Na última semana, um movimento ainda pontual chamou atenção do mercado. Três grandes empresas multinacionais remeteram dividendos para as suas matrizes em volumes superiores ao usual. Uma delas, do setor financeiro, realizou a operação por pressão da matriz, que demandou recursos para suprir necessidades imediatas de liquidez.
As outras duas, do setor químico e de metais, anteciparam parte dos lucros que poderiam ser remetidos somente no fim do ano por preocupações com o cenário externo e também com a trajetória do câmbio no mercado brasileiro, segundo fontes de mercado ouvidas pelo Valor.
Os valores remetidos foram relevantes para as companhias, apesar de pouco expressivos quando comparados ao fluxo de recursos que vem sendo destinado ao país. No início de setembro, por exemplo, o Brasil recebeu pouco mais de US$ 5,3 bilhões, segundo dados do Banco Central (BC), e o saldo total no ano supera US$ 65 bilhões até agora.
Mas em dias de estresse de mercado, em que qualquer notícia é suficiente para alterar o humor dos investidores, compras de recursos expressivas concentradas por uma única empresa em curto espaço de tempo, como foram esses casos, mexem pontualmente com a taxa de câmbio, contribuindo para a tendência de alta da cotação da moeda americana. O dólar completou ontem o nono pregão consecutivo de alta, fechando a R$ 1,714, com valorização acumulada de 7,87% nesse período.
A trajetória das remessas de lucros e dividendos por parte das companhias estrangeiras é ascendente desde pelo menos o começo deste ano. O principal fator é o desempenho favorável da economia brasileira comparada ao crescimento dos países sedes. Mas o agravamento da crise também pesa nessa decisão.
O volume de recursos remetidos às matrizes acumulado nos últimos doze meses, até julho (último dado disponível no BC), chegou a US$ 34,195 bilhões, bem próximo do patamar recorde atingido em setembro de 2008 (US$ 34,952 bilhões), auge da crise financeira internacional.
A expectativa é que alguns setores intensifiquem essas remessas no segundo semestre, como o de serviços e o financeiro (que passa por dificuldades na Europa e nos Estados Unidos). O setor de telecomunicações, por exemplo, que ao longo de todo o ano passado enviou às matrizes US$ 1,064 bilhão, já remeteu neste ano, em sete meses, US$ 1,526 bilhão.
Já as instituições financeiras distribuíram US$ 1,912 bilhão aos seus acionistas no exterior neste ano, uma alta de 33% comparada ao mesmo período do ano anterior (US$ 1,441 bilhão).
A indústria também ampliou as remessas em 12%, em média. O setor automotivo, que sofreu em 2008, voltou a elevar a renda neste ano. Até julho, as montadoras enviaram 22% a mais em lucros e dividendos aos seus países de origem do que no mesmo período do ano passado (US$ 3,171 bilhões).
O movimento pode não ser tão intenso como foi em 2008, com manutenção de um fluxo positivo de recursos para o Brasil, pois desta vez a crise está concentrada na dívida dos países e no setor financeiro. “De maneira geral, as empresas ao redor do mundo estão capitalizadas e os lucros vêm batendo as estimativas dos analistas a cada trimestre”, diz Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil.
Luís Afonso Lima, diretor-presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), diz ainda que boa parte dos investimentos estrangeiros no Brasil tem sido feito com reaplicação dos lucros obtidos internamente, o que, segundo ele, segura um pouco a repatriação do capital. “As empresas estão bem. Não vejo riscos nesse momento”, afirma.
O risco para a conta de transações correntes do Balanço de Pagamentos também é pequeno, diz Leal, mas poderia aumentar no caso de um agravamento da crise, afirma o economista do banco ABC Brasil. Caso os problemas se intensifiquem a ponto de desacelerar a demanda interna no Brasil, haveria um movimento de queda das importações e, também, uma redução dos lucros das empresas, com menor volume de remessas. Nesse cenário, a demanda por dólares no mercado interno recuaria, compensando uma eventual queda nas exportações.
Por outro lado, caso a crise se agrave no exterior, com queda nos preços das commodities, mas com o mercado interno ainda aquecido, as importações e as remessas de lucros se manteriam elevadas ao mesmo tempo em que as exportações perderiam força, podendo haver uma deterioração “forte” do saldo em transações correntes, diz Leal. “Em 2008, isso não ocorreu porque as medidas dos governos ao redor do mundo mantiveram a liquidez abundante, sustentando os preços das commodities e as exportações brasileiras. Nesta crise, vejo um espaço menor para o aumento das commodities.”
Para Tarcísio Joaquim, diretor da área internacional do Banco Paulista, apesar da mudança da trajetória do dólar no curto prazo, a tendência estrutural ainda é de apreciação da moeda brasileira por conta do fluxo de recursos ainda expressivo. “À medida que os problemas forem sendo resolvidos, o mercado devolve toda a alta do dólar”, diz.