Kristina Saez – La Haine/inSurGente
No ano que vem será comemorado o bicentenário do primeiro grito libertário da América Latina, por meio do qual este continente conseguiu romper as correntes colonizadoras com a “Mãe Pátria”. 200 anos depois, o panorama de dominação apresenta semelhanças demais. A Europa, e especialmente o Estado espanhol, mantém uma pressão colonizadora, continua sentindo-se superior e utiliza o disfarce capitalista do desenvolvimento e do crescimento econômico para manter sua presença e o espólio da região sul-americana.
As naves que atravessavam as extensas e perigosas águas do Atlântico são agora corporações transnacionais financiadas por capitais de origem um tanto obscuro (venda de armas, narcotráfico, paraísos fiscais…), cujos mecanismos de exploração resultam muito mais eficientes, inumanos e complexos de combater. Este capital transnacional submete os povos do Sul, com a cumplicidade dos governos do Norte e com as instituições financeiras criadas pelos países imperialistas após a Segunda Guerra Mundial, como o FMI e o BM. Geram novos instrumentos “legais” para despojar os povos de seus direitos humanos fundamentais, individuais e coletivos e, simultaneamente, outorgar mais direitos às empresas transnacionais.
As políticas de dominação colonial de então, através de medidas como a imposição de tributos aos indígenas, a mit’a ou a encomenda, estão representadas agora pelos processos de privatização, pela exploração laboral, pelos tratados de livre comércio, pela Companhia de Seguros de Crédito à Exportação (CESCE), pelo Fundo de Ajuda para o Desenvolvimento (FAD), pelos centros de arbitragem, como o Centro Internacional para o Acerto de Diferenças relativas a Investimentos (CIADI), pela chamada Responsabilidade Social Corporativa (RSC) das empresas. Com elas, de um modo mais ou menos sutil, é mantido o despojo humano e econômico dos povos da América Latina, com processos de expropriação dos recursos naturais, matérias-primas e outros bens, destruição de culturas, profanações, deslocamentos, degradação de ecossistemas, propagação de doenças, morte…
As operações do BBVA na América Latina
Neste cenário metafórico, a nau capitânia da nova frota invasora é a das entidades bancárias. Entre elas destaca o BBVA, banco com sede social no País Basco, que chegou em portos sul-americanos por volta de 1993, depois da sua entrada na União Européia, quando ainda era BBV (Banco de Bilbao Vizcaya), adiantando-se a outras empresas espanholas que não conseguiram isso até 1996. Em 1995, comprou o Banco Continental do Peru. No México, aumentou em 70% sua participação no Grupo Financeiro Probursa, e adquiriu a Banca Cremi e o Banco de Oriente. Adquiriu, em 1996, 40% do Banco Ganadero, o mais importante da Colômbia. No ano seguinte, apropriou-se, na Argentina, do Banco de Crédito da Argentina e do Banco Francês e, posteriormente, em 1999, do fundo de pensões argentino Consolidar. No ano 2000 capta, de forma polêmica, o segundo maior banco do México, o Bancomer S.A.
Sua expansão ainda não parou: de fato, prevê aumentar o universo de clientes na América Latina e no Caribe até chegar a 7,5 milhões para o ano 2010, e os benefícios que a própria empresa anuncia em seus relatórios anuais, procedentes da região, apóiam esta previsão. Em 2007, o BBVA obteve um benefício de 6.126 milhões de euros, 29,4% superior ao do ano anterior. No México e nos EUA foram registrados aumentos superiores a 28%, tanto na margem de exploração como no benefício atribuído em moeda local, obtendo até 2.084 milhões de euros. Na América do Sul conseguiu aumentar em 33,3% sua margem de exploração em moeda local e em 29,3% o benefício atribuído, o que supõe 623 milhões de euros. A própria entidade reconhece e qualifica como “grande notícia” o crescente peso da América Latina nos resultados do BBVA.
Mas de onde vêm estes benefícios? Como se explica que em países onde os índices de desenvolvimento humano são tão baixos as empresas transnacionais, e neste caso o BBVA, possam obter estes montantes em benefícios? O BBVA, através de seus agentes e lobbistas credenciados que operam em Bruxelas, impõe suas agendas e suas políticas com fins de lucro aos Governos, órgãos legislativos, instituições e organizações internacionais. Desta maneira, beneficia-se de condições que são contrárias aos direitos laborais, humanos, sociais e ambientais. Controla os fluxos dos recursos financeiros e favorece a manutenção da dívida externa. Desentende-se de responsabilidades, utilizando subcontratos para restringir direitos laborais e é responsável por numerosos casos de exploração laboral, com os chamados contratos-lixo (por não oferecerem nenhuma garantia trabalhista), recolocação de escritórios e grupos humanos, demissões massivas, mobbing, etc.
Por outro lado, segundo denúncia do Banco de México, o BBVA, junto com outros bancos estrangeiros que operam na América Latina, cobra comissões por serviços que são até 10 vezes superiores às transações similares efetuadas no Estado espanhol. O serviço de remessas do banco é um negócio usado para captar novos clientes, e é especialmente importante quando se considera que movimenta somas que superam toda a ajuda para o desenvolvimento. Nos casos da Bolívia e do Equador, as remessas representam até 5,7% e 3,6% do PIB, respectivamente. Por sua vez, os fundos de pensões e as microfinanças funcionam como serviços geradores de maiores pobrezas. Os primeiros, por reter entre 20 e 30% das contribuições dos trabalhadores como gastos e benefícios para as administradoras (AFPs), que se transformam nas verdadeiras beneficiárias; as segundas, favorecendo o endividamento dos setores mais pobres da população.
Os efeitos sobre as populações e o entorno
As práticas anti-humanitárias do BBVA incidem também sobre os povos da América Latina, prejudicando projetos de desenvolvimento das comunidades. Por exemplo, o México sofreu um dos ataques financeiros e administrativos mais sangrentos contra as comunidades de Chiapas, com a clausura das contas das organizações Osimech e Enlace Civil (2005). A mesma situação foi vivida na comunidade colombiana de Paz de San José de Apartadó.
Por outro lado, as frutíferas atividades comerciais realizadas pelo BBVA na região latino-americana passam pela geração de impactos negativos sobre as populações e os ecossistemas onde operam. Entre o financiamento que concede para projetos altamente contaminantes, destaca o Oleoduto de Crus Pesados (OCP), que afeta 11 áreas protegidas, e a exploração do Bloco 31 do parque Yasuní, ambos os projetos no Equador, com os quais, por outro lado, são violadas leis nacionais e internacionais. Também financia o projeto de gás e o gasoduto de Camisea, que têm forte impacto sobre a Amazônia peruana. Na Bolívia, financia os projetos para a realização do gasoduto de Gasyrg, que atravessa territórios indígenas guaranis e weenhayek, reconhecidos legalmente. 50% da mega-fabricação de celulose da empresa espanhola ENCE, no Uruguai, também está financiada pelo BBVA. Além disso, o banco está envolvido em projetos de mineração a céu aberto no Chile e no Peru, os quais provocam contaminação e dessecação de corpos de água, afetando o consumo da população dessas regiões. Também é financiador de companhias de grande impacto ecológico e humano, como as petroleiras Repsol YPF (até 2006), Iberdrola e Petrobras (até o muito recente 21 de março de 2008), quando finalmente foi expulsa do Equador pelos seus impactos.
O BBVA contradiz, por tudo o que já foi mencionado, as três chaves que a própria entidade destaca em sua linha de RSC: as relações trabalhistas, a atenção aos segmentos menos favorecidos da população e o meio ambiente. Por estas e outras atividades desenvolvidas pela entidade bancária BBVA, foi gerado um crescente movimento de reação a nível estatal, que acompanha o dos países afetados diretamente na América Latina. Neste sentido, no próximo mês de maio o BBVA será uma das empresas levadas a julgamento no Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Lima, Peru, no marco dos atos que serão realizados em paralelo à Cúpula de Chefes de Estado da União Européia, América Latina e o Caribe e com a finalidade de unir esforços entre os povos de ambas as regiões para lutar contra a tirania das empresas e em benefício das pessoas.
Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutore