protege é com os bancos e não com empresas subcontratadas, ou seja, o sigilo bancário do cliente tem a possibilidade de ser quebrado a qualquer momento.
Ao mesmo tempo em que precariza o trabalho dos contratados das terceirizadas, os bancos tentam desorganizar a categoria bancária, já que retira ilegalmente das agências e da representação sindical bancária um amplo contingente de trabalhadores. Muitos contratados são ex-bancários ou jovens sem experiência profissional. Sem alternativa, aceitam as condições impostas de “trabalhador de segunda classe”, uma vez que sofrem grande discriminação.
“Além de reduzir a base, os parâmetros da categoria são puxados para baixo. Como lutar por ganhos maiores se, na outra ponta, os banqueiros vão criando procedimentos para precarizar e pagar salários muito inferiores ao piso para milhares de trabalhadores?”, questiona Ana Tércia Sanches. Todos são prejudicados pela terceirização.
Providências
Além das multas, as provas foram encaminhadas de ofício para o Ministério Público do Trabalho, que fará os devidos encaminhamentos judiciais. A Contraf-CUT e sindicatos filiados não pretendem apenas esperar os resultados das ações judiciais. Vão buscar todos os meios para pôr fim a essas ilegalidades. Os trabalhadores querem ainda que sejam fiscalizadas as condições de prestadoras de serviço de outras áreas.
Medidas relacionadas aos correspondentes bancários, via resoluções do Banco Central, e aos financiários também estão no planejamento para o próximo período. Bem como a continuidade dessas fiscalizações em outros bancos.
É evidente a existência de um grande passivo trabalhista. A organização e mobilização são um caminho importante recuperá-lo. Com isso, o principal objetivo que levou à criação da Contraf-CUT vai se consolidando: organizar e defender os interesses de todos os trabalhadores do ramo financeiro.
Seminário Nacional
A Contraf-CUT organizará novo seminário nacional para discutir a terceirização e as ações para combatê-la em todo o sistema financeiro.
Motivos das multas aos bancos
- Manter empregados sem registro
- Não anotar CTPS
- Não informar ao Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados)
- Não informar Rais (Relação Anual de Informações Sociais) de 2003, 2004 e 2005
- Não pagar salário (piso, hora-extra, AN e RSR)
- Exceder de 6 horas a jornada do bancário
- Prorrogar a jornada além do limite de 2 horas
- Não conceder descanso de 11 horas entre jornadas
- Descumprir convenção coletiva
- Não depositar FGTS
- Não recolher a Contribuição Social mensal
Relatórios
Para ler os relatórios de cada banco clique nos links abaixo:
Fonte: Contraf-CUT
Foto: Agnaldo Azevado – Seec Brasília