Valor: nível de emprego cresce mais do que o PIB

Valor Econômico
João Villaverde, de São Paulo

A retomada brasileira no pós-crise trouxe para o emprego um ritmo de crescimento que é o dobro do observado pelo conjunto da economia. Até setembro, o emprego formal cresceu 2,9% em relação ao estoque de empregados no fim do ano passado. Em comparação semelhante, o Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre foi 1,5% superior ao do último trimestre de 2008. Também em 12 meses, o emprego segue na frente, na mesma proporção: a alta até setembro foi de 0,95%, enquanto o PIB ficou 1% menor.

Após setembro, as contratações continuaram em ritmo acelerado até alcançar, em novembro, alta de 4,4% no ano, percentual que pode cair um pouco em dezembro, mas que ficará muito acima do resultado próximo a zero esperado para o comportamento do PIB ao longo do ano.

Esse ritmo muito superior do emprego em relação à atividade, dizem os analistas, é próprio de momentos de retomada, da mesma forma que, em períodos de crise, a queda no emprego antecede à da atividade. Já em 2010, o ritmo dos dois indicadores deve ficar mais próximo ao padrão do período 2006 a 2008. O crescimento do emprego agora, dizem, reflete perspectivas positivas dos empresários sobre o futuro dos negócios.

Analistas consultados pelo Valor não têm dúvida em afirmar que as informações disponibilizadas pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) na semana passada sinalizam um crescimento do PIB próximo, ou mesmo superior, a 6% no próximo ano – o maior, portanto, dos oito anos de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A forte abertura de vagas, em diferentes setores, ultrapassa a velocidade de recuperação da atividade, “contratando” o crescimento futuro. “Há uma clara relação entre emprego e PIB, afinal mão de obra é fator de produção, ou seja, sempre que há demanda para ser atendida, haverá, em maior ou menor escala, mais contratação de pessoal”, explica Aurélio Bicalho, economista do Itaú Unibanco.

O cálculo de elasticidade entre emprego e atividade demonstra que, na década, os indicadores de emprego foram amplamente superiores em anos de crescimento baixo. Entre 2001 e 2003, os dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) – que computa a geração líquida de vagas formais para um universo mais amplo que o do Caged – , mostram o dobro do crescimento do PIB. Ou seja, cada 1% de aumento do PIB gerava uma ampliação de dois pontos percentuais no emprego.

A partir de 2004, a melhora no crescimento da atividade – que sai de 1,1% no ano anterior para quase 6% – estimula o mercado de trabalho, mas este deixa de crescer no dobro da velocidade do PIB e apenas acompanha sua ampliação, em um movimento típico de economias mais maduras. O acirramento das turbulências mundiais, no fim do ano passado, fez decair ambos indicadores.

A relação entre PIB e emprego não foi sempre próxima. Segundo Antônio Marcos Ambrózio, gerente da área de pesquisa e acompanhamento econômico do BNDES, é possível perceber, na análise da Rais e do PIB dos últimos anos, três fases distintas.

Ambrózio destacou o período entre 1996 e 2008. Em um primeiro momento, entre 1996 e 2000, a geração de empregos foi “muito ruim”, com resultados negativos sendo apurados pela Rais. Ao mesmo tempo, a variação média do PIB não foi alta (2%). Entre 2001 e 2004, a média de crescimento do PIB não foi muito maior (2,7%), mas “há clara recuperação do emprego, que não é percebida se olharmos apenas os indicadores de atividade”.

Segundo o pesquisador, a segunda metade da década de 1990 foi marcada pela “reorganização estrutural” das empresas nacionais, que passaram a lidar com a abertura comercial – promovida pelo presidente Fernando Collor, em 1990 – e o câmbio fixo valorizado – sustentado durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso.

“O modelo de negócios passou pelo fenômeno da racionalização do emprego, onde a corda estourou na hora de cortar custos”, diz Ambrózio, para quem o efeito das medidas “foi benéfico para a economia, ao modernizar as relações empresariais e introduzir competição internacional”, mas o processo “foi péssimo para o emprego”.

A partir da virada da década, as empresas, reestruturadas, passam a contar com um regime de câmbio flexível e uma situação externa menos volátil que a anterior, quando uma sucessão de crises no mundo criou instabilidade no modelo firmado em altas taxas de juros para atrair capitais que sustentavam o câmbio fixo.

É a partir do biênio 2004-2005 que, segundo Ambrózio, a criação de vagas se acelera, acompanhando o incremento do PIB. Este, no período recente, acumulou crescimento médio de 4,6% – mais que o dobro do verificado na segunda metade da década passada.

O acirramento das turbulências no fim do ano passado, no entanto, reverteu parte do movimento ascendente do emprego e da atividade. Considerando dados da Rais, em 2008 foi a primeira vez na década que a variação líquida de empregos foi menor que o PIB – 4,9% e 5,1% respectivamente.

“Diante da incerteza quanto ao futuro, desencadeada pela crise, os empresários pararam de admitir e, em seguida, começaram a demitir”, diz Bicalho, do Itaú Unibanco. “Este processo foi rápido e atingiu em cheio o setor industrial, que produziu mais demissões que serviços ou comércio”, diz.

Para o economista, o processo foi estancado entre o primeiro e o segundo trimestre deste ano, quando o fortalecimento do mercado doméstico consolidou nos empresários a expectativa de melhores condições de negócio. “Vimos, no período, que há clara relação entre atividade e emprego, uma vez que ambos tombaram no momento de crise, e voltaram a subir no mesmo momento”, afirma Bicalho.

Para Fabio Romão, economista da LCA Consultores, a partir da recuperação da confiança, houve “dupla recomposição de estoques” para acompanhar o aumento da demanda doméstica. “A indústria passou a recontratar a mão de obra dispensada entre o fim de 2008 e o começo deste ano para ampliar a produção. Os estoques, produtivo e laboral, estão sendo reconstruídos”, afirma Romão.

O economista da LCA observa que os resultados do Caged dos dois últimos meses, quando os números divulgados surpreenderam mesmo as estimativas mais otimistas do mercado, não podem ser equiparados às informações mais recentes sobre o PIB, que vão até setembro.

“Apenas em março do ano que vem, quando o IBGE divulgar os dados consolidados quanto ao crescimento do PIB neste fim de ano, poderemos ter uma noção exata de quanto essa explosão do emprego representa”, afirma Romão, para quem o PIB, na margem, crescerá 2,3% entre outubro e dezembro, legando um “carry-over” de 3% no PIB de 2010.

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